quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Confrontos em Copenhague

Leonardo Boff *

Adital - "A visão dos representantes da sociedade civil mundial sustenta: a situação da Terra e da humanidade é tão grave que somente o princípio de cooperação e uma nova relação de sinergia e de respeito para com a natureza nos poderão salvar. Sem isso vamos para o abismo que cavamos", escreve Leonardo Boff, teólogo, constando que duas visões se confrontam em Copenhague.

Em Copenhague nas discussões sobre as taxas de redução dos gases produtores de mudanças climáticas, duas visões de mundo se confrontam: a da maioria dos que estão fora da Assembléia, vindo de todas as partes do mundo e a dos poucos que estão dentro dela, representando os 192 estados. Estas visões diferentes são prenhes de conseqüências, significando, no seu termo, a garantia ou a destruição de um futuro comum.

Os que estão dentro, fundamentalmente, reafirmam o sistema atual de produção e de consumo mesmo sabendo que implica sacrificação da natureza e criação de desigualdades sociais. Crêem que com algumas regulações e controles a máquina pode continuar produzindo crescimento material e ganhos como ocorria antes da crise.

Mas importa denunciar que exatamente este sistema se constitui no principal causador do aquecimento global emitindo 40 bilhões de toneladas anuais de gases poluentes. Tanto o aquecimento global quanto as perturbações da natureza e a injustiça social mundial são tidas como externalidades, vale dizer, realidades não intencionadas e que por isso não entram na contabilidade geral dos estados e das empresas. Finalmente o que conta mesmo é o lucro e um PIB positivo.

Ocorre que estas externalidades se tornaram tão ameaçadoras que estão desestabilizando o sistema-Terra, mostrando a falência do modelo econômico neoliberal e expondo em grave risco o futuro da espécie humana.

Não passa pela cabeça dos representantes dos povos que a alternativa é a troca de modo de produção que implica uma relação de sinergia com a natureza. Reduzir apenas as emissões de carbono, mas mantendo a mesma vontade de pilhagem dos recursos é como se colocássemos um pé no pescoço de alguém e lhe disséssemos: quero sua liberdade mas à condição de continuar com o meu pé em seu pescoço.

Precisamos impugnar a filosofia subjacente a esta cosmovisão. Ela desconhece os limites da Terra, afirma que o ser humano é essencialmente egoísta e que por isso não pode ser mudado e que pode dispor da natureza como quiser, que a competição é natural e que pela seleção natural os fracos são engolidos pelos mais fortes e que o mercado é o regulador de toda a vida econômica e social.

Em contraposição reafirmamos que o ser humano é essencialmente cooperativo porque é um ser social. Mas faz-se egoísta quando rompe com sua própria essência. Dando centralidade ao egoísmo, como o faz o sistema do capital, torna impossível uma sociedade de rosto humano. Um fato recente o mostra: em 50 anos os pobres receberam de ajuda dois trilhões de dólares enquanto os bancos em um ano receberam 18 trilhões. Não é a competição que constitui a dinâmica central do universo e da vida; mas a cooperação de todos com todos. Depois que se descobriram os genes, as bactérias e os vírus, como principais fatores da evolução, não se pode mais sustentar a seleção natural como se fazia antes. Esta serviu de base para o darwinismo social. O mercado entregue à sua lógica interna opõe todos contra todos e assim dilacera o tecido social. Postulamos uma sociedade com mercado, mas não de mercado.

A outra visão dos representantes da sociedade civil mundial sustenta: a situação da Terra e da humanidade é tão grave que somente o princípio de cooperação e uma nova relação de sinergia e de respeito para com a natureza nos poderão salvar. Sem isso vamos para o abismo que cavamos.

Essa cooperação não é uma virtude qualquer. É aquela que outrora nos permitiu deixar para trás o mundo animal e inaugurar o mundo humano. Somos essencialmente seres cooperativos e solidários sem o que nos entredevoramos. Por isso a economia deve dar lugar à ecologia. Ou fazemos esta virada ou Gaia poderá continuar sem nós.

A forma mais imediata de nos salvar é voltar à ética do cuidado, buscando o trabalho sem exploração, a produção sem contaminação, a competência sem arrogância e a solidariedade a partir dos mais fracos. Este é o grande salto que se impõe neste momento. A partir dele Terra e Humanidade podem entrar num acordo que salvará a ambos.

[IHU]
* Teólogo, filósofo e escritor

Centro de Direitos Humanos lança blog para receber denúncias populares

Adital

O Centro de Direitos Humanos Fray Bartolomé de las Casas (Frayba), que trabalha pela defesa e promoção dos direitos humanos no estado de Chiapas, México, lançou hoje (22), na ocasião do marco dos 12 anos do Massacre de Acteal, um blog para denúncias públicas, com o objetivo de garantir visibilidade para a expressão das aspirações dos povos.

"Acreditamos que é necessário criar um espaço próprio para que todas as denúncias possam alcançar a luz e a visibilidade, para que todos aqueles que sentem que é necessário dar sua palavra, possam dar de forma direta", destacou Gubidcha Matus, em comunicado à imprensa.
Para conhecer o blog, acesse www.chiapasdenuncia.blogspot.com.

Procuradores do MP do Trabalho abordam o combate ao tráfico de pessoas

São Paulo - Adital - Por ocasião do VI Encontro Internacional sobre Migração e Tráfico de Pessoas: Desafios e Possibilidades, que aconteceu no final do último mês de novembro em São Paulo (SP), os Procuradores Ministério Público do Trabalho (MPT) de SP, Mariza Mazotti e Ronaldo Lima, comentaram, em entrevista à Adital, o caráter multifacetário do tráfico de pessoas e o que vem sendo feito para combater este crime.

De acordo com Mariza, que também é Representante do Comitê Interinstitucional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas de SP, o tráfico humano envolve outros crimes e não acontece isoladamente. Ela esclarece que a maioria das pessoas que são traficadas para fins de exploração sexual, são mulheres e menores de 18 anos.

Para Ronaldo, é importante esclarecer que este tipo de crime exige a atuação dos mais diversos órgãos e entidades públicas e privadas. Por isso, diz, os números, assim como o tráfico, estão dispersos e ocultos pela sociedade.

Segundo o procurador, grande parte das denúncias de tráfico para fins de exploração sexual são voltadas para a área criminal e raramente estão vinculadas com uma relação de trabalho. "Esse tipo de denúncia dificilmente alcança o Ministério Público do Trabalho, uma vez que as pessoas não relacionam diretamente o trabalho escravo ao tráfico, mas muitos dos trabalhadores escravizados chegam aos locais de trabalho por meio do tráfico de pessoas. O mesmo ocorre com a exploração sexual de crianças e adolescentes."

Ele criticou a atuação da mídia em dar ênfase apenas para o tráfico de pessoas para retirada de órgãos, no contexto internacional, enquanto dentro do Brasil, que é um país continental, é bem mais comum o tráfico de pessoas para o trabalho escravo. Um dos exemplos citados é o trabalho escravo que acontece a partir do tráfico de bolivianos e paraguaios para a região de São Paulo, onde são explorados em oficinas de costuras e similares. "O tráfico interno é muito grande, e requer medidas semelhantes às adotadas com relação ao tráfico externo."

A sociedade pode contribuir com o trabalho de combate ao tráfico de pessoas denunciando qualquer situação suspeita de exploração, negligência e violência, contra qualquer pessoa, incluindo crianças, que possam ser vítimas da rede de exploração. "Qualquer cidadão pode vir ao Ministério Público pessoalmente, ou denunciar pela internet. E nós vamos apurar se realmente existe uma irregularidade ou não", esclarece Mariza.

Na Procuradoria do Trabalho de São Paulo, a denúncia pode ser feita para o Ministério Público do Trabalho através do número 0800 11 16 16. Mariza explica que este número já está sendo disponibilizado para alguns estados, a fim de contribuir com o enfrentamento à exploração sexual. De acordo com a Procuradora, esse esforço é resultado de uma campanha que foi lançada em maio deste ano.

A campanha consiste, entre outras ações, na divulgação de um cartaz, em cumprimento à Lei 11.577, de 2007, que determina a divulgação de uma mensagem que diz "Exploração sexual e tráfico de crianças e adolescentes são crimes. Denuncie Já". E disponibiliza o disk 100 que é número nacional.

Segundo ela, essa campanha, pela simples afixação de um cartaz, já apresenta frutos importantes. Ela informa que, no momento, estão fechando parceria com a Infraero e a Superintendência da empresa já solicitou uma capacitação para os funcionários que atuam no check-in dos aeroportos de São Paulo, para que eles possam identificar possíveis vítimas do tráfico de pessoas.

Exploração Infantil
De acordo com a convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), a exploração sexual é considerada uma das piores formas de trabalho infantil. Segundo o artigo 207 da Constituição Federal, é dever da família, sociedade e Estado proteger a criança e o adolescente de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

"Como Ministério Público, nós podemos exigir das autoridades a adoção de políticas voltadas ao combate do trabalho infantil, contribuindo, de certa forma, para reprimir também o tráfico de seres humano", declara Mariza.

Segundo ela, não existe, por parte da sociedade, o hábito de denunciar o trabalho infantil. "Eu poderia dizer até que existe aí certa tolerância por parte da sociedade com relação a esse trabalho. Basta andar pelas ruas e já podemos ver, nos semáforos da cidade, crianças que vendem algum tipo de produto".

Ela enfatiza que, aqueles que compram pensando que estão ajudando essas crianças, estão, na realidade, contribuindo para que se eternize a prática da exploração do trabalho infantil. "Porque essa criança está sendo explorada por um adulto, que muitas vezes, nem é da família dela", diz.
"Se não existisse essa demanda, essas crianças não estariam ali. Não existiram exploradores dessas crianças no farol", completa. "Para enfrentar o tráfico de pessoas, o trabalho tem que ser conjunto e articulado, senão realmente a gente não consegue. Garantir a integridade da criança e do adolescente é promover o futuro do país", finaliza.

Adolescentes e jovens de hoje têm mais vontade de migrar, diz estudo

Karol Assunção *

Adital - A maioria dos jovens uruguaios vive com os pais, sente-se meio protegido pelo sistema de saúde e dialoga com pessoas de outras gerações. Além disso, os adolescentes e jovens de hoje têm mais vontade de migrar. Isto é o que conclui o resultado preliminar da Enquete Nacional de Adolescência e Juventude (Enaj), divulgado na quarta-feira passada (16).

Elaborado pelo Programa Infamília do Ministério de Desenvolvimento Social (Mides), de março a setembro de 2008, o relatório contou com a participação de 5.017 adolescentes e jovens entre 12 e 29 anos residentes nas cidades uruguaias com mais de 5 mil habitantes. De acordo com a Enquete, a maioria dos entrevistados (64,2%) vive com um dos pais, na maioria das vezes (88,3%) só com a mãe.

O relatório mostra que o desempenho acadêmico é diferente por gênero, sendo as mulheres as que alcançam níveis educativos mais altos. "Entre os 12 e 14 anos, 43,8% dos rapazes e 53,6% das mulheres aprovaram no nível primário e ingressaram no ciclo básico. Entre os 15 e 19 anos, superaram o primeiro ciclo 37,3% dos primeiros e 49,5% das segundas. No intervalo de 20 a 24 anos, completaram o segundo ciclo ou estão cursando educação superior 32,9% dos rapazes e 43% das mulheres.", afirma.

