quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Calam mais um profeta na Amazônia

Na tarde escaldante deste dia 20 de setembro, milhares de pessoas, entre lágrimas e cantos, deram seu último adeus ao Pe. Ruggero Ruvoletto. O missionário de 52, da Diocese italiana de Pádua fora, covardemente, alvejado por um tiro certeiro, preliminarmente planejado nas rodas de "boca-de-fumo" do crime organizado de um dos bairros mais violentos da periferia da cidade de Manaus.

Na manhã do dia 19 de setembro, seu sangue profético regou o chão da Amazônia. O último gesto corajoso de Pe. Ruggero foi estampado na capa dos jornais da cidade: de joelhos junto de sua simples cama oferecera a Deus, em oração, talvez, seus últimos minutos de vida. Uma vida marcada pela missão corajosa junto aos mais pobres e excluídos da sociedade.

Desde que chegara à Amazônia no início de 2008, Pe. Ruggero iniciou sua caminhada de oblação. Com um histórico missionário de opção evangélica pelos mais pobres e esquecidos do nordeste brasileiro, em Manaus foi designado a uma região da periferia da cidade. Aqui, encontrou inúmeros agentes de pastoral ansiosos por sua sábia ajuda.

Também encontrou muitos desafios pastorais e um silêncio da população com relação à atuação do crime organizado do tráfico de drogas na região. Sua missão, no início, desenvolveu-se timidamente num processo intenso de visita às famílias, de escuta, de abertura ao novo. Freqüentemente solicitava ajuda, nos nossos "debates sociológicos", para melhor compreender a dinâmica da cidade.

Queria conhecer mais sobre os indígenas e ribeirinhos e entender porque continuam migrando, sempre em ordem crescente, para as periferias da cidade. Logo entendeu que a Amazônia vive um histórico de descaso dos poderes públicos nos municípios do interior e centraliza todos os bens e serviços nas capitais, principalmente na cidade de Manaus com seu fantasmagórico projeto de Zona Franca que canaliza todos os recursos federais para uma elite da indústria de montagem. Por isso essa realidade marcada pelo êxodo rural, pelos crimes ambientais, pelos conflitos agrários e pelas ocupações urbanas que indicam o grande déficit de políticas públicas de moradia, educação, emprego e segurança.

Sua presença simpática e acolhedora foi criando laços de amizade e comprometimento. Sempre preocupado com as questões sociais, sugeriu a organização de um calendário permanente de debate sobre a situação das várias comunidades que atendia na Área Missionária Imaculado Coração de Maria (AMICOM).

Sua intuição profética motivou várias iniciativas por parte das lideranças das comunidades e dos movimentos sociais na criação de espaços de formação permanente de lideranças tais como a Escola de Fé e Cidadania que abrange outras áreas. Não era presença somente na AMICOM. Logo passou a acompanhar a organização pastoral de outras áreas missionárias da Zona Norte da cidade. Passou a apoiar os organismos arquidiocesanos ligados à dimensão missionária e às Comunidades Eclesiais de Base.

Com uma prática litúrgica muito sensível e inculturada, fazia das celebrações eucarísticas momentos fortes de celebração da vida, das esperanças e do compromisso evangélico. Nas reflexões com os grupos nas comunidades ou nas famílias, embaixo das árvores, ou nas áreas externas nas pequenas casas, estava sempre atento aos clamores e lamentos das pessoas. Suas palavras davam novo alento e fazia o povo voltar a ter esperança em uma realidade marcada pela violência e pelo descaso das políticas públicas.

Depois de intensas reuniões e debates, juntamente com os agentes de pastoral, elaboraram uma carta-denúncia que foi lida, rezada e reformulada nas várias celebrações comunitárias. Na carta estava contido o clamor do povo que já não suporta mais tanta violência resultante do tráfico de drogas na região. Denunciava o descaso público para com a educação, o transporte coletivo, o abastecimento d’água e tantas outras deficiências por parte dos poderes públicos. Com a carta-denúncia em mãos, o povo resolveu se pronunciar.

Na manhã do dia 15 de agosto as ruas do bairro de Santa Etelvina foram tomadas pelos cantos e frases de protesto. Uma manifestação pacífica de centenas de pessoas cobrando o exercício pleno da cidadania. Esse dia marca o fim do silêncio e do medo histórico que amordaçava os moradores deste bairro. Durante a caminhada, Pe. Ruggero, o homem da palavra, não fez uso dos microfones. Sob um sol de quase 40 graus, acompanhou tudo de forma muito discreta, fotografando e distribuindo panfletos aos transeuntes e curiosos que saíam às portas para ver o povo passar.

Em dado momento, já na metade da manifestação, quando algumas pessoas lhe pediam para se pronunciar aos microfones, se aproximou e disse: "Márcia, estou pensando que é melhor eu não me pronunciar porque já vi passando algumas pessoas ligadas ao tráfico de drogas que vêm me ameaçando e me ‘aconselhando’ a deixar essas denúncias de lado. Eu lhe garanto que não vou deixar a luta porque já não é mais possível ficar calado diante de tanta violência e injustiça. Não agüento mais ouvir tantas mães desesperadas com seus filhos nas drogas sem poder fazer nada. Sei que é arriscado, mas não tenho medo". Foi uma das últimas conversas que tivemos.

Uma semana depois passou rapidamente por minha casa depois da celebração e comentou que estava animado com a repercussão da carta e da manifestação. Novamente afirmou que se sentia ameaçado por pessoas ligadas ao tráfico de drogas do bairro de Santa Etelvina que atuavam também nos bairros vizinhos, especialmente no Lagoa Azul. Parecia muito preocupado, mas sempre destemido, reafirmava o compromisso com a causa da justiça.

Como sempre fazia, pediu algumas orientações no campo sociológico. Queria entender por que a pouca polícia que atua nos bairros da periferia não inspira a confiança do povo? Por que os assaltos aos ônibus coletivos e residências continuam aumentando e por que o 12º Distrito Policial do Bairro continuava desativado e sem nada que o substituísse? Comentou ainda sobre o alto índice de assassinatos no bairro, quase todos ligados ao tráfico de drogas. Estava muito preocupado, principalmente com os jovens, vítimas das drogas e da prostituição. Ao se despedir toquei no assunto das ameaças. Olhou-me sereno e, sorrindo me disse: "estou tranqüilo. Sei que esse tipo de gente, quando quer matar, não manda recados".

Nas semanas que se passaram continuou se pronunciando sobre a necessidade da organização popular. Mas, parecia mais discreto do que o habitual. Talvez percebera que era preciso ter mais cautela pois estava mexendo numa "caixa preta" que envolve grandes traficantes e gente da polícia.

Após seu assassinato, a polícia trabalha com a suspeita de latrocínio. Pode ser que vão seguir com esta versão para não ter muito trabalho com a investigação. É mais simples afirmar que foi roubo seguido de assassinato. Muitos dos que estavam no velório também acreditam nesta versão. Talvez porque já estão habituados a acreditar em tudo o que a polícia diz, mesmo quando não se tem fundamentos convincentes. Entretanto, várias das milhares de pessoas que lotaram o ginásio de esportes do Santa Etelvina para se despedir do Pe. Ruggero, não acreditam nessa "orquestração". O povo sabe a verdade. Talvez tenha medo de dizer, mas o certo é que sabe que não foi nenhum "ladrãozinho", como afirma a polícia que alvejou o padre. Pode até ser que um ladrãozinho tenha sido contratado para disparar o tiro certeiro. Mas, todos sabem que por trás disso estão os controladores do tráfico que se sentiam incomodados com a atuação do Pe. Ruggero.

Desde que se espalhou a notícia, a comoção tomou conta de todos. Centenas de pessoas, durante todo o dia de sábado estiveram organizando o local do velório, preparando os cartazes de despedida, ensaiando os cantos e o último adeus. A chegada do corpo tomou a todos de grande comoção. Durante toda a noite de sábado e a manhã deste domingo, as comunidades se revezaram para prestar sua última homenagem.

Algumas pessoas vinham de longe, trazendo flores dos seus jardins, como é costume na região. Uma adolescente "coroinha" trouxe pétalas vermelhas e espalhou ao redor do caixão. Chorava e falava baixinho com ele certa de que era escutada. Os idosos se aproximavam e o chamavam de "filho querido". Foram inúmeras as demonstrações de carinho e emoção junto ao caixão.

Na celebração da oblação, um gesto muito forte: representantes das várias comunidades se aproximaram do caixão no momento do ofertório, o levantaram e o ofereceram ao altar da imolação. Nas falas e nos cartazes o destaque era o clamor por justiça. Até a hora da despedida, o povo seguiu cantando "se calarem a voz dos profetas, as pedras falarão!" Todos os momentos de oração e celebração foram marcados por muitos gestos que falavam por si e por cânticos alegres e muito bem cantados seguindo o ritmo das águas dos rios e da sinfonia da floresta e das coisas bonitas da Amazônia.

No início desta manhã, um sinal importante indicava que "a semente que caiu na terra vai logo brotar": Os agentes de pastoral da AMICOM e as lideranças dos movimentos sociais se reuniram logo cedo, ali mesmo, num cantinho do ginásio e formularam um pequeno panfleto exigindo justiça. Deliberaram as tarefas e em poucas horas, o folheto já havia sido digitado, fotocopiado e distribuído a todas as pessoas que estiveram na celebração enquanto alguns jovens saíram pelas ruas do bairro distribuindo-o a todos e convocando para uma manifestação no dia seguinte à missa de sétimo dia.

O resumo do folheto afirma que a morte do Pe. Ruggero não será em vão. O último parágrafo é digno de reprodução neste breve ensaio: "Por isso gritamos que chega de violência! Queremos paz e ação enérgica do governo que tem sido incompetente e mentiroso afirmando que, por causa dele, devemos ter orgulho de ser amazonenses".

Resta concluir que o Pe. Ruggero é mais um mártir da Amazônia e que sua luta seguirá na vez e na voz de todos aqueles e aquelas que descobriram que sua esperança está na força da união. Essa gente, ninguém mais segura. Oxalá que o sangue derramado deste profeta regue o chão da Amazônia e produza muitos frutos de justiça. Manaus, 21 de setembro de 2009.

