quarta-feira, 28 de julho de 2010

Vazio e busca da paz

Pe. Alfredo J. Gonçalves *

Adital -
Há um vazio acima de nossas cabeças órfãs e perdidas, abaixo de nossos pés inseguros e escorregadios, ao redor de nosso agir febril e pragmático. Procuramos uma palavra no céu e topamos com o silêncio inquietante e impenetrável, que a um só tempo diz tudo e tudo oculta; procuramos um terreno sólido sobre o qual firmar as raízes e apoiar-se, e escorregamos para um abismo sem fundo, dele ficando suspensos por um fio tênue e frágil; procuramos um rosto que, em meio à multidão solitária, nos transmita vida e nos reconheça, e todos se furtam sorrateiramente.
Mais grave ainda, há um vazio em nossos olhos intoxicados de cores e imagens, em nosso peito curvado sob o peso dos afazeres e preocupações, em nossa alma atormentada por dúvidas e interrogações. Também aqui procuramos um olhar de compreensão e conforto, mas o que mora nos olhos de todos é o medo e a frieza, o desdém e a indiferença; procuramos um coração amigo, onde depositar confiantemente temores, mágoas e feridas, mas tropeçamos com gente de pedra, como o concreto e o asfalto da grande metrópole; procuramos um espírito lúcido, que ilumine nossas noites às vezes longas, escuras e insones, mas todos parecem fechados e asfixiados, prestes a afogar-se sob as ondas das próprias tormentas.


À medida que se aprofunda o vazio, cresce a corrida vertiginosa e alucinada para preencher suas reentrâncias obscuras e aparentemente selvagens. Multiplicamos tarefas, ruídos e palavras, na tentativa de calar esse clamor que sobre das entranhas mais íntimas. Enchemos a agenda de encontros e compromissos, para fugir a esse chamado sem nome, sem rosto e sem voz. Coisas, pessoas e relações servem de pretexto para silenciar um desejo que, por estranho e desconhecido, tudo fazemos para ignorá-lo ou sepultá-lo. Freneticamente consumimos os mais estranhos objetos, todos os segundos e minutos do tempo disponível, o prazer de manipular os aparelhos sofisticados de que dispomos... Tudo em vão!

A brasa do desejo permanece viva sob a avalanche de atividades para encobri-la. Frente a ela, nada podem os apelos do marketing, da propaganda e da publicidade. Menos ainda as bijuterias que, de loja em loja, pelos corredores iluminados do Shopping Center, vamos acumulando nas gavetas de nossas casas. Nem sequer a tecnologia de ponta, com seus artifícios e seu magnetismo, nos pode ajudar. As novidades e os modismos mais exóticos entram por nossas portas, mas a paz parece esquivar-se pelas janelas. "O rumor de anjos", de que fala Peter Berger, convive com o barulho ensurdecedor das máquinas, bem como com o piscar de luzes e o som metálico dos artefatos eletrônicos.

No fundo, permanecemos irremediavelmente sós e vazios, com o desejo oculto a pulsar no recôndito inacessível de nosso ser. Os desejos superficiais e imediatos com letra minúscula, de que está povoada a existência humana, não é capaz de apagar a chama do Desejo com letra maiúscula, que segue emitindo sinais indecifráveis de sua existência. Podemos responder às ondas dos impulsos, instintos e paixões que se manifestam à flor da pele, mas uma corrente subterrânea, ligada ao sangue e à pulsão vital de cada ser humano, circula invisivelmente em nossas veias. O vazio não é senão a sede de Deus, tanto mais forte quanto mais o mundo moderno ou pós-moderno tenta bani-lo dos assuntos terrestres.

Nos terremotos e tempestades de nossa trajetória, essa corrente oculta costuma emergir do fundo das águas, agita o fluxo e refluxo da maré, corrói pelo alicerce as verdades e certezas que nos davam segurança. Ao mesmo tempo, levanta novas perguntas e exige novas respostas. Vem à tona a pergunta fundamental da vida humana: de onde vim, quem sou para onde vou? Está em jogo o sentido da própria existência. Que significado tem meu agir tumultuado? São as situações limites da vida, quando, conforme Simone de Beauvoir, "as estrelas se apagam no céu e os marcos desaparecem da estrada". Como orientar minha frágil embarcação em meio a mares tão bravios, "nunca dantes navegados", acrescentaria o poeta Camões.

Na verdade, trata-se da pergunta que subjaz em vários relatos evangélicos diante do anúncio da Boa Nova por parte de Jesus. Frente à interpelação divina, personificada nos atos e palavras do Mestre, repete-se a pergunta humana: "o que fazer para herdar a vida eterna?". Não a vida após morte, mas uma vida marcada de tal forma por gestos solidários, que a morte não tem o poder de apagar. A morte só leva os mortos, não mata quem ama. A existência de quem "passa pela vida fazendo o bem" permanecerá eterna. Uma vez mais, é a pergunta pelo sentido fundamental da vida, para que esta não significa um par de anos ou décadas jogados fora.

A resposta ao vazio que em nós clama e reclama atenção vem expressada de forma magnífica na Carta de Paulo aos Filipenses. Não apenas no hino do despojamento de Jesus, o qual, embora "sendo de condição divina, não se apegou ciosamente ao fato de ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, assumindo a condição de servo" (Fl 2, 6-11). Com maior ênfase ainda, vem expressada na própria experiência de Paulo. "Judeu irrepreensível", atira pela janela todos os seus estudos, títulos e privilégios depois do encontro misterioso com o Ressuscitado. Pois, como escreve, "tudo eu considero perda, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, Meu Senhor; por ele, eu perdi tudo e tudo tenho como esterco, para ganhar Cristo" (Fl 3, 8).

Nada preenche o vazio que nos devora interiormente a não ser a intimidade com Deus, o Pai, com Jesus, o Filho, e com o Espírito Santo. Com razão escreve Edward Schillbeecky (Jesus a história de um vivente): "Jesus nos comunica apenas, da parte de Deus, que o próprio Deus é nossa garantia. E por isso os pobres, os que sofrem e os injustiçados têm realmente base para uma esperança positiva".


* Assessor das Pastorais Sociais.

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