Em relação à saúde, 95,2% dos adolescentes e jovens afirmaram que possuem cobertura médica. Sobre a saúde sexual, a enquete perguntou se alguma vez haviam consultado o ginecologista. Das entrevistadas, 71% afirmaram que haviam consultado alguma vez.

A maioria dos adolescentes e jovens (75,6% dos rapazes e 68,4% das mulheres) expressou já haver tido relações sexuais. "Esta diferença vem acompanhada por uma maior precocidade no início da vida sexual por parte dos homens: 50% dos rapazes entrevistados declararam haver tido relações sexuais pela primeira vez aos 15 anos ou menos, enquanto que a média para as adolescentes e jovens é de 17 anos.", analisa.

Em comparação com a última Enaj, realizada no ano de 1990, os adolescentes e jovens de hoje têm mais vontade de migrar, passando de 37,1% para 44.6%. De acordo com o relatório, as principais rações para a emigração são trabalhistas e econômicas, relacionadas ao estudo e à formação.

A diferença entre homens e mulheres em relação à experiência laboral tem diminuído. Enquanto em 1990 a diferença era de 16,4%, em 2008, esta caiu para 5%. "Na atualidade, uma maior proporção de mulheres tem entrado no mercado de trabalho, em relação ao que sucedia quase duas décadas atrás. A porcentagem de mulheres que declara haver tido um trabalho remunerado de três meses ou mais alcança 93%.", afirma.

O resultado preliminar da Enquete Nacional de Adolescência e Juventude 2008 está disponível em: http://www.infamilia.gub.uy/gxpfiles/ENAJ/ENAJFinal.pdf

* Jornalista da Adital

Grandes eventos preocupam pela violação aos direitos infanto-juvenis

Natasha Pitts *

Adital - Com a aproximação de grandes eventos como a Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e as Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016, cresce a preocupação com o aumento dos casos de exploração sexual e do trabalho infantil. A chegada de turistas e a existência de canteiros de obra que são montados para estruturar os eventos são alvo de preocupação constante.

Segundo estimativas do Ministério do Turismo (MTur) a Copa do Mundo deve trazer ao Brasil uma média de 500 a 600 mil turistas. Em contrapartida aos benefícios que este grande fluxo de visitantes traz à economia, os grandes eventos estão quase que obrigatoriamente atrelados a graves problemas como o crescimento do trabalho infantil e da exploração sexual de crianças e adolescentes.

A prevenção ainda se apresenta como a melhor maneira de reduzir o número de casos de violação aos direitos infanto-juvenis. "Com o aumento do fluxo turístico cresce também a exploração. Para combater este problema é necessário que seja realizado um trabalho de prevenção e conscientização. Além disso, a exploração também deve ser repelida de forma policia e gerar punição. Só assim o Brasil poderá fazer frente à situação", explica Elisângela Machado, coordenadora do Centro de Excelência em Turismo da Universidade de Brasília (CET/UnB).

Embora haja consciência de que o trabalho de sensibilização é a melhor maneira de prevenção, a grande quantidade de atores envolvidos no meio turístico dificulta o trabalho. De acordo com Elisângela, o trade turístico engloba 81 categorias de profissionais que vão desde recepcionistas, camareiras, taxistas e garçons, até gerentes de restaurantes e proprietários de hotéis, entre tantos outros. Devido à atuação no meio turístico todos podem atuar como aliciadores.

Em outubro, a coordenadora representou o Brasil durante a II Conferência Regional e Nacional de Prevenção e Intervenção Contra o Tráfico de Crianças, realizado na cidade de Maputo, em Moçambique. Durante o evento, foram apresentados estudos que mostraram os principais impactos que a Copa de 2010 trará às crianças. O evento é uma prova de que a África está se mobilizando para garantir os direitos infanto-juvenis no período em que eles mais poderão ser vulnerados.

Segundo Elisângela, a partir do próximo ano o Brasil também deve iniciar suas atividades de mobilização em prol de uma Copa e uma Olimpíada sem exploração das crianças e adolescentes. "O Ministério do Turismo, o Centro de Excelência e entidades ligadas ao turismo iniciarão a partir de 2010 um trabalho de prevenção e sensibilização, além de treinamento com os empresários ligados ao setor. O Brasil começará a se mobilizar quatro anos antes da Copa, o que é positivo e possibilita um trabalho concreto antes e durante a Copa", esclarece Elisângela.

As atividades de mobilização terão início de forma mais concreta apenas em 2010. Contudo, já neste ano foram realizadas formações regionalizadas em Recife, capital pernambucana, Nordeste do Brasil. Agentes de sensibilização foram formados para multiplicar conhecimentos e transmitir para outras pessoas o que aprenderam. No próximo ano a ação terá continuidade em todas as cidades sede da Copa e também em João Pessoa.

* Jornalista da Adital

Violência contra mulher prossegue no contexto de conflito armado interno

Karol Assunção *

Adital - A violência contra as mulheres ainda é uma realidade presente na vida das colombianas. Isso é o que é afirma o "IX Relatório sobre violência sociopolítica contra mulheres, jovens e meninas na Colômbia", divulgado este mês pela Mesa de Trabalho "Mulher e conflito armado".
O conflito armado interno ainda é um problema enfrentado pela Colômbia, o que contribui para outras graves consequências na vida da população, como deslocamentos forçados e violência sociopolítica. De acordo com o Relatório, as mulheres são vítimas de graves violações aos direitos humanos e ao Direito Internacional Humanitário ocorridas no contexto de conflito armado, violência sociopolítica e sob a aplicação da política de "Defesa e Seguridade Democrática" no país.

"Este Relatório, em conjunto com os anteriores, confirma que a violência contra as mulheres na Colômbia é grave, sistemática e generalizada, e que permanece na impunidade. O Estado colombiano não tem cumprido com as recomendações emitidas pela Relatoria Especial das Nações Unidas sobre Violência contra as Mulheres em seu Relatório do ano 2001.", conclui.

Por conta disso, a Mesa de Trabalho "Mulher e conflito armado" solicita, no documento, uma visita da Relatora Especial das Nações Unidas sobre Violência contra as Mulheres para analisar "a realidade da contínua violência que seu mandato tem contribuído a dar visibilidade, tanto nas esferas privadas como nas públicas, tanto em tempo de paz como durante conflitos armados".

Observatório
O conflito armado interno é uma das principais causas do descolamento forçado de colombianos. Apesar de este ser um tema bastante recorrente em estudos e pesquisas, o mesmo não acontece em relação à feminização do deslocamento forçado. Para o Observatório Gênero, Democracia e Direitos Humanos (OGDDHH), é preciso mais visibilidade e programas voltados a mulheres da Colômbia vítimas de deslocamento forçado e outros delitos relacionados à Violência Sexual Baseada em Gênero (VSBG).

De acordo com o Observatório, apesar dos esforços realizados por muitas organizações e redes, como a Liga das Mulheres Deslocadas (LMD), a maioria dos delitos segue na impunidade. No entanto, segundo OGDDHH, a situação começa a mudar após expedição do Auto 092 de 2008 da Corte Constitucional - a qual afirma que a violência sexual, a exploração e o abuso sexual são práticas habituais e invisíveis no contexto do conflito armado colombiano.

[Com a expedição do Auto] "o Estado colombiano tem tido que se ocupar seriamente com o desenho, a implementação e a avaliação de políticas públicas com enfoque diferencial de gênero, que vão mais além de um discurso transversal para converter-se em uma estratégia estrutural e consultada; que ponha os/as funcionários/as a escutar e a pensar como especificamente as mulheres se veem afetadas, pelo feito de se constituírem em vítimas do delito de deslocamento, como a condição subjacente ao feito de ser deslocada."

O "IX Relatório sobre violência sociopolítica contra mulheres, jovens e meninas na Colômbia" está disponível em: http://www.observatoriogenero.org/ddv/informes/2%20MUJER%20web.pdf

* Jornalista da Adital

Mão de obra de migrantes sul-americanos é explorada em oficinas de costura

São Paulo - Adital

Entrevista - Daniel Augusto Gaiotto

Daniel Augusto Gaiotto é Procurador do Trabalho na Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, capital paulista. Ocupa atualmente o cargo de representante regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo do Ministério Público do Trabalho, atuando especificamente na Grande São Paulo e Baixada Santista, no combate ao trabalho degradante ou trabalho análogo ao escravo.

Atualmente, um dos focos principais da sua atuação é a exploração sofrida por migrantes latinos no setor de confecções em algumas regiões da cidade. E foi sobre esse assunto que ele falou à Adital, principalmente sobre o combate que o órgão faz em relação a estes crimes que violam gravemente a dignidade humana. Confira a entrevista.

Adital - Atualmente, muito se fala do trabalho análogo ao escravo ou degradante. Em relação aos migrantes bolivianos em São Paulo, o senhor poderia fazer um breve histórico para percebermos como se chegou ao ponto em que estamos hoje.

Daniel Augusto - Minhas informações são baseadas em fatos práticos e também em dados que vou colhendo. No setor de confecções, sobretudo de roupas femininas, há um ciclo de exploração, pelo menos nos últimos 30 ou 40 anos. Isso em relação às confecções existentes no Brás e no Bom Retiro, as regiões de São Paulo que mais vendem esse tipo de roupa. A pessoa que trabalha na confecção ou nas oficinas de costura, com o tempo vai juntando o seu dinheiro, enriquece e passa a ser dono da oficina. Depois, chega à fase do lojista, progride, sai dessa atividade, e vai exercer outra atividade mais qualificada e rentável, em outro ramo. Isso aconteceu no meio da década de 60 com muitos dos coreanos, que passaram por todas essas fases. Agora, estamos na fase dos bolivianos. Então, existe um ciclo de exploração, em que um sempre vai sendo explorado lá na base. Mas o ciclo de exploração está evoluindo. Evoluindo no sentido figurado, obviamente. Sempre existe aquele grupo que é explorado hoje e vai progredindo, ainda que à custa dos outros e, de forma injusta, ascende na cadeia produtiva.

Adital - Antes dos coreanos, havia outros grupos? É interessante conhecer esse aspecto, e a área geográfica, talvez, da cidade em que isso mais se identifica.
Daniel Augusto - O Brás e o Bom Retiro são as regiões mais famosas. É um pouco inseguro, contudo, voltar muito atrás e elencar os grupos que primeiramente atuavam por lá. Necessário também ter cautela para evitar rotular um grupo social pela conduta de alguns de seus integrantes. As comunidades predominantes nessas regiões eram de origem síria, libanesa, judaica; os italianos também atuavam, embora em menor número. Atuavam em vários setores do comércio.
Mas, pelos relatos, os coreanos já chegaram a trabalhar como costureiros, depois foram donos de oficinas e de lojas. Na verdade, trabalharam para alguém que, nessa época, já os explorava nas confecções e nas lojas. Devemos ter a atenção de lembrar que estamos analisando o passado com os olhos de hoje, de forma que aquilo que é visto atualmente como degradante, poderia não sofrer tanta rejeição da sociedade naquela realidade. Por isso até, não há registros oficiais de denúncias de exploração de trabalhadores em oficinas de costura naquela época. Estou falando sobre o que aconteceu no passado, com base em informações de pessoas que viveram naquela época, que trabalharam como costureiros, como donos de oficina e, depois, como lojistas.