Márcia Maria de Oliveira é socióloga e mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia.
Coordenadora do Departamento de Educação
do Serviço de Ação, Reflexão e Educação Social – SARES.

Análise de Conjuntura Setembro de 2009

Daniel Seidel *
Adital

Apresentação
Essa Análise de Conjuntura do mês de setembro de 2009, um ano após o início da crise financeira internacional, analisa se, realmente, há sinais de recuperação ou apenas um alívio momentâneo. Em seguida, apresenta-se uma leitura das mudanças que os resultados eleitorais do Japão podem provocar na política do país.

Da realidade da América Latina, destaca-se a situação não resolvida de Honduras, o mal estar provocado na reunião da UNASUL pela falta de transparência nos acordos entre Colômbia e Estados Unidos para instalação de bases militares; e o resultado da revisão do acordo da Usina de Itaipu entre Brasil e Paraguai.

No âmbito nacional a agenda é extensa! Analisa-se que modelos de Estado estão por detrás do debate sobre a destinação de recursos do Pré-Sal; que papel a candidatura de Marina Silva pode cumprir no debate eleitoral; uma rápida notícia sobre os resultados da Ia Conferência Nacional sobre Segurança Pública; notícias do 15° Grito dos Excluídos; uma breve análise sobre o SUS, dentro do quadro sobre políticas sociais.

Merecem destaque ainda três temas: o resultado da Campanha "Ficha Limpa" e os 10 anos da Lei 9840; a situação difícil do povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul; e a participação popular cerceada nas Audiências Públicas sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte(PA).
Finaliza-se a parte nacional com as Notícias do Congresso, que trazem os questionamentos que a sociedade civil está fazendo sobre o papel do Senado Federal. Trata sobre os Estatutos da Igualdade Racial e dos Povos Indígenas. O projeto de lei que traz alterações no processo eleitoral.

A movimentação da Campanha Ficha Limpa para entrega das assinaturas no Congresso Nacional. O esvaziamento da CPI da Petrobrás e o debate sobre o destino dos recursos oriundos do Pré-Sal. O risco da legalização dos bingos e caça-níqueis. Criação do imposto sobre poupanças acima de 50 mil reais. Votação da PEC que inclui o direito à alimentação no conjunto de direitos sociais, previstos no artigo 6° da CF. Aprovação pela Câmara dos Deputados de novas regras para a filantropia. A tramitação do Acordo Brasil-Santa Sé no Senado. Projeto de Lei sobre União Estável.

I. Conjuntura Internacional
A crise econômica internacional: sinais de recuperação ou alívio momentâneo?
Os sinais (no emprego, no investimento) são débeis, mas parecem convergir no sentido da recuperação para o curto ou curto-médio prazo. Mas o horizonte continua de mau tempo. Houve um prêmio Nobel que disse que a trajetória da economia parecia um "V", foi interpelado se não poderia ser um "W" e há quem tema que seja um "N" invertido.

Há leituras moderadamente otimistas se revezando de um dia para o outro com aquelas cautelosamente pessimistas. Abrem-se os jornais na terça e a hegemonia é otimista, mas na quarta, no conjunto das mesmas fontes ou similares, predomina a previsão de que não é ainda bem a retomada. Também ocorre que a situação dá mais esperança nos países emergentes e menos no Primeiro Mundo.

Mesmo supondo agora o que se dizia no início, que os sinais parecem ir no sentido da recuperação da conjuntura nos próximos meses, restam sérios problemas fundamentais. Provavelmente o mais fundamental é que não se conseguiu (ou não se quis realmente?) avançar decisivamente no controle das instituições financeiras privadas internacionais. Isto faz (até agora) grande diferença com o que mudou após a crise de 1929. Não só que a crise atual é mais internacional.

A de 1929 foi a conexão internacional de várias crises nacionais sérias. Esta é mais direta e claramente internacional. Mas a crise de 1929 resultou quase em toda a parte no aumento do controle público sobre as transações (reais e sobretudo financeiras). Foi o tempo da criação de instâncias governamentais controladoras da moeda, crédito, câmbio, com grande diversidade de formatos institucionais ou de leque de atribuições, chamadas de Bancos Centrais ou com outros nomes. Na atual conjuntura, o que cresceu na ação estatal foram sobretudo operações de salvamento. Que nos diversos países empresas financeiras tenham submergido assim mesmo, levou a maior concentração do capital financeiro. Bancos e seguradoras hoje são em média um pouco maiores, têm um pouco mais poder e a possibilidade de chantagem discreta sobre os governos com os salvamentos passados.

As tentativas de iniciativa legal para disciplinar o mercado financeiro encontraram decidida oposição. e neste contexto; p.ex. o presidente Obama foi chamado "socializante". Não houve progressos visíveis no sentido de cooperação internacional para o estabelecimento de controles da atividade financeira. O que se viu neste último ano foi às vezes a manutenção do controle menor, para atrair negócios retirando-os de países que intentavam mais controle. Ora, muito mais ainda que nas trocas reais, a única possibilidade do controle efetivo dos fluxos financeiros passa pela atuação concertada dos Estados nacionais. Tudo se passa como se a um organismo minado por doença pulmonar-respiratória séria, se receitassem mel com agrião, um anti-histamínico e antipirético. Os sintomas se reduzem.

Os jornais de segunda, 07/09/2009 noticiam que (um ano após o agravamento da crise) os dirigentes de 25 grandes bancos centrais concordaram na necessidade de normas rígidas para controle dos fluxos financeiros. Não fica claro ainda, se combinaram as normas rígidas necessárias.

O Japão se reniponiza?
Meados do século XIX, no Japão reinava Meiji, reduzido a sumo sacerdote do Xintô, o poder efetivo nas mãos dos senhores territoriais. O almirante Percy forçou a barra de Y okohama para impor ao Japão tratado de amizade e comércio com os Estados Unidos. A casta militar japonesa dos samurais, educada na disciplina e na fidelidade incondicional ao Filho do Sol, decidiu que para o Japão continuar japonês, ia ter de se modernizar. Restaurou o poder absoluto do imperador e começou a preparar a juventude para assimilar a técnica ocidental: rigorosamente restauração modernizante. O Japão se industrializava renovando valores tradicionais.

Até à Segunda Guerra, empresa japonesa raramente despedia trabalhador: decisão extrema, dolorida, vergonhosa, como interditar membro da família, deserdar filho. Em troca os trabalhadores eram leais, fiéis, dedicados à "sua" empresa. A camada dirigente herdara a parcimônia e rude simplicidade samurai. A relação entre empresas, de fato conglomerados, era emulação: juntava concorrência e colaboração. Concorrência implacável sim - para "os outros". Derrotado militarmente o império russo em 1905, a certeza de que "não somos inferiores" se verteu naquela "somos superiores". O que acabou levando o Japão à guerra ao lado do Eixo.

Subjugado o Japão com dois artefatos nucleares, os Estados Unidos decidiram impor-lhe valores ocidentais e cristãos como democracia representativa e jogo livre de mercado (no campo do trabalho e na competição entre empresas). No Japão se instalou, de cima para baixo, com sucesso variado, versão pré-datada do neoliberalismo, assumida pelo Partido Liberal Democrata. Faz sentido que a conversão ao individualismo e à glorificação do sucesso pessoal e do lucro, fizesse aparecer no Japão a corrupção, rarissima na "Era Meiji". A derrota tinha deixado no povo japonês uma profunda insegurança a respeito da aparente contradição entre a modernidade técnica e a sociedade organizada em moldes tradicionais renovados. As recentes eleições parecem iniciar tempos novos, em que o Japão procura caminho, afastando-se do neoliberalismo do PLD.

O Partido Democrático vitorioso professa democracia de corte ocidental, livre iniciativa, jogo do mercado, mas é mais "japonês" que o PLD no poder por meio século. Ainda minoritários, os partidos de esquerda de inspiração coletivista cresceram. É mais uma batalha que o neoliberalismo em crise perde.

2. Conjuntura Latino-americana
2.1. Situação em Honduras
Vários fatores estão fragilizando aqueles que protagonizaram o golpe militar em Honduras. O setor empresarial vem manifestando preocupação com a intensa desobediência civil, que vem implicando em crescentes custos econômicos; as agressões aos direitos humanos vêm corroendo a imagem de militares e policiais; partidos políticos tradicionais que apoiaram os golpistas vem perdendo credibilidade e legitimidade. A oposição ao golpe de Estado não está aceitando a realização de eleições sem o regresso do Presidente Zelaya, com o argumento de que estas "legitimariam a violência militar". Fortalecendo esta posição, temos o anúncio por parte dos EUA de que não reconhecerá os resultados eleitorais nas condições atuais. A força atual da oposição reside na sua capacidade de construir uma agenda comum aos vários setores da sociedade hondurenha.

A Diretora de Investigação Científica da Universidade Nacional Autônoma de Honduras, Letícia Salomón, declarou recentemente que "Não importa quem ganhe as eleições de novembro. O próximo governo terá que lidar com uma força social de envergadura que existe neste momento, se quiser manter uma mínima governabilidade no país".

2.2. Bases militares na Colômbia: reunião da UNASUL em Quito
A Colômbia se negou a tomar público o texto dos seus acordos com os EUA para a instalação de, pelo menos, sete bases militares em seu território, durante a reunião extraordinária do Conselho Sul-americano de Defesa da UNASUL, que aconteceu em 15 de setembro, em Quito, Equador. O pedido para que tais informações se tomassem públicas partiu de 12 membros da UNASUL. O Chanceler brasileiro Celso Amorim resumiu com as seguintes palavras o sentimento quase generalizado na reunião de Quito: "A Colômbia não percebeu a grave preocupação que causou o acordo sobre as bases militares."