Adital - Qual é a dimensão disso? Quantas pessoas estão envolvidas nesse tipo de exploração?
Daniel Augusto - O trabalho nas confecções e nas oficinas de costura é muito pulverizado, o que acaba dificultando o nosso trabalho. Se antigamente era um pouco mais concentrado, poucas oficinas com mais empregados, ultimamente nós temos oficinas funcionando com meia dúzia de pessoas. O número total de trabalhadores envolvidos chega a ser assustador e há uma certa divergência quanto ao número de bolivianos. Muitos estão em situação ainda não regularizada, e continuam chegando. Já ouvi pessoas falando de 50 mil, de 100, 200, 300, 400 mil pessoas aqui na Grande São Paulo. Não tenho dados seguros, mas são muitos.

Adital - E como a Procuradoria age quando recebe alguma denúncia? Como é esta atuação?
Daniel Augusto - Nós recebemos as denúncias, por e-mail ou pessoalmente, sigilosas ou não, que são autuadas e distribuídas para os procuradores. As denúncias também podem ser feitas pelo próprio Procurador ou por outra autoridade. Aberta a investigação, vamos até o estabelecimento do denunciado, com apoio da Polícia Federal. Uma vez constatadas as irregularidades, intimamos o dono e propomos um termo de compromisso para que ele regularize a situação. Obrigações como registrar os empregados, pagar salário em dia, limitar a jornada de trabalho para oito horas, no máximo dez, recolhimento de FGTS e, especialmente, a regularização das condições de trabalho. Isso porque as condições são degradantes, os ambientes úmidos, mal ventilados e pouco iluminados, há risco de incêndio por causa da fiação e do material inflamável. Geralmente, essas oficinas de costura são precárias. Nessa medida, também é preciso fazer programas de saúde e de prevenção de acidentes dentro da empresa. Ao longo do tempo, os trabalhadores também adquirem doenças do trabalho, pois a atividade é desgastante, ainda mais porque o mobiliário não é ergonômico.

Adital - Desde que começou esse trabalho, quantos grupos ou pessoas foram autuadas? Há quantos bolivianos nas confecções? Eles conseguiram se libertar ou é um rolo compressor tão forte que depois volta?
Daniel Augusto - Não atuamos só em relação às oficinas de costura. É preciso ampliar um pouco o objeto para abranger também quem toma o serviço das oficinas, que classificamos como lojistas ou tomadores. Nas oficinas de costura, sempre são localizados documentos (como notas fiscais) que revelam quem são os lojistas que repassaram os cortes de roupas para serem costurados. Em relação a estes tomadores, estabelecemos que têm de selecionar melhor as oficinas de costura que contratam. Entendemos que são responsáveis pelas condições de trabalho dos costureiros, tanto o dono da oficina de costura como quem o contrata.
Chamamos os lojistas para que se comprometam a selecionar somente as oficinas que estão em situação regular, que tenham um ambiente digno e que mantenham empregados registrados. Mesmo aqui, não há como calcular o número de trabalhadores envolvidos, porque são muitos.

Adital - A partir de quando começaram a chegar as denúncias em relação aos bolivianos?
Daniel Augusto - Eu prefiro colocar os "sul-americanos", porque já constatamos, embora em número bem menor, os paraguaios no setor de confecções de roupas. As denúncias começaram a chegar aqui no final da década de 90. Então a partir dessa época, tivemos uma fase em que diminuíram um pouco as denúncias, mas elas aumentaram consideravelmente nos últimos três meses.

Adital - Uma questão crônica no Brasil é a pouca infraestrutura que às vezes se dispõe para executar uma determinada ação. Seu trabalho dispõe de quais meios, pessoas e instrumentos para executar suas ações? Ou as denúncias são tantas que não conseguem ir atrás de tantas denúncias?
Daniel Augusto - O Ministério Público do Trabalho não atua só com base nas denúncias recebidas. Às vezes, criamos programas e vamos atrás das empresas, quando constatamos a recorrência de um problema. A nossa estrutura não é a ideal, mas, conseguimos bons resultados. Um dos caminhos que seguimos foi atuar em conjunto com o Ministério do Trabalho, a Prefeitura de São Paulo, as comunidades envolvidas, a Associação Brasileira dos Coreanos, a Câmara do Comércio Brasil-Coréia, a Associação dos Bolivianos, a Associação dos Paraguaios, o CAMI (Centro de Apoio ao Migrante) e a Centro Pastoral dos Migrantes para tentar resolver essa questão. Um dos resultados da atuação conjunta foi a celebração de um Pacto Social com vistas a regularizar as condições do trabalho dos trabalhadores no setor de confecção. Primeiro vamos orientar, pois, esse pacto está dizendo o que cada um tem que fazer, quais as obrigações dos lojistas e das oficinas de costura. É um trabalho que não sabemos ainda o tamanho que vai adquirir no futuro, quando nós partirmos para a fiscalização. Isso é uma forma que encontramos para contar com a própria participação dos envolvidos, para regularizarem a situação voluntariamente. Depois, em uma segunda fase, vamos verificar se eles cumpriram aquilo a que se comprometeram.

Adital - Com relação aos problemas práticos, os que mais aparecem à medida que se descobre essa questão, a pulverização, que incita também grandes lojas que aproveitam esse tipo de trabalho, o senhor poderia falar um pouco?
Daniel Augusto - O que encontramos nas oficinas de costura não são só as etiquetas e as notas fiscais de lojas pequenas, dessas localizadas no Brás e no Bom Retiro. Recentemente, fomos até uma oficina de costura, onde encontramos etiquetas de uma rede de lojas de roupas femininas de marca conhecida em shopping centers. Outras grandes lojas, inclusive multinacionais, também já repassaram roupas, ainda que indiretamente, para oficinas de costura precárias.
Já fizemos termos de compromisso com alguns dos maiores magazines do país, para que controlem as confecções que contratam para confeccionar as roupas a serem vendidas. Estamos ainda em fase de acompanhamento desses termos de compromisso. Ainda não podemos dizer que o problema foi totalmente resolvido, mas contamos com outras entidades para nos ajudar, porque o número de fornecedores passa, muitas vezes, de 200, 300, 400.
Quanto aos pequenos lojistas, é mais difícil, porque é mais pulverizado. São pequenos, aos milhares, tornando esse controle bem mais difícil. Contudo, um problema complexo exige várias soluções. Estamos trilhando vários caminhos e vamos resolver, pelo menos aqui em São Paulo. E um dos meios que adotamos é justamente esse Pacto Social, que foi firmado em colaboração com várias entidades da sociedade civil e envolvendo também o Ministério do Trabalho.

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE BENTO XVI PARA A CELEBRAÇÃO DO DIA MUNDIAL DA PAZ

1 DE JANEIRO DE 2010

SE QUISERES CULTIVAR A PAZ, PRESERVA A CRIAÇÃO

1. Por ocasião do início do Ano Novo, desejo expressar os mais ardentes votos de paz a todas as comunidades cristãs, aos responsáveis das nações, aos homens e mulheres de boa vontade do mundo inteiro. Para este XLIII Dia Mundial da Paz, escolhi o tema: Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. O respeito pela criação reveste-se de grande importância, designadamente porque «a criação é o princípio e o fundamento de todas as obras de Deus»[1] e a sua salvaguarda torna-se hoje essencial para a convivência pacífica da humanidade. Com efeito, se são numerosos os perigos que ameaçam a paz e o autêntico desenvolvimento humano integral, devido à desumanidade do homem para com o seu semelhante – guerras, conflitos internacionais e regionais, actos terroristas e violações dos direitos humanos –, não são menos preocupantes os perigos que derivam do desleixo, se não mesmo do abuso, em relação à terra e aos bens naturais que Deus nos concedeu. Por isso, é indispensável que a humanidade renove e reforce «aquela aliança entre ser humano e ambiente que deve ser espelho do amor criador de Deus, de Quem provimos e para Quem estamos a caminho».[2]

2. Na encíclica Caritas in veritate, pus em realce que o desenvolvimento humano integral está intimamente ligado com os deveres que nascem da relação do homem com o ambiente natural, considerado como uma dádiva de Deus para todos, cuja utilização comporta uma responsabilidade comum para com a humanidade inteira, especialmente os pobres e as gerações futuras. Assinalei também que corre o risco de atenuar-se, nas consciências, a noção da responsabilidade, quando a natureza e sobretudo o ser humano são considerados simplesmente como fruto do acaso ou do determinismo evolutivo.[3] Pelo contrário, conceber a criação como dádiva de Deus à humanidade ajuda-nos a compreender a vocação e o valor do homem; na realidade, cheios de admiração, podemos proclamar com o salmista: «Quando contemplo os céus, obra das vossas mãos, a lua e as estrelas que lá colocastes, que é o homem para que Vos lembreis dele, o filho do homem para dele Vos ocupardes?» (Sl 8, 4-5). Contemplar a beleza da criação é um estímulo para reconhecer o amor do Criador; aquele Amor que «move o sol e as outras estrelas».[4]

3. Há vinte anos, ao dedicar a Mensagem do Dia Mundial da Paz ao tema Paz com Deus criador, paz com toda a criação, o Papa João Paulo II chamava a atenção para a relação que nós, enquanto criaturas de Deus, temos com o universo que nos circunda. «Observa-se nos nossos dias – escrevia ele – uma consciência crescente de que a paz mundial está ameaçada (…) também pela falta do respeito devido à natureza». E acrescentava que esta consciência ecológica «não deve ser reprimida mas antes favorecida, de maneira que se desenvolva e vá amadurecendo até encontrar expressão adequada em programas e iniciativas concretas».[5] Já outros meus predecessores se referiram à relação existente entre o homem e o ambiente; por exemplo, em 1971, por ocasião do octogésimo aniversário da encíclica Rerum novarum de Leão XIII, Paulo VI houve por bem sublinhar que, «por motivo de uma exploração inconsiderada da natureza, [o homem] começa a correr o risco de a destruir e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação». E acrescentou que, deste modo, «não só o ambiente material se torna uma ameaça permanente – poluições e lixo, novas doenças, poder destruidor absoluto – mas é o próprio contexto humano que o homem não consegue dominar, criando assim para o dia de amanhã um ambiente global que se lhe poderá tornar insuportável. Problema social de grande envergadura, este, que diz respeito à inteira família humana».[6]

4. Embora evitando de intervir sobre soluções técnicas específicas, a Igreja, «perita em humanidade», tem a peito chamar vigorosamente a atenção para a relação entre o Criador, o ser humano e a criação. Em 1990, João Paulo II falava de «crise ecológica» e, realçando o carácter prevalecentemente ético de que a mesma se revestia, indicava «a urgente necessidade moral de uma nova solidariedade».[7] Hoje, com o proliferar de manifestações duma crise que seria irresponsável não tomar em séria consideração, tal apelo aparece ainda mais premente. Pode-se porventura ficar indiferente perante as problemáticas que derivam de fenómenos como as alterações climáticas, a desertificação, o deterioramento e a perda de produtividade de vastas áreas agrícolas, a poluição dos rios e dos lençóis de água, a perda da biodiversidade, o aumento de calamidades naturais, o desflorestamento das áreas equatoriais e tropicais? Como descurar o fenómeno crescente dos chamados «prófugos ambientais», ou seja, pessoas que, por causa da degradação do ambiente onde vivem, se vêem obrigadas a abandoná-lo – deixando lá muitas vezes também os seus bens – tendo de enfrentar os perigos e as incógnitas de uma deslocação forçada? Com não reagir perante os conflitos, já em acto ou potenciais, relacionados com o acesso aos recursos naturais? Trata-se de um conjunto de questões que têm um impacto profundo no exercício dos direitos humanos, como, por exemplo, o direito à vida, à alimentação, à saúde, ao desenvolvimento.

5. Entretanto tenha-se na devida conta que não se pode avaliar a crise ecológica prescindindo das questões relacionadas com ela, nomeadamente o próprio conceito de desenvolvimento e a visão do homem e das suas relações com os seus semelhantes e com a criação. Por isso, é decisão sensata realizar uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento e também reflectir sobre o sentido da economia e dos seus objectivos, para corrigir as suas disfunções e deturpações. Exige-o o estado de saúde ecológica da terra; reclama-o também e sobretudo a crise cultural e moral do homem, cujos sintomas há muito tempo que se manifestam por toda a parte.[8] A humanidade tem necessidade de uma profunda renovação cultural; precisa de redescobrir aqueles valores que constituem o alicerce firme sobre o qual se pode construir um futuro melhor para todos. As situações de crise que está atravessando, de carácter económico, alimentar, ambiental ou social, no fundo são também crises morais e estão todas interligadas. Elas obrigam a projectar de novo a estrada comum dos homens. Impõem, de maneira particular, um modo de viver marcado pela sobriedade e solidariedade, com novas regras e formas de compromisso, apostando com confiança e coragem nas experiências positivas realizadas e rejeitando decididamente as negativas. É o único modo de fazer com que a crise actual se torne uma ocasião para discernimento e nova projectação.

6. Porventura não é verdade que, na origem daquela que em sentido cósmico chamamos «natureza», há «um desígnio de amor e de verdade»? O mundo «não é fruto duma qualquer necessidade, dum destino cego ou do acaso, (…) procede da vontade livre de Deus, que quis fazer as criaturas participantes do seu Ser, da sua sabedoria e da sua bondade».[9] Nas suas páginas iniciais, o livro do Génesis introduz-nos no projecto sapiente do cosmos, fruto do pensamento de Deus, que, no vértice, colocou o homem e a mulher, criados à imagem e semelhança do Criador, para «encher e dominar a terra» como «administradores» em nome do próprio Deus (cf. Gn 1, 28). A harmonia descrita na Sagrada Escritura entre o Criador, a humanidade e a criação foi quebrada pelo pecado de Adão e Eva, do homem e da mulher, que pretenderam ocupar o lugar de Deus, recusando reconhecer-se como suas criaturas. Em consequência, ficou deturpada também a tarefa de «dominar» a terra, de a «cultivar e guardar» e gerou-se um conflito entre eles e o resto da criação (cf. Gn 3, 17-19). O ser humano deixou-se dominar pelo egoísmo, perdendo o sentido do mandato de Deus, e, no relacionamento com a criação, comportou-se como explorador pretendendo exercer um domínio absoluto sobre ela. Mas o verdadeiro significado do mandamento primordial de Deus, bem evidenciado no livro do Génesis, não consistia numa simples concessão de autoridade, mas antes num apelo à responsabilidade. Aliás, a sabedoria dos antigos reconhecia que a natureza está à nossa disposição, mas não como «um monte de lixo espalhado ao acaso»,[10] enquanto a Revelação bíblica nos fez compreender que a natureza é dom do Criador, o Qual lhe traçou os ordenamentos intrínsecos a fim de que o homem pudesse deduzir deles as devidas orientações para a «cultivar e guardar» (cf. Gn 2, 15).[11] Tudo o que existe pertence a Deus, que o confiou aos homens, mas não à sua arbitrária disposição. E quando o homem, em vez de desempenhar a sua função de colaborador de Deus, se coloca no lugar de Deus, acaba por provocar a rebelião da natureza, «mais tiranizada que governada por ele».[12] O homem tem, portanto, o dever de exercer um governo responsável da criação, preservando-a e cultivando-a.[13]

7. Infelizmente temos de constatar que um grande número de pessoas, em vários países e regiões da terra, experimenta dificuldades cada vez maiores, porque muitos se descuidam ou se recusam a exercer sobre o ambiente um governo responsável. O Concílio Ecuménico Vaticano II lembrou que «Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos os homens e povos».[14] Por isso, a herança da criação pertence à humanidade inteira. Entretanto o ritmo actual de exploração põe seriamente em perigo a disponibilidade de alguns recursos naturais não só para a geração actual, mas sobretudo para as gerações futuras.[15] Ora não é difícil constatar como a degradação ambiental é muitas vezes o resultado da falta de projectos políticos clarividentes ou da persecução de míopes interesses económicos, que se transformam, infelizmente, numa séria ameaça para a criação. Para contrastar tal fenómeno, na certeza de que «cada decisão económica tem consequências de carácter moral»,[16] é necessário também que a actividade económica seja mais respeitadora do ambiente. Quando se lança mão dos recursos naturais, é preciso preocupar-se com a sua preservação prevendo também os seus custos em termos ambientais e sociais, que se devem contabilizar como uma parcela essencial da actividade económica. Compete à comunidade internacional e aos governos nacionais dar os justos sinais para contrastar de modo eficaz, no uso do ambiente, as modalidades que resultem danosas para o mesmo. Para proteger o ambiente e tutelar os recursos e o clima é preciso, por um lado, agir no respeito de normas bem definidas mesmo do ponto de vista jurídico e económico e, por outro, ter em conta a solidariedade devida a quantos habitam nas regiões mais pobres da terra e às gerações futuras.

8. Na realidade, é urgente a obtenção de uma leal solidariedade entre as gerações. Os custos resultantes do uso dos recursos ambientais comuns não podem ficar a cargo das gerações futuras. «Herdeiros das gerações passadas e beneficiários do trabalho dos nossos contemporâneos, temos obrigações para com todos, e não podemos desinteressar-nos dos que virão depois de nós aumentar o círculo da família humana. A solidariedade universal é para nós não só um facto e um benefício, mas também um dever. Trata-se de uma responsabilidade que as gerações presentes têm em relação às futuras, uma responsabilidade que pertence também a cada um dos Estados e à comunidade internacional».[17] O uso dos recursos naturais deverá verificar-se em condições tais que as vantagens imediatas não comportem consequências negativas para os seres vivos, humanos e não humanos, presentes e vindouros; que a tutela da propriedade privada não dificulte o destino universal dos bens;[18] que a intervenção do homem não comprometa a fecundidade da terra para benefício do dia de hoje e do amanhã. Para além de uma leal solidariedade entre as gerações, há que reafirmar a urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração, especialmente nas relações entre os países em vias de desenvolvimento e os países altamente industrializados: «A comunidade internacional tem o imperioso dever de encontrar as vias institucionais para regular a exploração dos recursos não renováveis, com a participação também dos países pobres, de modo a planificar em conjunto o futuro».[19] A crise ecológica manifesta a urgência de uma solidariedade que se projecte no espaço e no tempo. Com efeito, é importante reconhecer, entre as causas da crise ecológica actual, a responsabilidade histórica dos países industrializados. Contudo os países menos desenvolvidos e, de modo particular, os países emergentes não estão exonerados da sua própria responsabilidade para com a criação, porque o dever de adoptar gradualmente medidas e políticas ambientais eficazes pertence a todos. Isto poder-se-ia realizar mais facilmente se houvesse cálculos menos interesseiros na assistência, na transferência dos conhecimentos e tecnologias menos poluidoras.

9. Um dos nós principais a enfrentar pela comunidade internacional é, sem dúvida, o dos recursos energéticos, delineando estratégias compartilhadas e sustentáveis para satisfazer as necessidades de energia da geração actual e das gerações futuras. Para isso, é preciso que as sociedades tecnologicamente avançadas estejam dispostas a favorecer comportamentos caracterizados pela sobriedade, diminuindo as próprias necessidades de energia e melhorando as condições da sua utilização. Ao mesmo tempo é preciso promover a pesquisa e a aplicação de energias de menor impacto ambiental e a «redistribuição mundial dos recursos energéticos, de modo que os próprios países desprovidos possam ter acesso aos mesmos».[20] Deste modo, a crise ecológica oferece uma oportunidade histórica para elaborar uma resposta colectiva tendente a converter o modelo de desenvolvimento global segundo uma direcção mais respeitadora da criação e de um desenvolvimento humano integral, inspirado nos valores próprios da caridade na verdade. Faço votos, portanto, de que se adopte um modelo de desenvolvimento fundado na centralidade do ser humano, na promoção e partilha do bem comum, na responsabilidade, na consciência da necessidade de mudar os estilos de vida e na prudência, virtude que indica as acções que se devem realizar hoje na previsão do que poderá suceder amanhã.[21]

10. A fim de guiar a humanidade para uma gestão globalmente sustentável do ambiente e dos recursos da terra, o homem é chamado a concentrar a sua inteligência no campo da pesquisa científica e tecnológica e na aplicação das descobertas que daí derivam. A «nova solidariedade», que João Paulo II propôs na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 1990,[22] e a «solidariedade global», a que eu mesmo fiz apelo na Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2009,[23] apresentam-se como atitudes essenciais para orientar o compromisso de tutela da criação através de um sistema de gestão dos recursos da terra melhor coordenado a nível internacional, sobretudo no momento em que se vê aparecer, de forma cada vez mais evidente, a forte relação que existe entre a luta contra a degradação ambiental e a promoção do desenvolvimento humano integral. Trata-se de uma dinâmica imprescindível, já que «o desenvolvimento integral do homem não pode realizar-se sem o desenvolvimento solidário da humanidade».[24] Muitas são hoje as oportunidades científicas e os potenciais percursos inovadores, mediante os quais é possível fornecer soluções satisfatórias e respeitadoras da relação entre o homem e o ambiente. Por exemplo, é preciso encorajar as pesquisas que visam identificar as modalidades mais eficazes para explorar a grande potencialidade da energia solar. A mesma atenção se deve prestar à questão, hoje mundial, da água e ao sistema hidrogeológico global, cujo ciclo se reveste de primária importância para a vida na terra, mas está fortemente ameaçado na sua estabilidade pelas alterações climáticas. De igual modo deve-se procurar apropriadas estratégias de desenvolvimento rural centradas nos pequenos cultivadores e nas suas famílias, sendo necessário também elaborar políticas idóneas para a gestão das florestas, o tratamento do lixo, a valorização das sinergias existentes no contraste às alterações climáticas e na luta contra a pobreza. São precisas políticas nacionais ambiciosas, completadas pelo necessário empenho internacional que há-de trazer importantes benefícios sobretudo a médio e a longo prazo. Enfim, é necessário sair da lógica de mero consumo para promover formas de produção agrícola e industrial que respeitem a ordem da criação e satisfaçam as necessidades primárias de todos. A questão ecológica não deve ser enfrentada apenas por causa das pavorosas perspectivas que a degradação ambiental esboça no horizonte; o motivo principal há-de ser a busca duma autêntica solidariedade de dimensão mundial, inspirada pelos valores da caridade, da justiça e do bem comum. Por outro lado, como já tive ocasião de recordar, a técnica «nunca é simplesmente técnica; mas manifesta o homem e as suas aspirações ao desenvolvimento, exprime a tensão do ânimo humano para uma gradual superação de certos condicionamentos materiais. Assim, a técnica insere-se no mandato de “cultivar e guardar a terra” (cf. Gn 2, 15) que Deus confiou ao homem, e há-de ser orientada para reforçar aquela aliança entre ser humano e ambiente em que se deve reflectir o amor criador de Deus».[25]