A reunião do Conselho Sul-americano de Defesa da UNA SUL foi convocado por decisão dos presidentes da região, reunidos no dia 28 de agosto de 2009, em Bariloche, Argentina, os quais decidiram que os ministros de Relações Exteriores e de Defesa realizassem uma reunião extraordinária para que "de posse de uma maior transparência, planejem medidas de fomento na confiança e na segurança regionais, de maneira complementar aos instrumentos existentes no marco da OEA." Na América Latina, os EUA possuem bases e instalações militares em El Salvador, Honduras, Porto Rico, Cuba, Aruba, Curaçao, Peru e Paraguai e, agora, converteu a Colômbia em uma grande base militar, projetando neste país utilizar pelo menos cinco bases aéreas e dois portos.

2.3. Paraguai: negociações sobre Itaipu
Desde o início das negociações com o governo brasileiro, em setembro de 2008, o Paraguai apresentou seis pontos de reivindicação sobre a Usina de Itaipu, cuja gestão é compartilhada com o Brasil. Assim ficaram tais reivindicações, após a assinatura da declaração pelos presidentes Lula e Lugo: Conclusão das obras faltantes: ficou acertado que será construída uma subestação no Paraguai e serão realizadas obras de navegação no rio Paraná e um mirante no lado paraguaio, para potencializar o turismo; Controle e transparência: o Paraguai conseguiu inserir na declaração o reconhecimento de que sua Controladoria Geral da República está auditando a dívida do país relativa à construção da Usina; Co-gestão plena: o Paraguai terá maior participação na direção da binacional.

Na declaração assinada pelos presidentes, ficou reconhecida a necessidade de consolidar a co-gestão plena; Revisão da dívida: a Controladoria Geral da República do Paraguai começou este ano uma auditoria da dívida do país. Na declaração, o Paraguai limita-se a informar que está realizando a auditoria, "e sua intenção de transmitir suas conclusões à parte brasileira". Preço justo: o Fator Multiplicador, que calcula quanto Brasil paga ao Paraguai pela energia excedente, foi triplicado de 5,1 para 15,3. Com isso, o Paraguai passará a receber cerca de US 360 milhões por ano, caso repasse todo o seu excedente para o Brasil. Este preço pode aumentar se o Paraguai conseguir melhores preços no mercado brasileiro. Soberania hidrelétrica: o Paraguai defendia o direito de vender ao Brasil e a outros países sua parte da energia produzida por ltaipu.

O Brasil reconheceu a possibilidade de venda gradual no mercado brasileiro. A declaração assinada pelos presidentes sinalizou que Itaipu poderá vender energia a terceiros países a partir de 2023, quando o tratado será revisado. O presidente paraguaio Fernando Lugo afirmou que: ''Nesta declaração não há vencedores nem vencidos. Ganhamos todos, para o bem de nossos povos e da região."

3. Conjuntura Nacional
3.1. Pré-sal: Estado, Mercado, Sustentabilidade e Sociedade

O debate que ocupou a agenda política do Brasil nas últimas semanas foi sobre os destinos das riquezas descobertas na camada pré-sal. Trata-se da maior descoberta de petróleo da atualidade, compreendendo uma área formada há milhões de anos, no período em que os continentes africano e americano estavam unificados. Constituindo-se, portanto, da formação de uma camada de sal com significativos volumes de petróleo que vão desde Santa Catarina ao Espírito Santo.

Estima-se que na área do pré-sal possui 100 bilhões de barris de petróleo. Esta gigantesca descoberta coloca o Brasil em situação geopolítica privilegiada, pois o petróleo é matéria prima de mais de 3000 produtos de base industrial e o mesmo está se tomando cada vez mais escasso no mundo. Entretanto, deve-se considerar que historicamente vivemos ciclos, assim como da cana de açúcar, do café, do ouro e da borracha, que potencializaram extraordinárias riquezas. Mas dessas riquezas, apenas grupos específicos são beneficiados, excluindo as maiorias sociais dos beneficios proporcionados por esses ciclos. Nesse sentido, o lançamento da proposta de regulamentação da exploração do petróleo recém descoberto, oferece a oportunidade de debate e reflexão na sociedade acerca das potencialidades que esta riqueza poderá oferecer, dando ao Brasil condições de superar os ciclos em que pequenos grupos se beneficiaram dos recursos naturais.

A proposta do marco regulatório para a exploração de petróleo e gás no chamado pré-sal, enviada pelo governo ao Congresso Nacional, indica três pontos centrais, a saber: 1) Fundo Social, vinculado à Presidência da Republica, com fmalidade de regular os recursos para a realização de projetos nas áreas de combate à pobreza, educação, cultura, ciência e tecnologia e a sustentabilidade ambiental; 2) criação de uma empresa, a Petrosal, que será a gestora dos contratos de partilha de produção entre o Estado e empresas privadas; 3) Partilha: regime que dá a União poder de assinar contratos com empresas privadas, sendo que as empresas assumem integralmente os custos e os investimentos necessários na fase de pesquisa. Em caso de descoberta, a contratada é ressarcida com parcela dos hidrocarbonetos. A outra parcela, nunca inferior a 30% de propriedade da União. O Pré-Sal oportuniza ao país o debate acerca de qual o melhor modelo de Estado que atenda as demandas da sociedade brasileira, especialmente dos mais pobres.

Frisa-se que esse debate se insere no contexto de esgotamento do modelo neoliberal hegemônico no mundo e no Brasil nas últimas décadas, sendo que o marco regulatório vigente foi feito à luz dessa visão de mundo. Atualmente, essa concepção de desenvolvimento encontra-se restrita a nichos acadêmicos, a uma parcela de colunistas econômicos da grande mídia, bem como anima os discursos de partidos oposicionistas no plano federal. A proposta agora em debate no Congresso Nacional traz avanços consideráveis: fortalece a Petrobras; amplia a participação do Estado subordinando os agentes privados ao interesse nacional. Isto pode garantir a apropriação social da riqueza via investimentos em demandas sociais, bem como ditar o ritmo em que se darão os leilões, tirando do mercado esse papel.

Os movimentos sociais, sindicatos e a Federação Única dos Petroleiros avaliaram como positiva, mas insuficiente, os termos dos projetos de lei do governo federal. Assim, apresentaram à Câmara dos Deputados um projeto de lei alternativo, o PL 589112009, por meio do qual sugerem que a Petrobras seja 100% estatal. O projeto alternativo propõe o monopólio estatal de todas as etapas da produção do petróleo, o fim das rodadas de licitações e a retomada dos blocos petrolíferos que já foram leiloados. Além disso, os movimentos criticaram a pouca discussão do projeto do Executivo. Mas, apesar das críticas, as entidades apontam aspectos positivos no projeto do governo. Por outro lado, apenas marginalmente, fala-se de investimento em novas tecnologias e na sustentabilidade ambiental, deixando aberto se os recursos advindos do pré-sal ajudarão o país a transitar da dependência das energias fósseis e do modelo de desenvolvimento que elas simbolizam para avançar a uma economia de baixo carbono e uma sociedade pós-ideologia do consumo.

Esta lacuna se deve ao fato de os principais partidos que organizam a vida política brasileira estar presos à dinâmica econômica do século XIX, período em que o desafio sustentável era ausente, diferentemente dos tempos atuais de aquecimento global e suas conseqüências para a preservação da vida no planeta. Seguramente, o cenário eleitoral que caminhava para um "plebiscito" entre os 8 anos de governo Lula e os 8 anos de FHC, pode trazer para o centro temas fundamentais para o futuro do Brasil: Estado e Desenvolvimento Sustentável. Pois o Pré-sal favorece a rediscussão sobre o modelo de Estado, principalmente entre os principais postulantes, o Governador José Serra e a Ministra Dilma Roussef.

O primeiro, caudatário de uma renovação do neoliberalismo e a segunda, parte de uma visão de Estado como indutor do desenvolvimento. Enquanto que a possível candidatura de Marina Silva está focada no desenvolvimento sustentável. Mesmo com pouca chance eleitoral, a Senadora poderá cumprir um relevante papel de forçar as candidaturas com reais condições de obter a vitória eleitoral a incorporarem essa fundamental questão do século XXI: a sustentabilidade socioambiental.

3.2. 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (I CONSEG)
Foram realizadas 1.140 conferências livres em 514 cidades, 266 conferências municipais e 27 estaduais. A discussão envolveu mais de meio milhão de brasileiros. Estas enviaram mais de 80 mil propostas de futuros princípios e diretrizes de segurança pública do país para a I CONSEG. Essas propostas foram sintetizadas em 26 princípios e 364 diretrizes.

As conferências eletivas, bem como a Conferência deliberativa Nacional integraram os três segmentos da sociedade com 2.097 delegados eleitos, representando os gestores das políticas públicas das três esferas, 30% (629); os trabalhadores - policiais, guardas, agentes penitenciários, 30% (629); e a sociedade civil, 40% (839); Participaram também observadores de 60 países. "É uma vitória para o Brasil. Um marco histórico que vai transformar as propostas de toda a sociedade em uma política de Estado e não mais de governo", afirmou a coordenadora geral da I a CONSEG, Regina Miki. O passo político mais importante passa por uma imediata reforma e reativação do Conselho Nacional de Segurança Pública (CONASP). Pois este foi definido pela I CONSEG para ser conselho integrador desses três segmentos representativos das três esferas do Estado e da sociedade brasileira com a atribuição de deliberar as dinâmicas de articulação das políticas públicas definidas nessa conferência e de ser o catalisador permanente da construção de um novo sistema de segurança pública no país.

Esta construção passa pela necessidade de reformas institucionais, pelo desafio da construção de um novo paradigma de segurança púbica e políticas transversais e intersetoriais inovadoras, e isso com a participação da sociedade civil. A partir do ponto de vista dos direitos humanos a I CONSEG resultou em avanços e retrocessos. Avanços ocorreram em termos da valorização do SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) e do PRONASCI (programa Nacional de Segurança Pública com cidadania) e a proposta de reativação do CONASP - Conselho Nacional de Segurança Pública, além de propostas de gestão participativa e controle social, bem como a decisão pela não redução da maioridade penal. Um dos retrocessos foi a aprovação da diretriz da criação de uma polícia penal. Ainda é dificil avaliar até que ponto as contribuições da I a Conferência Nacional de Segurança Pública serão integradas nas políticas de segurança pública no País.