11. É cada vez mais claro que o tema da degradação ambiental põe em questão os comportamentos de cada um de nós, os estilos de vida e os modelos de consumo e de produção hoje dominantes, muitas vezes insustentáveis do ponto de vista social, ambiental e até económico. Torna-se indispensável uma real mudança de mentalidade que induza a todos a adoptarem novos estilos de vida, «nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom e a comunhão com os outros homens, em ordem ao crescimento comum, sejam os elementos que determinam as opções do consumo, da poupança e do investimento».[26] Deve-se educar cada vez mais para se construir a paz a partir de opções clarividentes a nível pessoal, familiar, comunitário e político. Todos somos responsáveis pela protecção e cuidado da criação. Tal responsabilidade não conhece fronteiras. Segundo o princípio de subsidiariedade, é importante que cada um, no nível que lhe corresponde, se comprometa a trabalhar para que deixem de prevalecer os interesses particulares. Um papel de sensibilização e formação compete de modo particular aos vários sujeitos da sociedade civil e às organizações não-governamentais, empenhados com determinação e generosidade na difusão de uma responsabilidade ecológica, que deveria aparecer cada vez mais ancorada ao respeito pela «ecologia humana». Além disso, é preciso lembrar a responsabilidade dos meios de comunicação social neste âmbito, propondo modelos positivos que sirvam de inspiração. É que ocu-par-se do ambiente requer uma visão larga e global do mundo; um esforço comum e responsável a fim de passar de uma lógica centrada sobre o interesse egoísta da nação para uma visão que sempre abrace as necessidades de todos os povos. Não podemos permanecer indiferentes àquilo que sucede ao nosso redor, porque a deterioração de uma parte qualquer do mundo recairia sobre todos. As relações entre pessoas, grupos sociais e Estados, bem como as relações entre homem e ambiente são chamadas a assumir o estilo do respeito e da «caridade na verdade». Neste contexto alargado, é altamente desejável que encontrem eficaz correspondência os esforços da comunidade internacional que visam obter um progressivo desarmamento e um mundo sem armas nucleares, cuja mera presença ameaça a vida da terra e o processo de desenvolvimento integral da humanidade actual e futura.

12. A Igreja tem a sua parte de responsabilidade pela criação e sente que a deve exercer também em âmbito público, para defender a terra, a água e o ar, dádivas feitas por Deus Criador a todos, e antes de tudo para proteger o homem contra o perigo da destruição de si mesmo. Com efeito, a degradação da natureza está intimamente ligada à cultura que molda a convivência humana, pelo que, «quando a “ecologia humana”é respeitada dentro da sociedade, beneficia também a ecologia ambiental».[27] Não se pode pedir aos jovens que respeitem o ambiente, se não são ajudados, em família e na sociedade, a respeitar-se a si mesmos: o livro da natureza é único, tanto sobre a vertente do ambiente como sobre a da ética pessoal, familiar e social.[28] Os deveres para com o ambiente derivam dos deveres para com a pessoa considerada em si mesma e no seu relacionamento com os outros. Por isso, de bom grado encorajo a educação para uma responsabilidade ecológica, que, como indiquei na encíclica Caritas in veritate, salvaguarde uma autêntica «ecologia humana» e consequentemente afirme, com renovada convicção, a inviolabilidade da vida humana em todas as suas fases e condições, a dignidade da pessoa e a missão insubstituível da família, onde se educa para o amor ao próximo e o respeito da natureza.[29] É preciso preservar o património humano da sociedade. Este património de valores tem a sua origem e está inscrito na lei moral natural, que é fundamento do respeito da pessoa humana e da criação.

13. Por fim não se deve esquecer o facto, altamente significativo, de que muitos encontram tranquilidade e paz, sentem-se renovados e revigorados quando entram em contacto directo com a beleza e a harmonia da natureza. Existe aqui uma espécie de reciprocidade: quando cuidamos da criação, constatamos que Deus, através da criação, cuida de nós. Por outro lado, uma visão correcta da relação do homem com o ambiente impede de absolutizar a natureza ou de a considerar mais importante do que a pessoa. Se o magistério da Igreja exprime perplexidades acerca de uma concepção do ambiente inspirada no ecocentrismo e no biocentrismo, fá-lo porque tal concepção elimina a diferença ontológica e axiológica entre a pessoa humana e os outros seres vivos. Deste modo, chega-se realmente a eliminar a identidade e a função superior do homem, favorecendo uma visão igualitarista da «dignidade» de todos os seres vivos. Assim se dá entrada a um novo panteísmo com acentos neopagãos que fazem derivar apenas da natureza, entendida em sentido puramente naturalista, a salvação para o homem. Ao contrário, a Igreja convida a colocar a questão de modo equilibrado, no respeito da «gramática» que o Criador inscreveu na sua obra, confiando ao homem o papel de guardião e administrador responsável da criação, papel de que certamente não deve abusar mas também não pode abdicar. Com efeito, a posição contrária, que considera a técnica e o poder humano como absolutos, acaba por ser um grave atentado não só à natureza, mas também à própria dignidade humana.[30]

14. Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação. A busca da paz por parte de todos os homens de boa vontade será, sem dúvida alguma, facilitada pelo reconhecimento comum da relação indivisível que existe entre Deus, os seres humanos e a criação inteira. Os cristãos, iluminados pela Revelação divina e seguindo a Tradição da Igreja, prestam a sua própria contribuição. Consideram o cosmos e as suas maravilhas à luz da obra criadora do Pai e redentora de Cristo, que, pela sua morte e ressurreição, reconciliou com Deus «todas as criaturas, na terra e nos céus» (Cl 1, 20). Cristo crucificado e ressuscitado concedeu à humanidade o dom do seu Espírito santificador, que guia o caminho da história à espera daquele dia em que, com o regresso glorioso do Senhor, serão inaugurados «novos céus e uma nova terra» (2 Pd 3, 13), onde habitarão a justiça e a paz para sempre. Assim, proteger o ambiente natural para construir um mundo de paz é dever de toda a pessoa. Trata-se de um desafio urgente que se há-de enfrentar com renovado e concorde empenho; é uma oportunidade providencial para entregar às novas gerações a perspectiva de um futuro melhor para todos. Disto mesmo estejam cientes os responsáveis das nações e quantos, nos diversos níveis, têm a peito a sorte da humanidade: a salvaguarda da criação e a realização da paz são realidades intimamente ligadas entre si. Por isso, convido todos os crentes a elevarem a Deus, Criador omnipotente e Pai misericordioso, a sua oração fervorosa, para que no coração de cada homem e de cada mulher ressoe, seja acolhido e vivido o premente apelo: Se quiseres cultivar a paz, preserva a criação.

Vaticano, 8 de Dezembro de 2009.
BENEDICTUS PP. XVI

MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI PARA O 96º DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO (2010)

MENSAGEM DO PAPA BENTO XVIPARA O 96º DIA MUNDIAL DO MIGRANTE E DO REFUGIADO (2010)

"Os migrantes e os refugiados menores"

Queridos irmãos e irmãs
A celebração do Dia Mundial do Migrante e do Refugiado oferece-me novamente a ocasião de manifestar a solicitude constante que a Igreja alimenta por aqueles que vivem, de vários modos, a experiência da emigração. Trata-se de um fenómeno que, como escrevi na Encíclica Caritas in veritate, impressiona pelo número de pessoas envolvidas, pelas problemáticas sociais, económicas, políticas, culturais e religiosas que levanta, pelos desafios dramáticos que apresenta às comunidades nacionais e internacional. O migrante é uma pessoa humana com direitos fundamentais inalienáveis que devem ser respeitados sempre e por todos (cf. n. 62). O tema deste ano, «Os migrantes e os refugiados menores», refere-se a um aspecto que os cristãos avaliam com grande atenção, recordando-se da admoestação de Cristo, que no juízo final considerará referido a Ele mesmo tudo o que é feito ou negado «a um só destes pequeninos» (cf. Mt 25, 40.45). E como não considerar entre os «pequeninos» também os migrantes e refugiados menores? O próprio Jesus, quando era criança, viveu a experiência do migrante porque, como narra o Evangelho, para fugir às ameaças de Herodes, teve que se refugiar no Egipto juntamente com José e Maria (cf. Mt 2, 14).

Embora a Convenção dos Direitos da Criança afirme com clareza que deve ser sempre salvaguardado o interesse do menor (cf. art. 3), ao qual se devem reconhecer os direitos fundamentais da pessoa ao mesmo nível do adulto, infelizmente na realidade isto não acontece. Com efeito, enquanto aumenta na opinião pública a consciência da necessidade de uma acção pontual e incisiva em protecção dos menores, de facto muitos são abandonados e, de vários modos, encontram-se em perigo de exploração. Da condição dramática em que eles vivem fez-se intérprete o meu venerado Predecessor, João Paulo II, na mensagem enviada a 22 de Setembro de 1990 ao Secretário-Geral das Nações Unidas, por ocasião do Encontro Mundial para as Crianças. «Sou testemunha – ele escreveu – da condição lancinante de milhões de crianças de todos os continentes. Elas são mais vulneráveis, porque menos capazes de fazer ouvir a sua voz» (Insegnamenti XIII, 2, 1990, pág. 672). Formulo votos de coração para que se reserve a justa atenção aos migrantes menores, necessitados de um ambiente social que permita e favoreça o seu desenvolvimento físico, cultural, espiritual e moral. Viver num país estrangeiro sem pontos de referência efectivos cria-lhes, especialmente àqueles que estão desprovidos do apoio da família, inúmeros e por vezes graves incómodos e dificuldades.

Um aspecto típico da migração de menores é constituído pela situação dos jovens nascidos nos países receptores, ou então por aquela dos filhos que não vivem com os pais emigrados depois do seu nascimento, mas que se reúnem a eles sucessivamente. Estes adolescentes fazem parte de duas culturas, com as vantagens e as problemáticas ligadas à sua dúplice pertença, condição esta que todavia pode oferecer a oportunidade de experimentar a riqueza do encontro entre diferentes tradições culturais. É importante que lhes seja oferecida a possibilidade da frequência escolar e da sucessiva inserção no mundo do trabalho, e que seja facilitada a integração social graças a oportunas estruturas formativas e sociais. Nunca se esqueça que a adolescência representa uma etapa fundamental para a formação do ser humano.

Uma categoria particular de menores é a dos refugiados que pedem asilo, fugindo por vários motivos do próprio país, onde não recebem uma protecção adequada. As estatísticas revelam que o seu número está a aumentar. Por conseguinte, trata-se de um fenómeno que deve ser avaliado com atenção e enfrentado com acções coordenadas, com oportunas medidas de prevenção, de salvaguarda e de acolhimento, segundo quanto prevê também a própria Convenção dos Direitos da Criança (cf. art. 22).

Dirijo-me agora particularmente às paróquias e às muitas associações católicas que, animadas por um espírito de fé e de caridade, envidam grandes esforços para ir ao encontro das necessidades destes nossos irmãos e irmãs. Enquanto exprimo gratidão por quanto se está a realizar com grande generosidade, gostaria de convidar todos os cristãos a tomar consciência do desafio social e pastoral que apresenta a condição dos menores migrantes e refugiados. Ressoam no nosso coração as palavras de Jesus: «Era peregrino e recolhestes-me» (Mt 25, 35), assim como o mandamento central que Ele nos deixou: amar a Deus com todo o coração, com toda a alma e com toda a mente, mas unido ao amor ao próximo (cf. Mt 22, 37-39). Isto leva-nos a considerar que cada uma das nossas intervenções concretas deve nutrir-se antes de tudo de fé na acção da graça e da Providência divina. De tal modo, também o acolhimento e a solidariedade para com o estrangeiro, especialmente se se trata de crianças, torna-se anúncio do Evangelho da solidariedade. A Igreja proclama-o, quando abre os seus braços e trabalha para que sejam respeitados os direitos dos migrantes e dos refugiados, estimulando os responsáveis das Nações, dos Organismos e das Instituições internacionais, a fim de que promovam iniciativas oportunas em seu benefício. Vele materna sobre todos a Bem-Aventurada Virgem Maria, e ajude-nos a compreender as dificuldades daqueles que estão distantes da própria pátria. A quantos estão empenhados no vasto mundo dos migrantes e refugiados, asseguro a minha oração e concedo de coração a Bênção Apostólica.

Vaticano, 16 de Outubro de 2009.
BENEDICTUS PP. XVI
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sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

18 de dezembro...

Para refletir sobre a importância desta data, os brasileiros e brasileiras no mundo pedem um minuto de tua atenção

Flavio Carvalho



Introdução

“Voltei, senhores, para minha família após uma longa ausência: sete anos, para ser mais preciso, durante os quais estudei na Europa. Aprendi muito, e muito me escapou, mas isso é uma outra história. O importante é que voltei carregado por uma saudade tremenda de minha gente, naquela pequena aldeia à curva do Nilo. Durante sete anos, senti a falta deles, sonhei com eles e, quando cheguei, foi um momento mágico, pois me encontrei de fato entre eles. Alegraram-se comigo, rodearam-me inquietos e, rapidamente, senti o gelo derreter-se dentro de mim, como um ser enregelado exposto ao sol. Havia perdido, por um tempo, em terras cujos ‘peixes morrem de frio’, essa sensação de aconchego entre os meus. Meus ouvidos estavam acostumados a suas vozes e meus olhos, a suas feições, de tanto nelas pensar durante minha ausência; mesmo assim, a princípio, entre mim e eles houve algo como a neblina, que logo se desfez. No dia seguinte à minha chegada, acordei na mesma cama, no mesmo quarto cujas paredes haviam sido testemunhas da trivialidade de minha vida na infância e na adolescência. Entreguei meus ouvidos ao vento: é um som deveras conhecido por mim, que, em nossa terra, tem um alegre sussurro. O vento quando sopra entre as palmeiras é diferente daquele que passa pelos trigais. Ouvi o murmúrio da rola e, da janela, olhei para a palmeira do nosso quintal e constatei que a vida continua boa. Contemplando o tronco forte, as raízes fincadas na terra e a copa de folhas verdes, senti-me tranquilo. Não tenho mais a sensação de ser uma pena ao vento. Sou como aquela palmeira, uma criatura que tem origem, raiz e objetivo.”

(Tempo de migrar para o Norte, de Tayeb Salih; traduzido do árabe por Safa Abou-Chahla Jubran. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2004)

Pensei em 18 propostas para 18 de dezembro, Dia Internacional do Migrante. Quem sabe não concordas em pelo menos uma das dezoito propostas... Oxalá, com todas!

1. No dia 18 de dezembro, Dia Internacional do Migrante, vista-se com as cores da bandeira brasileira (não importa se ninguém identifica sua mensagem e sim como você se sente!).

2. Visite a página web da Rede Brasileira na Europa www.rede-brasileira.eu.

3. Na página web acima, leia o Documento de Barcelona, fruto do 3º Encontro da Rede de Brasileiras e Brasileiros na Europa, e ajude a divulgá-lo.

4. Visite a página web também do Ministério das Relações Exteriores, principalmente o portal consular: www.abe.mre.gov.br.

5. Na página web acima, na seção Brasileiros no Mundo, leia as atas da 2ª Conferência Brasileiros no Mundo e ajude a divulgá-las.

6. No dia 18, vá ao Consulado e faça sua matrícula (ou registro) consular, de graça e com o compromisso de que a informação será mantida em sigilo pelos consulados – além de servir para contar efetivamente quantos somos, dentre outros direitos que temos e muitos não conhecemos.

7. Leia ou comece a ler um livro sobre o tema da migração, ou especialmente da migração brasileira (se não conhece, peça dicas e sugestões). Se não, você também pode começar a escrever a sua própria história.

8. Faça o mesmo com algum vídeo ou filme sobre migração ou migração brasileira. E, se puder, convide amigos pra assistir com você.

9. Esteja onde esteja, às 18 horas em ponto do dia 18 de dezembro (hora considerada muito significativa por diversas religiões mundiais) ore, faça uma prece, cante um mantra, um cântico, um ponto, um toque, um hino, mentalize e deixe fluir alguma energia positiva, pense firme na felicidade de algum amigo ou amiga, concentre-se na saúde de algum parente, ou se você não acreditar em nenhuma das alternativas anteriores, exerça um minuto de respeito pelos que crêem (e os que crêem, por respeitar os que não crêem).

10. Como será perto do Natal, doe aquilo que já não mais necessita ou ajude aquele que mais necessita (procure serviços de donativos mais próximos). Exercite o que a tradição milenar oriental do Feng Shui (e do Budismo) chama de "exercício de desprendimento".

11. Envie uma remessa de dinheiro, que seja possível, para quem você acha que mais necessita.

12. Elimine definitivamente do seu vocabulário a expressão “ilegal”, quando se referir às pessoas em situação de irregularidade em relação à migração de determinado país (ninguém é ilegal até que se prove o contrário e, no máximo, comete uma infração administrativa imposta por países que não respeitam o direito humano - universal - de migrar).

13. Envie um e-mail para aquela amiga ou amigo que faz tempo com que você não se comunica, nem que seja para lembrar o quanto um abraço amigo é importante, mesmo que de longe.

14. Faça o mesmo do item anterior com uma velha carta depositada nos correios, porque nada substitui a velha sensação de receber uma carta amiga (ou mesmo um cartão de natal), em mãos.

15. Associe-se. Procure uma associação mais próxima de você e dos seus interesses e necessidades. Coletivize-se!

16. Se já faz parte de alguma associação, realize, no dia 18, uma reunião, para celebrar este dia dos migrantes do mundo (conforme atribuído pela ONU, o dia internacional do migrante).

17. Reenvie esta mensagem para a maior quantidade de pessoas que você puder e considerar importante (ocultando os destinatários do e-mail no campo CCO – Com Cópia Oculta, e evitando mensagens indesejadas / spams).

18. Envie uma mensagem para o Presidente da República, falando da necessidade de incorporar políticas públicas para brasileiros emigrantes na agenda política do Brasil.



Brasília-DF 18dez09

Organizado e divulgado pro Irmã Rosita Milesi – IMDH

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Greve dos imigrantes: uma iniciativa lançada via Facebook

Os canteiros de obras irão parar de uma hora para a outra. As fábricas irão fechar. Os mercados hortifrutigranjeiros ficarão vazios. Abandonados, os campos de tomates. Fechados, restaurantes, hotéis e pizzarias. É um dia sem imigrantes: 24 horas sem empregadas, babás, agricultores, operários, enfermeiros estrangeiros. Quem lançou a primeira greve de imigrantes na Itália foi o Facebook, com dois grupos ativos, milhares de inscritos e uma dezena de associações de imigrantes comprometidos.

Além da fronteira, uma iniciativa semelhante já está em curso na França, também graças ao Facebook. Uma jornalista, Nadia Lamarkbi, se perguntou: "O que aconteceria se o nosso país acordasse amanhã sem nós, imigrantes?". O dia escolhido pelos franceses é o dia 1º de março de 2010, e em poucos dias aquela que parecia só uma provocação se transformou em um encontro concreto, com mais de 45 mil inscritos. Não falta um precedente: no dia 1º de maio de 2006, nos Estados Unidos, quem cruzou os braços foram milhares de trabalhadores hispânicos.

Agora a ideia contagia a Itália. São dois os grupos ativos. O primeiro, intitulado "1º de março de 2010, 24 horas sem nós", conta com mais de três mil inscritos (entre italianos e estrangeiros) e se inspira na Jornada Sem Imigrantes, organizada na França, e se propõe a organizar uma "grande manifestação de protesto para fazer com que a opinião pública entenda quanto é determinante a contribuição dos imigrantes na manutenção e no funcionamento da nossa sociedade".

O segundo grupo, ainda no Facebook, chama-se "Blacks Out – Um dia sem imigrantes", fixa a data da greve para o dia 20 de março de 2010 e vê a adesão dos representantes de muitas associações de imigrantes: Eugen Terteleac, presidente da Romenos na Itália; Vladimir Kosturi, presidente da associação Illiria (Albaneses na Itália); Iualian Manta, presidente da Voz dos Romenos; Yacouba Dabre, secretário do Movimento pelos Africanos; Khalid Chaouki, responsável pela Segunda Geração dos Jovens Democráticos; a associação bengalesa Dhuumcatu; Wu Zhiqiang, presidente do Sindicato Chinês Nacional; Hu Lanbo, diretora da revista mensal China na Itália; Gaoussou Ouattara, membro da Junta dos Radicais Italianos.

E não só. Ao grupo, aderem também a Acli (Associação Cristã dos Trabalhadores Italianos, mais de 980 mil inscritos, 4.500 círculos), com o seu presidente Andrea Olivero.

"Um vento xenófobo varre o nosso país – escreve Aly Baba Faye, sociólogo, entre os promotores do grupo 'Blacks Out' – e a resposta da política é uma só: abrir a temporada de caça ao imigrante com a desculpa da irregularidade, declarar guerra à sociedade multiétnica e repropor a equação 'imigrante igual a criminoso'. Por isso – continua Faye em seu apelo – um dia antes da Jornada Mundial contra o Racismo, uma semana antes das eleições administrativas italianas, no dia 20 de março de 2010, a partir das 00h01min, os novos italianos irão parar".