Depende do atual e do próximo governo, que será eleito em 2010, acatar essas decisões de futuros princípios e diretrizes de Segurança Pública. Parece que internamente no governo há uma tendência em construir políticas de Estado visto que a partir de 2003 se conseguiu a assinatura de todos os governadores para a criação de um sistema Único de Segurança Pública (SUSP) no país. A Mídia não demonstrou interesse e a sua responsabilidade foi muito questionada pelos conferencistas.

A população em geral também não participou e não mostrou acreditar num possível processo inovador. Isto se constatou também nas comunidades eclesiais e pastorais, salvo algumas dioceses que realizaram dezenas de conferências livres, enviaram as suas propostas e participaram das delegações oficiais, enviando, motivadas pela Campanha da Fraternidade, que foi uma contribuição histórica neste processo nacional.

3.3. 15° Grito dos Excluídos entre a crise financeira e a intensificação das mobilizações locais.
A manifestação nos Estados ao longo do dia 07 de setembro revelou mais uma vez que a crítica à falta de ética na política é um dos pontos muito abordados nas manifestações populares. Além disso, neste ano, a criminalização das lideranças e dos movimentos sociais foi um dos pontos de forte denúncia nas mobilizações do Grito. Tudo indica que neste contexto de crise as organizações populares se encontram numa espécie de encruzilhada, necessitando criar alternativas de luta, o que pode explicar a expansão do Grito às localidades, comparados aos anos anteriores Há 15 anos o Grito está nas ruas, manifestando a posição em favor da vida.

A idéia do tema de que a "força de transformação está na organização popular" conduz à compreensão que o protagonismo é fundamental para a construção da alternativa: ele se constitui no próprio princípio da configuração alternativa: os cidadãos se fazerem sujeitos de sua vida coletiva. Trata-se, por exemplo, no nível da economia, de um modo de produzir em que o poder é "centrado na sociedade de pessoas que trabalham e criam com autonomia e liberdade" em contraposição às sociedades em que o mercado dirige o processo uma vez que nelas, as decisões são do "automatismo do mercado", o que conduz ao esvaziamento da eficácia da democracia política.

D. Pedro Luiz Stringhini, bispo responsável pela Pastoral Social da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos no Brasil), lembrou que os moradores de rua são a face mais visível da exclusão. "Hoje o Grito dos Excluídos é uma árvore que tem dado frutos", disse o bispo em coletiva de imprensa. Juntamente com a metodologia de base e a linguagem popular, a descentralização das decisões parece ter sido a grande novidade do 15° Grito dos Excluídos. As preocupações e lutas regionais, estaduais e locais revestem os eixos sugeridos em âmbito nacional. Novas reivindicações, novas práticas e novas manifestações surgem a cada ano. Isso explica a pluralidade das mobilizações: romarias, caminhadas, atos públicos, concursos, celebrações, desfiles paralelos ao oficial, palestras, seminários, entre outras. Já não basta passar o microfone aos excluídos, o mais importante é permitir que eles se manifestem em suas expressões genuínas, o que caracteriza a linguagem e a metodologia do Grito. Segundo o arcebispo de Aparecida, dom Raymundo Damasceno, o Grito dos Excluídos fortalece a participação do povo para a concretização de uma verdadeira democracia.

3.4. Políticas Sociais: O SUS - Sistema Único de Saúde
O Sistema Único de Saúde é a maior política pública inclusiva no Brasil e é uma política que nasceu das entranhas da sociedade. O SUS foi construído "de baixo pra cima". À época da constituinte representou um dos maiores avanços consagrados na Constituição Federal de 1988. Marcou o auge da realização do movimento pela reforma sanitária. Todavia, o fato de se ter garantido na CF o direito a saúde e, junto com esse, o dever do Estado foi como se o trabalho estivesse concluído e era "só aguardar que o resto viria por acréscimo". Ledo engano, o mercado não se conformou e investe muito forte para que o Sistema Único de Saúde não funcione. O fato de a Saúde possuir o segundo maior orçamento da União (só perde pra Previdência), faz com seja um setor muito disputado por diferentes interesses. Ele tem também o maior mercado emergente do mundo em bens e serviços. Para muitos saúde é uma questão de "negócio".

Pode ser até contraditório, mas o carro chefe do SUS é a saúde e não a doença. A promoção e proteção da saúde é o grande sustento dessa política, visto que prevenir é muito mais barato que curar. Todavia, o modelo "hospitalocentro" não se conforma com essa premissa do SUS e investe muito para que a atenção básica não funcione e, com isso, a população busque os setores de média e alta complexidade, cujo o custo é bem maior. Há muita sutileza neste enfretamento, visto que a desconstrução do Sistema passa pelo sucateamento da rede pública, para justificar as terceirizações e a contratação da iniciativa privada. O que no princípio seria complementar, hoje se converteu, em muitos lugares, na sustentação do atendimento realizado pelo SUS.

Muitos problemas resultam desse quadro: recursos desviados; precarização das relações de trabalho; mão-de-obra sem remuneração justa e desqualificada; pessoas mal atendidas ou que não são atendidas. E se não houver uma retomada do controle social, com ampla participação da sociedade civil nos Conselhos de Saúde, nos vários níveis, se estará perdendo, para a ganância do mercado, a maior política pública de inclusão que foi construída pela sociedade. O Governo Federal retomou em agosto último os debates para concluir a votação do Projeto de Lei Complementar 306/08, que regulamenta a Emenda Constitucional 29 - responsável por definir percentuais de recursos a serem aplicados pela União, estados e municípios na área de saúde. Essa retomada ocorreu em função da dificuldade financeira enfrentada pelo setor, desde a queda da CPMF, ocorrida em dezembro de 2007.

A Contribuição Social para a Saúde (CSS) possui três diferenças em relação à antiga CPMF: a duração (é indeterminada); a alíquota (0,1% sobre as movimentações financeiras, ficando isento o assalariado com renda mensal menor de até R$ 3.080,00.) e a exclusividade de financiar apenas a saúde. A criação da Contribuição Social para a Saúde (CSS), deverá injetar algo em tomo de R$ 12,5 bilhões a mais no setor da saúde pública no Brasil por ano, a partir do no que vem. Só que a regulamentação da Emenda 29 encontra muita resistência na Câmara dos Deputados, primeiro porque cria mais impostos para o cidadão, segundo porque a criação de impostos em véspera de eleição é um assunto considerado delicado pelos parlamentares candidatos.

3.5. Ficha Limpa e os 10 anos da Lei 9840
No próximo dia 29 de setembro completam 10 anos da aprovação da Lei 9840/99, também conhecida como "Lei dos Bispos". Foi a primeira lei de iniciativa popular aprovada no Congresso Nacional após a Constituição Federal de 1988. É preciso recordar que a mobilização para coleta de assinatura foi uma proposta de gesto concreto da Campanha da Fratemidade, promovida pela CNBB em 1996, "Fratemidade e Política". Pelo próprio TSE é considerada a lei mais eficaz que o país já teve no combate à corrupção eleitoral. Dados oficiais demonstram que mais de sete centenas de políticos foram cassados pela compra de votos ou uso da máquina administrativa para fms eleitorais, em cinco eleições que ocorreram.

Foi uma conjugação feliz entre a credibilidade da iniciativa popular, liderada pela Igreja Católica e üAB, à época, e a mobilização popular dos Comitês da Lei 9840 que foram criados em diversas partes do país para "fazer valer alei". A própria criação do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral com a participação de mais de 40 entidades para liderar o movimento, demonstrou a sabedoria de contar com a força da cidadania das organizações da sociedade civil brasileira para conduzir o processo de mobilização popular no processo eleitoral. Foi necessário resistir a várias iniciativas de Declaração de Inconstitucionalidade da Lei no STF e a inúmeras tentativas de alteração da mesma no Congresso Nacional, dada a sua eficácia! 10 anos depois, a melhor forma de comemorar a vitória da cidadania, foi obter mais de 1 milhão e 300 mil assinaturas numa nova iniciativa popular, agora chamada de "Ficha Limpa", visando aprimorar o processo eleitoral brasileiro impedindo que dele participem candidatos que não tenham a "Ficha Limpa".

Mais uma vez a cidadania brasileira contou com a participação decisiva da Igreja Católica. Essas conquistas não significam que a política está livre da corrupção, mas que é possível no país mobilizar a indignação da população brasileira em iniciativas construtivas e que fortaleçam a democracia. Há muito o que se fazer no campo da educação política. Assim, para fazer avançar a democracia é necessário mobilizar os apoios no Congresso Nacional para aprovar mais esse instrumento da cidadania brasileira, caminhando a passos rápidos para uma Reforma Política que possibilite a ampliação da representação dos setores excluídos na política do país, criando novos instrumentos de controle popular sobre os mandatários dos vários poderes constituídos da República.

3.6. Situação do povo Guarani Kaiowá no Mato Grosso do Sul
Em relação aos povos indígenas do Brasil, merece destaque a situação do povo Guarani Kaiowá, no cone sul do Mato Grosso do Sul. Este povo segue enfrentando a pior realidade entre os povos indígenas brasileiros. Enquanto isso, os estudos para identificação das terras do povo ainda não recomeçaram, mesmo não havendo impedimentos legais para que eles sejam retomados. Para alertar sobre a situação, vale destacar alguns casos mais significativos:

-Laranjeira Nhanderu (próxima ao município Rio Brilhante) As 130 pessoas da comunidade de Laranjeira Nhandem foram despejadas no dia 11 de setembro da área onde viviam há dois anos, em seu território tradicional ainda não demarcado. Por ordem judicial, eles saíram da área e, por não terem para onde ir, formaram o 20° acampamento indígena à beira de estradas no MS. Na noite do dia 14 de setembro, por ordem do fazendeiro que reintegrou a terra, alguns homens incendiaram pertences e animais dos indígenas que ainda estavam na aldeia. Nos últimos meses, duas crianças da comunidade morreram, pois o fazendeiro vizinho à terra proibiu a entrada das equipes da Funasa e da Funai para prestarem assistência à saúde. Além disso, três jovens se suicidaram.

-Kurussu Ambá (próxima ao município Coronel Sapucaia) Cerca de 200 pessoas vivem em barracos em pequeno pedaço da terra sem condições de plantar. Eles já tentaram retomar para seu território tradicional duas vezes nos últimos dois anos. Como resultado, uma líder religiosa de 70 anos foi assassinada por um segurança privado (que foi identificado, mas não está condenado), a principal liderança foi assassinada na porta de seu barraco, cinco indígenas foram baleados por seguranças de fazendeiros, 4 lideranças foram presas e condenadas por furto, numa situação questionada pela defesa dos indígenas, pois apresentava indícios de ter sido armada.

-Nhanderu Marangatu (próxima ao município Antônio João - fronteira com Paraguai) Nessa terra, mais de 900 pessoas vivem em 124 hectares, apesar dela ter sido homologada com 9.300 hectares em 2005. Após a homologação, o STF decidiu, liminarmente, suspender os efeitos deste ato. Até hoje o mérito da ação ainda não foi julgado. As pessoas da aldeia são constantemente vigiadas e ameaçadas por seguranças armados, empregados do fazendeiro que disputa a área com os indígenas. Nos últimos anos, uma liderança da aldeia foi assassinada, mulheres foram violentadas pelos seguranças e ocorreram outras agressões.

-Amambai (próxima do município de Amambai) Foi uma das primeiras terras Kaiowá Guarani reservadas no início do século passado. Vivem nela quase 8 mil pessoas em menos de 2 mil hectares. Entre as graves conseqüências do confinamento, os indígenas sofrem com violência do narcotráfico, alcoolismo, prostituição, trabalho escravo, entre outros males.

-Passo Piraju (próxima do município de Dourados) A terra foi retomada há quase 10 anos e, por todo esse período, há uma constante tensão entre indígenas e fazendeiros da região. Os indígenas estão confmados a 40 hectares por um Termo de Ajustamento de Conduta. Nos últimos três anos, após um conflito em que morreram dois policiais, passaram a sofrer perseguições e pressões da polícia. Em conseqüência disso hoje se encontram reduzidos a menos da metade das famílias que havia anos passados.

-TI Dourados (no município de Dourados) É a terra indígena com a maior população do país, em tomo de 13 mil pessoas, onde ocorre o maior número de mortes de crianças por desnutrição e o maior número de casos de suicídios e homicídios de indígenas do país. Na área superlotada não há espaço sequer para roça familiar. Por falta de opção para se sustentarem na terra, muitos indígenas se submetem a situações degradantes e até análogas à escravidão em usinas de álcool na região. Tudo isso gerou, nos últimos anos, um grande aumento de violência na área com formação de gangues e alto consumo de drogas. Em função disso estão sendo discutidas políticas de segurança na aldeia, que vão desde a preparação de contingentes policiais para atuar na área, até o toque de recolher a partir das dez horas da noite.

3.7. Participação popular foi cerceada nas Audiências sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte (P A)
O Ministério Público Federal (MPF-PA) deve entrar, nesta semana, com uma ação pedindo a nulidade das audiências públicas sobre a hidrelétrica de Belo Monte, prevista para ser construída no Rio Xingu, Pará. Nas quatro audiências, que ocorreram entre 10 e 15 de setembro, o MPF-PA e diversos grupos que devem ser afetados pela construção da hidrelétrica tiveram sua participação cerceada. Depois da última audiência, realizada em Belém no dia 15 de setembro, o MPF-PA anunciou que questionará na Justiça o cerceamento à participação popular nos debates sobre Belo Monte. Nesta mesma audiência, em protesto, o MPF-PA e diversos presentes, entre eles líderes indígenas, se retiraram da audiência. Neste dia, vários representantes de movimentos sociais e professores universitários não puderam entrar no auditório onde ocorria o evento.

O MPF-PA também deve solicitar um maior número de audiências públicas. Essa recomendação já havia sido feita ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (lbama), mas não foi atendida. Além do escasso número de audiências, o Estudo de Impacto Ambiental que serviria de base para a discussão somente foi integralmente disponibilizado dois dias antes da primeira audiência. Na audiência realizada em Altamira, numa das regiões que pode ser mais afetada pela obra, índios de seis povos (Assurini, Juruna, Arara, Curuaya, Xikrin e Parakanã) que vivem às margens do Xingu, solicitaram que comunidades indígenas sejam ouvidas sobre o projeto, como prevê a Constituição em caso de aproveitamentos hidrelétricos que impactem terras indígenas. A usina de Belo Monte deve afetar - direta ou indiretamente - 66 municípios e 11 terras indígenas.

4. Notícias do Congresso Nacional
A crise que se desencadeou no Parlamento, nos últimos meses, não só questionou fortemente a missão da instituição como desafiou os cidadãos-eleitores a buscar soluções viáveis. Criou perplexidade e desalento. Circula pela internet uma proposta de Projeto de Lei explicitando o desejo de alternativas, sobretudo para o Senado. Uma convicção se afirma: para além das questões aéticas, ilegais, negociatas, influências indevidas, nepotismo e corrupção, as atribuições do Congresso Nacional precisam ser revistas.

A primeira alteração deve ser na Constituição Federal, para que uma casa não seja mais revisora da outra. Em seguida, esclarecimento das competências atribuídas à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal. Com isso, teremos, no mínimo, maior agilidade nas decisões e menor custo no processo legislativo. Há quem defenda um sistema unicameral e extinção do Senado. Neste caso, argumentam outros, quebraríamos o equilíbrio da representação dos Estados-membros. Só justifica manter o sistema bicameral, no entanto, se cada casa tiver função diferente da outra. As competências até podem ser complementares, mas não revisoras e nem conjuntas.

Solicitação à CNBB: "Como católico, peço que a CNBB por caridade seja novamente protagonista de uma movimentação nacional contra a aprovação em definitivo, no Congresso, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 336/2009 - que, uma vez em vigor, aumentará o número de vereadores em todo o País dos atuais 51.988 para 59.611, ou seja, mais 7.623 parlamentares. Um custo a mais para pesar, principalmente, sobre os ombros do cidadão trabalhador. Ainda dá tempo. A Igreja é a nossa única esperança de credibilidade e mobilização neste momento. Nossas principais instituições faliram, e não podemos mais esperar algo de bom delas: executivo, legislativo, judiciário..." Prof. Cláudio Silva.

4.1. Estatuto da igualdade racial
O presidente da Comissão Especial do Estatuto da Igualdade Racial - o deputado Carlos Santana afirmou "que a aprovação do Estatuto representa o reconhecimento de que não há igualdade racial no Brasil, o que sempre foi negado". Ele considera o ponto mais positivo do Estatuto a inclusão de 90 milhões de brasileiros/as que vivem num processo de apartheid e exclusão. A controvérsia maior, diz ele, foi quanto à posse da terra por comunidades quilombolas, o que foi retirado do Estatuto. O projeto original é do senador Paulo Paim; foi concebido para garantir direitos essenciais à população negra em sua totalidade. O texto, aprovado na Câmara, vai agora para o Senado.

4.2. Estatuto dos povos indígenas
Após quase 15 anos de pressão dos povos indígenas, os deputados federais, fmalmente, retomaram a tramitação do Estatuto dos Povos Indígenas, aprovando o recurso n. 182, que aguardava votação desde 1994. Os chefes indígenas, seus aliados e representantes do governo elaboraram uma nova proposta já que estava desatualizada. Esperam poder conseguir novo avanço na legislação indígena e garantindo as conquistas da Constituição de 88.

4.3. Projeto de Lei da Reforma Eleitoral
Conforme cientistas políticos e especialistas em direito eleitoral, o projeto de lei No 141 sobre as regras do Código Eleitoral, da Lei dos Partidos Políticos e da Lei das Eleições, já aprovado, estabelece mudanças superficiais e não promove novidades significativas no sistema político nacional. Um exagero mesmo, dizem eles, chamar de "lei de reforma eleitoral". Com palavras ainda mais duras o jornalista Mauro Santayana, (JB, 18.09), se expressa: "Do ponto de vista institucional, a decisão dos Parlamentares diante da Reforma Eleitoral é um retrocesso criminoso. A atual legislatura se toma responsável pelo que houver no futuro". Vejamos as modificações - com avanços e retrocessos.

4.4. Ficha limpa rumo ao Congresso
O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) comemora a marca de mais de um milhão de assinaturas de eleitores de todo o Brasil em apoio ao projeto de lei de iniciativa popular que proíbe a candidatura de pessoas que tenham sido condenadas em processos judiciais em primeira instância ou que respondam a ações em tribunais de Justiça. O projeto, apelidado de Ficha Limpa, será encaminhado ao Congresso Nacional no próximo dia 29/09, durante ato solene em comemoração aos 10 anos da Lei No 9.840/99, a primeira de iniciativa popular na história do país. Os organizadores da Campanha Ficha Limpa já iniciaram contatos com deputados federais e senadores na tentativa de garantir a aprovação da proposta o mais rápido possível.

4.5. Esvaziada a CPI da Petrobras e os projetos do pré-sal.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga denúncias de irregularidades na Petrobras foi esvaziada. Não gerou o constrangimento nem a preocupação que o Palácio do Planalto temia. Nos bastidores, é conhecida como a CPI do senador Romero Jucá, líder do governo e relator. A estratégia do governo de dominar os rumos da CPI deu certo. Dois meses depois da sua instalação, a base governista mantém o controle querendo evitar o desgaste da estatal e do governo. A oposição demonstra desânimo com a comissão. A base governista, além de ter maioria, a comanda.