Portanto, dois grupos, para duas datas diferentes. "Mas estamos trabalhando – conta Faye – para unificar as forças e as datas, para que esse compromisso não seja uma ocasião desperdiçada".


A tradução é de Moisés Sbardelotto.
IHU/Unisinos, La Repubblica, 15/12/2009 – www.unisinos.br/_ihu

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Investigação revela que número de feminicídios tem crescido no país

Adital - O Observatório Cidadão Nacional do Feminicídio (OCNF), entidade formada por 43 organizações em 17 estados do México, divulgou mais uma parte das investigações que compõe o relatório "Uma visão sobre o feminicídio no México em 2007, 2008 e 2009". Esta parte do relatório analisa os casos de feminicídio entre os meses de janeiro e junho deste ano, mapeia suas causas e comparte a responsabilidade dos casos com Estado e sociedade.

Para compreender as causas do feminicídio é necessário saber o que caracteriza este crime. De acordo com o OCNF, são considerados feminicídios os assassinatos cometidos contra mulheres por sua condição de gênero. O crime é caracterizado pela morte violenta das vítimas, que foram discriminadas por serem mulheres, o que quer dizer que nem todos os assassinatos de mulheres podem ser considerados feminicídio. Quando o gênero não é relevante para a morte, não há feminicídio.

Segundo o relatório do OCNF, o feminicídio continua a acontecer pois existe a "permissibilidade do Estado, que não garante a vida e a segurança das mulheres". Partindo deste entendimento, é necessário que haja uma desmistificação de que este crime de gênero é "natural" e que suas motivações têm relação apenas com assuntos íntimos e particulares.

"O entendimento político do feminicídio redimensiona a violência contra as mulheres como um assunto público, que compete à sociedade inteira, onde o Estado é o principal responsável de prevenir, sancionar e erradicar a violência para garantir o direito das mulheres à integridade e à vida", assinala o relatório.

Desde 2007, quando o Observatório iniciou suas pesquisas sobre o feminicídio no México, com o intuito de combater e dar visibilidade ao problema, até dezembro de 2008, foram detectados 1221 homicídios dolosos contra mulheres e meninas.

Baseado em dados mais recentes das Procuradorias de Justiça, o relatório aponta que apenas no primeiro semestre de 2009 (janeiro a junho) 459 mulheres foram assassinadas em 16 estados do México. Só os estados de Chihuahua, Distrito Federal, Estado do México, Guanajuato, Jalisco, Morelos, Nuevo León, Sinaloa, Sonora, Tabasco, Tlaxcala e Yucatán somam 346 vítimas, 100 a mais do que no primeiro semestre de 2008, quando foram registrados 246 casos.

O perfil das vítimas aponta que a maioria, 23% dos casos, tinha entre 21 e 30 anos; em seguida estão as mulheres com idade entre 31 e 40 anos com 18% e por último, as jovens com idade entre 11 e 20 anos, com 13% dos casos. Os dados comprovam que 53%, foram mortas quando tinham entre 11 e 40 anos.

As causas da morte não variam, apenas se revezam entre o uso excessivo da força, com 83 casos (18%) e disparos por arma de fogo com 82 casos (18%). Em 53% dos casos as Procuradorias Estaduais se recusaram a divulgar a causa. Outro dado que não sofreu modificações durante os anos foi o relacionado à autoria dos crimes. A maioria continua a ser cometidos pelos maridos ou parceiros das vítimas.

A ocupação das mulheres assassinadas também não é um fato novo, a maioria, cerca de 16%, era dona de casa. O fator financeiro ainda é um dos principais motivos que gera a submissão das mulheres a seu parceiro ou marido.

A falta de atenção por parte do Estado para com todos estes casos de feminicídios tem acarretado em poucas campanhas de prevenção e combate e em ações que não conseguem erradicar o problema de forma efetiva. Para fazer frente a este crime de maneira concreta o relatório coloca como medida urgente a tipificação do feminicídio como um novo delito penal no México.

"Requeremos que nosso país conte com mecanismos jurídicos integrais e diligentes que esclareçam os homicídios dolosos de mulheres. A tipificação do feminicídio, tanto no âmbito estatal como no federal, é necessária para efeito de uma devida investigação e sanção dos responsáveis", esclarece o relatório.

Com as investigações, o Observatório pretende unir vasta documentação sobre o crime de gênero para compreender a situação da problemática em todo o México, conhecer o status legal dos casos de assassinatos de mulheres e contribuir com a criação de mecanismos eficazes para a justiça promover a resolução dos casos.

Fiscalização constata alto índice de trabalho escravo também no Sudeste

Robson Braga *
Adital - As fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para identificação de trabalho escravo no Brasil foram, em 2009, além das regiões Norte e Nordeste e possibilitaram perceber que essa forma de exploração humana está diluída por toda a nação. Dos 4.051 trabalhadores/as libertados da condição de escravo em todo o país de janeiro a novembro deste ano, 39% eram explorados no Sudeste, sendo que, em 2008, esse percentual foi de 10%. Os dados foram compilados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Em 2009, 20% das pessoas libertadas da escravidão estavam no Nordeste; 18%, no Norte; 15%, no Centro Oeste; e 8%, no Sul. Por Estado, 749 trabalhadores foram libertados no Rio de Janeiro (Sudeste), 388 em Tocantins (Norte), 386 no Espírito Santo (Sudeste), 379 em Pernambuco (Nordeste), 364 em Minas Gerais (Sudeste) e 288 no Pará (Norte).

Esses valores não significam, entretanto, que o número de casos aumentou ou diminuiu nas regiões brasileiras, e sim, que as fiscalizações focaram mais a região Sudeste, para a qual menos se atentava antes.

Esses valores "não são novidades, o que tivemos de diferente este ano foi o holofote da fiscalização, que se voltou mais para [a região] Sudeste, [os Estados do] Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso", considerou o frei Xavier Plassat, coordenador da campanha de erradicação do trabalho escravo, da CPT.

Um fator que vem permitindo, desde 2007, uma maior atuação do governo federal nas investigações é a participação das superintendências estaduais do Ministério do Trabalho nas investigações. De 2003 - quando foi lançado o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo - até 2007, o país contava apenas com a fiscalização do grupo móvel do MTE.

"Este ano, metade das investigações foi feita pelas superintendências e a outra, pelo grupo móvel. Essa divisão de trabalho permitiu que mais ações pudessem ser desenvolvidas simultaneamente", explicou Xavier.

Para o frei, a fiscalização do governo federal para erradicar o trabalho escravo não dá conta do problema, "que é estrutural". "Libertar escravos não elimina a escravidão, porque devolve o libertado para a mesma condição", afirmou.

Apesar da crítica, Plassat destacou a iniciativa da superintendência do MTE em Mato Grosso, que tem oferecido capacitação profissional às vítimas retiradas do trabalho escravo.
Na avaliação dele, entretanto, o problema da escravidão só será sanado "quando o campo tiver um campesinato consciente, uma agricultura familiar forte e uma reforma agrária de verdade", disse.

Mesmo as fiscalizações - principal ponto da estratégia governamental - "são insuficientes", enfrentam um déficit de equipes, de grupos policiais e "impasses nas concepções do trabalho", acrescentou Xavier. Dos 74 casos verificados no Pará em 2009, por exemplo, apenas 34 foram fiscalizados. Dos 28 no Maranhão, somente dez foram vistoriados.

Os dados também mostram que, dos 4.051 libertados, 47% eram explorados na cana-de-açúcar, 18% em outras lavouras, 14% na pecuária e 6% no carvão. Dos 207 empreendimentos onde se constatou mão-de-obra escrava no país em 2009, 50% compunham o setor pecuarista; 11%, ligados ao carvão; 7%, canaviais; e 14%, outras lavouras.

Condenações
As punições criminais de exploradores de mão-de-obra escrava, que antes eram pontuais, podem ser ampliadas, devido à condenação penal de 28 fazendeiros pela Justiça Federal em Marabá, no Pará. A avaliação foi feita pelo frei Xavier Plassat.

"A condenação é muito emblemática, porque antes não se sabia ao certo de quem era a competência para julgar esses crimes, se a Justiça Federal ou a Estadual. A decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] em 2007 atribuiu a competência à Justiça Federal", explicou o frei.
Para Plassat, a "queda de braço" entre os que lutam contra o trabalho escravo e os que o promovem se acentuou em 2009. "O agronegócio faz uma pressão enorme, tentando desqualificar a fiscalização do Ministério do Trabalho. Eles dizem que a política devia ser educativa, e não punitiva, pra deixar o setor em paz", criticou.

* Jornalista da Adital

Anistia apresenta Relatório sobre participação da Polícia em Homicídios

Adital - Anistia Internacional e Centro para Ação Legal em Direitos Humanos (Caldh) realizaram hoje (15), às 8h, na Casa Cervantes, Guatemala, um café da manhã com a imprensa para apresentar os resultados do Relatório sobre a Implicação da Polícia em Homicídios na Guatemala.
Os cinco casos de homicídios descritos no documento foram denunciados à Anistia Internacional, e todos envolvem a participação de policiais.

"As circunstancias que rodearam algumas destas mortes indicam que pode ser que tenha se tratado de homicídios ilegais e deliberativos ocorridos por ordem das autoridades ou com sua cumplicidade ou aquiescência, quer dizer, de execuções extrajudiciais", destaca o Relatório em sua introdução.

Mais de 800 mil crianças e adolescentes panamenhos trabalham no país

Adital - O trabalho infantil ainda é uma realidade presente no Panamá. Segundo a Pesquisa de Trabalho Infantil no Panamá de 2008, 829.724 meninos, meninas e adolescentes de 5 a 17 anos trabalham no país; 74.692 pessoas a mais que em 2000. Isso é o que afirma "Análise do trabalho infantil no Panamá 2000-2008", realizado pela Controladoria Geral da República, pelo Ministério de Desenvolvimento Social e pelo Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil (Ipec) da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

De acordo com o documento, em 2008, a cifra de meninos, meninas e adolescentes ocupados do total da população entre 5 e 17 anos foi 10,8%, ou seja, 4,5% a mais que em 2000. A maioria dos serviços que utilizam mão de obra infantil ocorre, segundo o informe, na área rural e indígena, com 73%.

Em relação à idade, os mais ocupados são adolescentes de 15 a 17 anos, com 23,9%; de 10 a 14 anos, com 12,1%; e crianças entre 5 e 9 anos, com 2,5%. "Mais de 50% dos NNA [Meninos, Meninas e Adolescentes] ocupados iniciaram seu primeiro trabalho entre os 10 e os 14 anos (condição mínima para trabalhar); 29,0%, antes dos 10 anos; e, 18,8%, depois dos 14 anos.", afirma o relatório.

A enquete destaca que 83% das pessoas de 5 a 17 anos que trabalham já sofreram alguma lesão. "Reportam-se 3.148 casos de NNA trabalhadores que declararam haver sofrido lesões por causa do trabalho, 9.410 casos a mais que no ano 2000", revela. Por outro lado, o número de horas trabalhadas, em comparação com o ano 2000, diminuiu, passando de 30,6 a 22,4.