O que está a pleno vapor são os quatro Projetos do pré-sal. Tratam, respectivamente:
1. Do novo marco regulatório, exclusivo para a exploração do petróleo do pré-sal, baseado no regime de partilha da produção;
2. Da criação de uma nova estatal - a Petrosal - para a gestão dos futuros contratos de partilha;
3. Da criação do Fundo Social que administrará os recursos a serem obtidos pela União com a venda do petróleo e que deverão ser investidos nas áreas de educação, combate à pobreza, desenvolvimento científico e tecnológico, cultura e sustentabilidade ambiental;
4. Da autorização para o aumento do capital da Petrobras.

4.6. Legalização de bingos e caça-níqueis - brecha para cassinos
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou o projeto de lei que legaliza bingos e caça-níqueis, por 40 votos a 7, após um debate de mais de quatro horas. Entre os pontos polêmicos, estava a brecha para incluir, entre os estabelecimentos de jogos legalizados, os cassinos. O projeto teve uma forte resistência de um grupo de parlamentares. Os jogos de bingos e caça-níqueis estão proibidos no Brasil desde 2004, quando o governo Lula editou uma medida provisória que anulou todas as licenças, permissões, concessões e autorizações para a exploração desses jogos. A proposta aprovada na CCJ segue para apreciação do plenário da Câmara, onde serão possíveis novas emendas.

Três deputados (Biscaia, Marcelo Itagiba e João Campos) decidiram apresentar votos em separado contra o projeto, apoiados no mesmo argumento: "a legalização facilita a lavagem de dinheiro proveniente de atividades criminosas e dificulta o combate ao crime organizado e à violência". "O argumento de que a legalização vai gerar 300 mil empregos, argumentou Biscaia no seu voto, não pode ser usado para legalizar uma prática tão nociva à sociedade".

4.7. Imposto sobre poupança a ser enviado ao Congresso
O Ministro da Fazenda admitiu encaminhar ao Congresso o projeto que taxa as cadernetas de poupança com saldo superior a R$ 50 mil. À Agência Brasil, o ministro afirmou que 99% das poupanças não serão afetadas com a medida, e que não haverá tributação caso a única fonte de renda da pessoa seja a poupança. Pela proposta, os rendimentos acima de R$ 50 mil serão taxados em 20% sempre que a taxa básica de juros ficar abaixo de 10,5%. Segundo o governo, o objetivo da medida é evitar uma migração em massa de investidores para a poupança quando as taxas de juros estiverem relativamente baixas (cenário que atrai investidores para a poupança). Caso a matéria seja aprovada ainda neste ano, a medida entrará em vigor já a partir de 2010.

4.8. PEC da Alimentação deve ser votada na terça-feira
Poderá ser votada nesta terça-feira (22), na Comissão Especial, o parecer do deputado LeIo Coimbra para a PEC 47/03, que inclui a alimentação entre os direitos sociais previstos no artigo 6.0 da Constituição. O objetivo dos membros da Comissão é fazer a sua parte o mais rapidamente possível para que o Plenário da Casa aprove a PEC até o dia Mundial da alimentação (16 de outubro). A CNBB participa ativamente da campanha nacional lançada este ano para convencer os parlamentares da importância de se aprovar esta emenda constitucional que, segundo analistas, ajudará a garantir o direito humano à alimentação à população. Correntes jurídicas defendem que, aprovada esta PEC, será possível embasar, por exemplo, uma ação civil pública para garantir o acesso a alimentos, numa interpretação ampla do direito à dignidade e de outros direitos fundamentais.

4.9. Câmara aprova novas regras para filantrópicas
A Câmara aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei 7494/06, que cria novas regras para o credenciamento das entidades beneficentes, as chamadas "filantrópicas". A proposta transfere para os ministérios da Educação, da Saúde, e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome a responsabilidade de conceder e renovar os certificados de entidade beneficente. Atualmente, esse documento é concedido pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). Pela proposta, esses ministérios terão de divulgar na internet detalhes sobre os certificados concedidos às filantrópicas. O prazo de validade da certificação será fixado em regulamento, observadas as especificidades de cada uma das áreas e o prazo mínimo de um ano e máximo de cinco anos. A matéria retomará ao Senado.

4.10. Acordo Brasil- Santa Sé
O Plenário da Câmara aprovou, no dia 27/08, o Acordo entre o Brasil e a Santa Sé. Também aprovou um projeto de lei que regulamenta a relação entre o Estado e todas as religiões do País. O texto do projeto é muito semelhante ao do convênio com a Igreja Católica. O acordo, por exemplo, garante que "a Igreja Católica pode livremente criar, modificar ou extinguir todas as instituições eclesiásticas (enumeradas no início do artigo, como dioceses e ordens religiosas)". O projeto de lei adota uma forma mais geral: "As denominações religiosas podem livremente criar, modificar ou extinguir suas instituições". O texto do Acordo está agora no Senado e fará os mesmos passos da Câmara: Comissão de Relações Exteriores (relator Collor de Mello), Comissão de Constituição e Justiça (relator Marco Maciel), Plenário. Por em quanto, não há ainda novidades.

4.11. Projeto de Lei sobre a união estável
Este projeto de lei, n. 674/07, regulamenta o artigo 226 § 30. da Constituição Federal, sobre a união estável. O autor é o deputado Cândido Vaccarezza e teve como re1ator o deputado José Linhares. Para tanto, foram apensados muitos outros projetos com temáticas relacionadas, quase todas conflitivas. Impressionante o número de projetos de liberalização neste campo afetivo sexual! O Projeto recebeu grande número de emendas em todos os níveis. O relatório foi apresentado e aprovado, nos últimos dias na Comissão de Seguridade Social e Família, não sem muitas tensões e contraposições. Agora, vai para a Comissão de Constituição e Justiça. O relator se pronunciou, de forma candente, contra a união homoafetiva no conceito legal de família, um dos aspectos mais conflitivos. Baseia-se ele na tradição judaico-cristão da sociedade ocidental e, também, numa recente pesquisa (02/09) da Fundação Perseu Abramo cujos resultados rezam que 58% dos brasileiros consideram a homossexualidade um pecado contra as leis de Deus e 84% concordam com a idéia de que homem e mulher foram criados por Deus para cumprirem a função de ter filhos.

Contribuíram para esta análise:
Pe. Antonio Abreu SJ, Daniel Seidel, Ir. Delci Franzen,
Pe. José Ernanne Pinheiro, Gilberto Souza e Paulo Maldos
Prof Msc Daniel Seidel Universidade Católica de Brasília e CBJP/CNBB
* Universidade Católica de Brasília e CBJP/CNBB

Refletindo Dom Helder Camara

Geraldo Frencken *
Adital

Dom Helder, Irmão e Profeta
Recife, 28 de agosto de 1999, a partir das 17.00 horas: uma multidão acompanha o carro dos bombeiros desde a Igreja das Fronteiras, cuja sacristia tinha servido durante quase trinta e dois anos como morada de Dom Helder Camara. Em cima do carro o caixão, e nele o corpo do Dom.

Um percurso de uns sete, oito quilômetros. O povo cantando, rezando e dando adeus ao seu eterno pastor. O caixão desaparece debaixo das flores de todas as formas e todas as cores, "as rosas da minha vida", como Dom Helder a elas se referia. Ao chegar à catedral de Olinda e Recife, em Olinda, a multidão aplaude ininterruptamente e, com horas de atraso, a Missa de corpo presente começa a ser celebrada. De repente, em meio às solenidades oficiais, uma pessoa se solta do meio da multidão e coloca a bandeira do MST sobre o caixão do Dom: um profundo silêncio, alguns olhares perturbados, o Núncio Apostólico, presidindo a cerimônia, pergunta a um dos padres concelebrantes: "Que bandeira é esta?!" ..... Mas ninguém ousa remover este símbolo por mais justiça e paz na terra. Mais tarde, ao sepultar o corpo cansado do Dom, a bandeira permanece onde fora colocada, e pouco a pouco integrar-se-á à terra junto com aquele que dedicou a sua vida à defesa daqueles que não "possuem um palmo de terra para sobreviver", como rezava em sua oração à Mariama na ‘Missa dos Quilombos’.

A bandeira do MST é vermelha. Mas perguntemo-nos: Helder Camara, padre recém-ordenado (15-08-1931) no seminário da Prainha, fundador da Legião Cearense do Trabalho, não tinha vestido, escondido debaixo de sua batina, a camisa verde dos adeptos ao Integralismo que estava em moda naqueles dias? Que mudança! Ele mesmo, em uma de suas muitas poesias, reflete sobre as guinadas que acontecem na vida da gente, dizendo:
"Aceita as surpresas que transformam teus planos, derrubam teus sonhos,dão rumo totalmente diverso ao teu dia e, quem sabe, à tua vida.Não há acaso.Dá liberdade ao Pai, para que Ele mesmo conduza a trama dos teus dias."

É isso que Dom Helder deixou acontecer em toda a sua vida: deixar-se moldar e modular por Deus. Que Deus? O Deus dos pequenos, dos pobres, dos maltrapilhos, dos sem terra, sem teto, sem roupa, sem participação no assim chamado progresso do mundo. É o Deus dos povos da América Latina, chamada por Dom Helder de "a vila cristã do mundo pobre". Na sua "Sinfonia dos Dois Mundos", ele analisa que a miséria é a violência n.° 1 deste mundo pobre, afirmando: "Miséria que engloba sub-habitação, sub-trabalho, sub-diversão, sub-saúde, subvida, opressão: são estas as formas de violência que geram todas as outras".

Dom Helder via-se presente neste mundo. Era bispo da Igreja, mas era bispo para o mundo, tornando-se "sal da terra e luz do mundo" (cf. Mt 5, 13.14), como o Evangelho de Cristo manda ser todos os seus enviados. Por certo foi por isso que o nosso irmão, Padre Manfredo Araújo de Oliveira, disse, em 1999: "Dom Helder não cabe na Igreja!"

Ele, juntamente com o nosso querido e saudoso Dom Aloísio Lorscheider e tantos outros, era um dos arquitetos de uma Igreja presente no mundo a partir e no meio dos pobres. Teve participação nos grandes momentos da Igreja no século XX, como a fundação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em 1952, o Concílio Vaticano II nos anos sessenta, e a Conferência do Episcopado Latino Americano em Medellín em 1968, colocando sempre como tema central o mundo dos empobrecidos. Na vida destes, ele não queria ser somente mais um que praticava a caridade, mas levava os próprios pobres a entenderem as causas da pobreza, da miséria, do descaso, apontando para as estruturas sociais, os mecanismos econômicos e a falta de compromissos políticos. Ele disse: "Homem, meu irmão, que fizeste dos pobres? Que fizeste da Ásia, da África, da América Latina da terra batida, da criança ensolarada?". Foi por esta opção radical e irreversível em sua vida pessoal, nas suas palestras e discursos pelo mundo afora, que chegava a dizer, entre outros: "Se eu dou comida aos pobres, eles me chamam de santo. Se eu pergunto por que os pobres não têm comida, eles me chamam de comunista", e, mais tarde, exclamou: "Dizem que é comunismo, mas é.... é Evangelho, Mariama!"

Nada o Dom fazia sem consultar seu maior amigo: o próprio Cristo, com quem manteve longas conversas na madrugada de todos os dias, diante do altar de quem dançava, inspirado por quem escrevia seus discursos, suas poesias, suas cartas e no altar de quem derramava lágrimas todas as vezes quando celebrava o amor de Cristo vivido na celebração eucarística, isto é na partilha do pão, gesto este que continuará "mistério", enquanto a humanidade toda não aprenda a partilhar seus dons espirituais e materiais.

Encontramos deste modo o profeta Helder.
Profeta é aquele que, na calada da noite, escuta seu Deus a fim de saber a quem se dirigir e o que falar, pois o profeta é aquele que empresta sua língua a Deus a fim de que Este fale.
O profeta é livre. Dom Helder, mesmo vivendo, como todos nós, dentro das rígidas estruturas da igreja e da sociedade, as mesmas para ele não pareciam existir, embora, como testemunha um amigo confidente dele, "ele tenha sofrido um bocado por causa de um determinado funcionamento delas." Um dia, Dom Jacques Gaillot, bispo de Partênia (Norte da África), amigo de Dom Helder, dizia: "Quando a gente tem medo não é livre, e quando é livre mete medo!" O Dom era livre, e aqueles que promoveram as injustiças e a opressão em nosso país, seja durante a ditadura como anterior e posterior a ela, exatamente por causa desta liberdade, o temiam, enquanto ele, Helder, não tinha o que temer! É nesta liberdade vivida, que nascera a denúncia nas palavras do Dom: denúncias contra todas as formas de sofrimento humano. E é na denúncia que o profeta faz germinar o anúncio, o anúncio da dignidade humana.

O profeta testemunha! Dom Helder optou livremente por uma vida austera, simples, junto dos seus irmãos, os pobres, seguindo os exemplos de dois gigantes do amor aos pobres na história: São Francisco de Assis e São Vicente de Paulo. O testemunho do Dom da Paz brotava justamente do perfeito equilíbrio, que havia nele, entre contemplação e ação.

Hoje nós temos saudade de profetas como Dom Helder, Dom Aloísio, as vozes e os testemunhos do passado recente. Mas não é só saudade que sentimos. Somos convencidos também de que o mundo sempre necessita de profetas. Nós deles precisamos!

Que a sociedade e, de forma especial, as igrejas permitam que haja sempre homens e mulheres que, livres, desimpedidos e com os pés no chão, na vida real, possam testemunhar o dom da "vida em abundância", cantado por Padre Reginaldo Veloso de Recife, como "o sonho mais lindo de Deus". Dom Helder realizou aquela parte deste sonho de Deus que lhe coube. A concretização da nossa parte do sonho de Deus será a nossa homenagem verdadeira a Dom Helder Camara.

Dom Helder nos dignifica a todos, cearenses ou amantes desta terra. Neste sentido havemos de promover sempre ações relevantes que tornem viva a memória deste homem, junto a todos que buscam por mais vida.

Fortaleza, setembro de 2009
* Holandês, residente no Brasil desde 1973.
Padre casado, teólogo, ex-professor do Instituto de Ciências da Religião (ICRE) na Prainha.
Membro de "O GRUPO"

Torturas no RS e os 30 anos da Anistia

Marcelo Zelic *
Adital

A demora em realizar ações concretas para que a justiça de transição reforce o estado democrático de direito no Brasil, é uma das raízes das atrocidades que acontecem no Rio Grande do Sul patrocinadas pelo Governo Yeda Crusius e a Brigada Militar.

Segundo algumas interpretações a Anistia de 1979 colocou uma pedra sobre o assunto dos crimes de prisões ilegais, torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados praticados pelos agentes públicos, que serviam nos órgãos de segurança da ditadura militar de 1964-1985.

Aconteceram por ocasião dos 30 anos da Anistia inúmeros atos pelo Brasil, em que a responsabilização dos torturadores, a abertura dos arquivos e a localização dos desaparecidos políticos estiveram em evidência, mostrando que uma revisão histórica sobre o papel que a lei cumpriu no sentido de gerar impunidade está em marcha no país.

O juiz chileno Victor Montiglio ordenou a prisão de pelo menos 120 ex-militares e oficiais da polícia secreta por acusações de abusos dos direitos humanos durante o governo militar de Augusto Pinochet (1973-1990) e no Brasil aguardamos um posicionamento do STF sobre a questão levantada pela OAB, para que a justiça possa agir contra as violações realizadas em nosso país atingindo militantes de organizações que combateram a ditadura.

A justiça de transição preconiza a atuação em 4 frentes simultâneas para termos o resultado que se espera da lei de Anistia de 1979, ou seja, a responsabilização dos agentes públicos que praticaram os crimes de lesa humanidade, a reparação aos atingidos, o direito a memória e a verdade, com a abertura de todos os arquivos sobre o período e a mudança das estruturas, mentalidade e condutas dos órgãos de segurança pública no país, incorporando o respeito à constituição e à pratica dos direitos humanos em suas ações.

A impunidade fere o estado democrático de direito, tanto quanto os crimes de lesa humanidade realizados. A "certeza da impunidade" corrói uma adequação das práticas de segurança pública aos princípios da justiça de transição e dos direitos humanos, proporcionando o atentado ao ordenamento jurídico vigente e os violentos fatos de repressão, torturas e assassinatos que têm acontecido no sul do país.

Para o vice-presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), Percílio de Sousa Neto, conforme relatório parcial produzido após visita ao RS em 2008 para apurar denúncia sobre a criminalização dos movimentos sociais gaúchos, "a ação da polícia gaúcha é um atentado ao Estado Democrático de Direito".

Na Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado, realizada em Porto Alegre, no dia 24 de junho de 2008, inúmeras denúncias foram registradas na Carta dos Movimentos Sociais Gaúchos, entre elas, o assassinato do sapateiro Jair da Costa, durante uma manifestação em defesa do emprego, mostrando que a prática de levar armas letais a situações de campo controlado, é constante pela Brigada Militar, o que mostra a predisposição à violência, praticada pela política de segurança pública desenvolvida no estado do Rio Grande do Sul. O assassinato de Elton Brum da Silva é a repetição desta violência, pratica permanente de uma política de segurança pública que retoma as ações e violências realizadas no período da ditadura militar.

O CDDPH entre várias recomendações à governadora Yeda Crusius solicita a Revogação pelo Comando-Geral da Brigada Militar da Nota de Instrução Operacional nº006.1 por cerceamento de direitos e garantias fundamentais (liberdade de expressão e reunião), frente à Constituição Federal e em total desrespeito à este órgão instituído pela lei nº Lei nº 4.319, de 16 de março de 1964, nenhuma atitude ou palavra foi encaminhada pela governadora.

A existência da nota de instrução operacional número 006.1, é expressão do arbítrio que vive o povo gaúcho e fundamentalmente é fruto da impunidade sobre os fatos que vivemos no período da ditadura militar, que abrem o precedente para que condutas que ferem os tratados internacionais assinados pelo país, sejam sistematicamente desrespeitados pela atuação violenta e arbitrária de agentes da Brigada Militar, cumprindo orientação da política de Segurança Pública da Governadora Yeda Crusius.

Já em 2006 a tentativa de apuração de torturas físicas e psicológicas na desocupação da fazenda Guerra em Coqueiro do Sul (RS), gerou intimidação, ameaças de morte e o afastamento da procuradora responsável pela apuração do caso, fazendo com que os responsáveis pelas barbaridades apuradas no inquérito civil nº 0144/2006 fiquem até hoje impunes, uma vez que tal inquérito ou foi arquivado pelo Ministério Público de Carazinho, ou encontra-se com o Procurador Geral de Justiça sem encaminhamento, num flagrante desrespeito à cidadania.

É fundamental atitudes como a do Ministro Paulo Vannuchi da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, que solicitou a apuração das torturas continuadas sofridas pelos sem terras, homens, mulheres e crianças, tanto na desocupação da prefeitura de São Gabriel em 12/08/09, como na desocupação da Fazenda Southall em 21/08, onde muitos cidadãos e cidadãs gaúchos sofreram torturas físicas com emprego de armas-não letais e psicológicas.

Apurar estas torturas praticadas por agentes públicos da Brigada Militar do Rio Grande do Sul e responsabilizar os culpados por estas atrocidades e crimes de lesa humanidade é tarefa do Ministério Público Federal, uma vez que a conduta do Ministério Público Estadual no inquérito civil nº 0144/2006, coloca em dúvida a intenção de que tais fatos sejam apurados.

Assim os olhos da nação encontram-se voltados ao Rio Grande do Sul buscando justiça. Justiça para os assassinos de Elton Brum da Silva e Jair da Costa, bem como para todos os cidadãos e cidadãs que sofreram torturas pelos agentes da Brigada Militar.

Somente com atitudes firmes contra a impunidade no RS e contra os crimes de lesa humanidade da ditadura militar, é que a justiça de transição se estabelecerá no país, reforçando a construção do estado democrático de direito e a Anistia de 1979 poderá ser página virada na história de nosso país.