O documento também analisa a ralação do trabalho com o rendimento escolar. De acordo com a Análise, 72,1% dos meninos, meninas e adolescentes que estudam e trabalham têm atraso na idade escolar, frente ao 44,1% dos que somente estudam.

O alto número de crianças e adolescentes que trabalham mostra que as políticas e programas panamenhos de redução da pobreza ainda estão longe de produzir os resultados esperados.
"Em resumo, conclui-se que a aplicação de políticas, programas ou ações, em especial no social e na superação da pobreza, distam ainda de dar respostas eficientes e eficazes às legítimas demandas deste grupo populacional, a nível individual ou coletivo. Mantém-se pendente a tarefa de posicionar a eliminação do trabalho infantil na agenda pública e nas intervenções da sociedade em seu conjunto.", comenta.

A partir dos resultados analisados, o relatório considera urgente a intervenção para a prevenção e a erradicação do trabalho infantil no país, tomando em conta os contextos econômicos, sociais, culturais e políticos. "Inclusive na abordagem, parece oportuno enfatizar ainda mais as medidas para desestimular o trabalho infantil que a proibição por si mesma da participação laboral.

Costuma suceder que, ao priorizar o punitivo, deixa-se o primeiro em um plano secundário.", destaca.

O documento "Análise do trabalho infantil no Panamá 2000-2008" está disponível em: http://www.ilo.org/ipecinfo/product/download.do?type=document&id=12132

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Fiscalização constata alto índice de trabalho escravo também no Sudeste

Robson Braga *

Adital - As fiscalizações do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para identificação de trabalho escravo no Brasil foram, em 2009, além das regiões Norte e Nordeste e possibilitaram perceber que essa forma de exploração humana está diluída por toda a nação. Dos 4.051 trabalhadores/as libertados da condição de escravo em todo o país de janeiro a novembro deste ano, 39% eram explorados no Sudeste, sendo que, em 2008, esse percentual foi de 10%. Os dados foram compilados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Em 2009, 20% das pessoas libertadas da escravidão estavam no Nordeste; 18%, no Norte; 15%, no Centro Oeste; e 8%, no Sul. Por Estado, 749 trabalhadores foram libertados no Rio de Janeiro (Sudeste), 388 em Tocantins (Norte), 386 no Espírito Santo (Sudeste), 379 em Pernambuco (Nordeste), 364 em Minas Gerais (Sudeste) e 288 no Pará (Norte).

Esses valores não significam, entretanto, que o número de casos aumentou ou diminuiu nas regiões brasileiras, e sim, que as fiscalizações focaram mais a região Sudeste, para a qual menos se atentava antes.

Esses valores "não são novidades, o que tivemos de diferente este ano foi o holofote da fiscalização, que se voltou mais para [a região] Sudeste, [os Estados do] Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso", considerou o frei Xavier Plassat, coordenador da campanha de erradicação do trabalho escravo, da CPT.

Um fator que vem permitindo, desde 2007, uma maior atuação do governo federal nas investigações é a participação das superintendências estaduais do Ministério do Trabalho nas investigações. De 2003 - quando foi lançado o Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo - até 2007, o país contava apenas com a fiscalização do grupo móvel do MTE.
"Este ano, metade das investigações foi feita pelas superintendências e a outra, pelo grupo móvel. Essa divisão de trabalho permitiu que mais ações pudessem ser desenvolvidas simultaneamente", explicou Xavier.

Para o frei, a fiscalização do governo federal para erradicar o trabalho escravo não dá conta do problema, "que é estrutural". "Libertar escravos não elimina a escravidão, porque devolve o libertado para a mesma condição", afirmou.

Apesar da crítica, Plassat destacou a iniciativa da superintendência do MTE em Mato Grosso, que tem oferecido capacitação profissional às vítimas retiradas do trabalho escravo.
Na avaliação dele, entretanto, o problema da escravidão só será sanado "quando o campo tiver um campesinato consciente, uma agricultura familiar forte e uma reforma agrária de verdade", disse.

Mesmo as fiscalizações - principal ponto da estratégia governamental - "são insuficientes", enfrentam um déficit de equipes, de grupos policiais e "impasses nas concepções do trabalho", acrescentou Xavier. Dos 74 casos verificados no Pará em 2009, por exemplo, apenas 34 foram fiscalizados. Dos 28 no Maranhão, somente dez foram vistoriados.

Os dados também mostram que, dos 4.051 libertados, 47% eram explorados na cana-de-açúcar, 18% em outras lavouras, 14% na pecuária e 6% no carvão. Dos 207 empreendimentos onde se constatou mão-de-obra escrava no país em 2009, 50% compunham o setor pecuarista; 11%, ligados ao carvão; 7%, canaviais; e 14%, outras lavouras.

Condenações
As punições criminais de exploradores de mão-de-obra escrava, que antes eram pontuais, podem ser ampliadas, devido à condenação penal de 28 fazendeiros pela Justiça Federal em Marabá, no Pará. A avaliação foi feita pelo frei Xavier Plassat.

"A condenação é muito emblemática, porque antes não se sabia ao certo de quem era a competência para julgar esses crimes, se a Justiça Federal ou a Estadual. A decisão do STF [Supremo Tribunal Federal] em 2007 atribuiu a competência à Justiça Federal", explicou o frei.
Para Plassat, a "queda de braço" entre os que lutam contra o trabalho escravo e os que o promovem se acentuou em 2009. "O agronegócio faz uma pressão enorme, tentando desqualificar a fiscalização do Ministério do Trabalho. Eles dizem que a política devia ser educativa, e não punitiva, pra deixar o setor em paz", criticou.

* Jornalista da Adital

COPENHAGUE: ARCEBISPO DE CANTUÁRIA PRESIDE CERIMÔNIA ECUMÊNICA EM FAVOR DO MEIO AMBIENTE

Copenhague, 14 dez (RV) - Delegados de várias redes de ajuda humanitária que trabalham junto com a Caritas Internacional e CIDSE, provenientes de vinte e cinco países, participaram ontem, em Copenhague, na Dinamarca, de uma celebração ecumênica na catedral luterana, presidida pelo arcebispo de Cantuária, Dr. Rowan Williams.

A cerimônia contou com a presença da Rainha da Dinamarca e de várias personalidades que participam da Cúpula da ONU sobre Mudanças Climáticas que se concluirá no próximo dia 18.

Dr. Williams recordou as profundas bases religiosas do compromisso em favor do meio ambiente, perguntando se as nossas atitudes e estilos de vida pessoais respeitam o mundo em que Deus nos chamou para viver.

"Como construir instituições internacionais capazes de garantir que os recursos sejam empregados onde realmente precisa?" – perguntou Dr. Williams. O arcebispo anglicano espera que os investimentos sejam empregados em favor dos mais pobres e marginalizados. "Não podemos mostrar o lado justo do amor, se nós, seres humanos, não trabalhamos em favor da salvaguarda do Planeta como moradia segura para todos" – disse ele.

No último sábado, dia 12, o arcebispo anglicano e sul-africano Desmond Tutu entregou ao secretário-geral da Convenção sobre Mudanças Climáticas da ONU, Yvo de Boer, meio milhão de assinaturas ecumênicas pedindo aos líderes do mundo para que cheguem a um acordo justo, eficaz e sério que coloque os pobres em primeiro lugar. (MJ)

© Rádio Vaticano 2008

ISRAEL: FRASE CONTRA OS CRISTÃOS

Jerusalém, 14 dez (RV) – Uma frase em hebraico, com as palavras “Morte aos cristãos” apareceu nos dias passados próximo ao Cenáculo, um dos lugares santos mais preciosos para a cristandade. O gesto foi feito enquanto no Vaticano se realizava a Plenária da Comissão bilateral permanente de trabalho entre a Santa Sé e o Estado de Israel.

A escrita, feita com tinta preta apareceu ao longo do muro da Basílica da Dormição, no Monte Sião, a poucos metros do lugar onde os cristãos recordam a instituição da eucaristia e o nascimento da Igreja no dia de Pentecostes. A frase foi imediatamente apagada para não aumentar as tensões entre cristãos e judeus.

Fontes eclesiásticas afirmam que os autores seriam jovens judeus nacionalistas, membros de alguma escola rabínica. Não é a primeira vez que esses jovens encontram um modo para ofender a presença dos cristãos e os lugares santos naquela área. Frequentemente, diante da porta da Igreja do Cenáculo, conservada pelos franciscanos, esses grupos fazem as suas necessidades fisiológicas em desprezo pelo lugar; em outras ocasiões eles cospem contra sacerdotes ou religiosas que passam por ali.

A Igreja do Cenáculo não é o Cenáculo original onde Jesus instituiu a eucaristia. Este lugar santo é agora propriedade do governo de Israel, apesar de que já no século 14 pertencia à Custódia franciscana da Terra Santa. No século 16 os otomanos expulsaram os franciscanos, que, porém nunca renunciaram ao seu direito de propriedade.

O episódio da escrita ocorreu precisamente enquanto no Vaticano se discutia sobre o retorno do Cenáculo e de outros lugares santos à Igreja Católica. A esse propósito, Daniel Ayalon, vice-ministro do Exterior e chefe da delegação israelense, antes e depois do encontro declarou que “Israel não renunciará à propriedade do lugar da Última Ceia ou de outros lugares santos sob a sua direta soberania”. (SP)

UNIVERSITÁRIOS SE ENCONTRARÃO COM O PAPA EM PREPARAÇÃO PARA O NATAL

Cidade do Vaticano, 14 dez (RV) - Iniciado por João Paulo II em 1979, prossegue este ano o tradicional encontro dos universitários com o papa em preparação para o Santo Natal.

Este ano, pela primeira vez, Bento XVI presidirá o encontro com a recitação solene das Vésperas, nesta quinta-feira, na Basílica Vaticana, no primeiro dia da novena de Natal.

De fato, na próxima quinta-feira, dia 17, terá início o período de recesso para os universitários, em vista das celebrações do Natal. O papa iniciará com eles a novena natalina. Neste 2009 o ano pastoral da Diocese de Roma para os universitários tem como tema "Eucaristia e caridade intelectual".

Ao término da oração das Vésperas será feita a passagem do Ícone da Sedes Sapientiae (Sede da Sabedoria), que deixará a delegação australiana e irá para a delegação nigeriana. Coordenado pelo Simpósio das Conferências da África e de Madagascar (SECAM), o Ícone passará pelas universidades africanas.

O Natal, em continuidade com o Sínodo especial para a África, terá como tema: "Uma nova ponte do conhecimento com a África".

O Ícone já se encontra em Roma desde esta segunda-feira, na Basílica de São Pedro in Vincoli – centro de Roma - onde se alternam encontros de oração animados pelos universitários africanos.

Na quarta-feira, dia 16, terá lugar o Simpósio sobre a cooperação universitária com a África, promovido pela Direção geração para a Cooperação ao desenvolvimento; e à noite, na Basílica romana de Santa Maria dos Anjos, haverá o Concerto para a África. (RL)