Brasil Nunca Mais, não é um frase vazia, é antes de tudo o esforço e luta de tantos brasileiros e brasileiras que se dedicam à construção de um Brasil justo e soberano. Aos mortos, perseguidos e torturados no Rio Grande do Sul nem um minuto de silêncio.

[Denúncia feita ao Ministro Paulo Vannuchi:

* Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP
e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.
Coordenador do Projeto Armazém Memória

Começa em Porto Alegre 11ª Feira Estadual de Economia Solidária

Tatiana Félix *
Adital

Começou ontem (28) em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, a 11ª Feira Estadual de Economia Popular Solidária, mas a abertura oficial do evento aconteceu na manhã desta terça-feira (29) com a presença de representantes do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes). As atividades vão até o próximo dia 3, sábado. O horário de exposição é das 8h30 às 20h.

De acordo com Maribel Kauffman, que faz parte da coordenação colegiada da Feira Estadual, todo o estado do Rio Grande do Sul está sendo representado por meio dos fóruns regionais de economia solidária, presente em onze regiões do estado.

Mais de 100 estandes poderão ser visitados e diversos produtos encontrados, como artesanatos, roupas, utensílios domésticos e produtos da agricultura familiar. Empreendedores de aproximadamente 37 cidades estão participando do evento. A exposição reúne mais de duzentos grupos de empreendimentos econômicos solidários gaúchos. Os visitantes podem comprar os produtos diretamente do produtor.

Maribel acredita que cerca de 150 mil pessoas circule na Feira todos os dias. O número alto justifica-se: o espaço onde a feira é realizada fica próximo ao mercado público e estação de trem. "Estamos perto do centro financeiro da cidade", diz. Ela espera ainda que haja boa participação nas atividades.

Oficinas, palestras e apresentações artísticas fazem parte da programação diária da Feira, e são abertas ao público. No ato da inscrição pede-se apenas um quilo de alimento não perecível que será doado para uma instituição de caridade. Além disso, está disponível o ‘espaço de informática’ com acesso a internet e orientação da Casa Brasil/ Moradia e Cidadania.

Dezesseis entidades se mobilizam para que a feira seja realizada, entre empreendimentos solidários, fóruns, órgãos públicos, empresas privadas e entidades religiosas. Segundo Maribel, essa é a primeira feira estadual que é realizada com o apoio do Projeto Nacional de Comercialização Solidária, que tem patrocínio da Senaes.

* Jornalista da Adital

Projeto 'Vira Vida' profissionaliza vítimas de exploração sexual

Tatiana Félix *
Adital

Jovens com idade entre 16 e 21 anos vítimas de exploração sexual podem encontrar uma alternativa para mudar sua história participando de cursos profissionalizantes oferecidos pelo projeto Vira Vida. Os meninos e meninas que frequentam as aulas, num período que varia entre sete à nove meses, recebem uma bolsa de R$ 500 por mês. A ideia é dar uma oportunidade para que eles possam deixar para trás todo o histórico de exploração sexual e construir uma nova perspectiva de vida.
A iniciativa do programa é do Serviço Social da Indústria (SESI) em parceria com Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), do Serviço Social do Comércio (SESC) e Sebrae. O programa foi lançado em 2008 em quatro capitais: Belém (PA), Natal (RN), Fortaleza (CE) e Recife (PE). O objetivo é oferecer oportunidade de desenvolvimento da autoestima, qualificação profissional e inserção do mercado de trabalho. Até o final de 2010 espera-se que o programa chegue em outros estados como Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Em Brasília, o Vira Vida foi lançado neste mês.
Para participarem dos cursos, os jovens são abordados, recrutados e encaminhados por entidades de base. De modo geral, essas entidades já realizam trabalho de acompanhamento a jovens que sofrem violência ou exploração sexual. Antes de ingressar nos cursos, eles são avaliados por psicólogos, assistentes sociais e pedagogos com finalidade de ter seu perfil traçado, identificando os problemas que precisam ser trabalhados. O projeto não é apenas uma ponte de capacitação profissional, mas um processo que trabalha o jovem em toda sua dimensão, em diversas áreas da sua vida.
Há pouco mais de um ano implantado no Ceará, o Vira Vida já formou duas turmas, totalizando 47 jovens que já estão inseridos no mercado de trabalho. Alguns adolescentes optaram por montar seu próprio negócio e outros 25 participam da cooperativa de incubação na área de confecção, conforme informação da coordenadora do projeto no estado, Maria do Carmo Silveira.
Atualmente, cerca de 65 jovens estão divididos em quatro turmas que se preparam nos cursos de Assistente Administrativo, Gastronomia, Comunicação Digital e Confecção na área de costura.
Maria do Carmo explica que esses jovens não chegaram à prostituição só porque são pobres.
Outras causas os levam para a zona de exploração sexual, como desestrutura familiar e dependência química, por exemplo. Por isso, durante o período em que é assistido pelo Vira Vida, o jovem recebe atendimento médico, tratamento psicossocial, noções de empreendedorismo e autogestão, além de acompanhamento familiar.
A coordenadora enfatiza o resultado positivo que vem sendo observado. Segundo ela, muitos alunos decidem retornar a escola e concluírem seus estudos. "Eles passam a valorizar o estudo, levam a sério a oportunidade. A frequencia gira em torno de 98% e o índice de desistência é baixo", comemora. Ela comenta ainda que muitos retomam relações familiares e outros constroem suas próprias famílias. "O resultado tem sido satisfatório. Os jovens não negam sua história, mas fazem dela um exemplo e força de superação", finaliza.
* Jornalista da Adital

Grito dos Excluídos Continental vai pressionar pelo fim da crise

Robson Braga *
Adital

A crise política que desestabiliza Honduras desde 28 de junho, quando o presidente Manuel Zelaya foi deposto e expulso do país, será um dos principais focos do Grito dos Excluídos Continental, previsto para 12 de outubro, em toda a América Latina. A coordenação do ato avalia que a solidariedade ao povo hondurenho pode contribuir para um novo processo de integração entre os povos da região.

"A integração da América Latina não avança sem instrumentos suficientes para isso", avaliou o sociólogo costarriquenho Carlos Aguilar, coordenador político da Secretaria Meso-Americana do Grito dos Excluídos Continental. Para ele, os mecanismos atuais já não dão conta do novo contexto político regional em que se insere a crise política de Honduras.

"A OEA [Organização dos Estados Americanos] foi criada na Guerra Fria para responder a outro contexto político. Hoje, o processo de integração continental passa por outro contexto. É preciso avançar nos processos de integração regional", posicionou-se o sociólogo.

Segundo Aguilar, o Grito dos Excluídos pode integrar os povos da região e impulsionar o processo democrático da América Latina, fragilizados por processos políticos como o que vive hoje o povo hondurenho. "O Grito acompanha os movimentos sociais em suas necessidades", manifestou.

"A gente quer denunciar a situação de direitos humanos, alimentar, de habitação em que vivem os povos da América", pontuou. O ato político também luta pela soberania energética, o diálogo entre os povos, substituir os paradigmas de degradação do meio ambiente.

Aguilar defendeu uma solução negociada para a crise política hondurenha. "A gente apóia uma saída negociada, mas não necessariamente a proposta dos Estados Unidos e do Acordo de San José [proposto pelo presidente costarriquenho Óscar Arias]".

O sociólogo defendeu uma nova constituição para Honduras, principal motivo pelo qual Zelaya foi deposto. "A gente quer uma solução que reconheça as demandas sociais, que não seja só um retorno de Zelaya, mas que possa pensar em uma Assembleia Nacional Constituinte".

O dia 12 de outubro vai marcar, também, a Jornada Mundial em Defesa da Mãe Terra, que vai repudiar, em vários países do globo, o "neocolonialismo e a mercantilização da vida". A coordenação é da Assembleia de Movimentos Sociais.

Há 11 anos, o Grito dos Excluídos/as Continental mobiliza o continente americano "Por trabalho, justiça e vida". A proposta surgiu no Brasil como campanha nacional. Em 1996, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos dos Brasil) abordou a exclusão sócio-econômica em sua

Campanha da Fraternidade
A Secretaria Continental do Grito dos Excluídos é composta por quatro secretarias regionais: Caribe, Meso-América, Cone Sul e Países Andinos.

Ações
As organizações que coordenam o Grito na América Central estão reunidas, desde ontem (28) até quinta (1º), na Guatemala, em um seminário sobre a militarização e a repressão popular na região. De lá, sairá o posicionamento da coordenação mesoamericana do Grito sobre as ações em favor do povo hondurenho.

Os movimentos sociais de país devem pensar suas próprias atividades para o dia 12 de outubro. Os grupos das nações vizinhas a Honduras deverão se concentrar nas fronteiras com esse país.
Já em Honduras, inicialmente a data será celebrada com seminários sobre a crise política. "Tudo vai depender dos próximos acontecimentos, o ultimato dado ao governo brasileiro, a sessão de hoje da ONU [Organização das Nações Unidas]. A próxima semana será decisiva", pondera.

* Jornalista da Adital

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Escritório trabalha na prevenção e assistência às vítimas de tráfico no Ceará

Natasha Pitts *

Fortaleza - Adital

O número de denúncias de casos de exploração sexual e de tráfico de seres humanos tem aumentado a cada ano no Brasil e evidenciado a necessidade de mais ações de repressão e prevenção a estes crimes. Por este motivo, no ano de 2005, um projeto do Escritório das Nações Unidas Contra Drogas e Crime (UNODC), da Secretaria Nacional de Justiça e do Ministério da Justiça deu origem a escritórios de enfrentamento ao tráfico e apoio às vítimas em São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Ceará, simultaneamente.

No ano de 2007, três dos escritórios fecharam, tendo resistido apenas o Escritório de Enfrentamento e Prevenção ao Tráfico de Seres Humanos e Assistência à Vítima do Estado do Ceará (EEPTSH-CE), que fica localizado na capital, Fortaleza. Hoje, é uma entidade vinculada à Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará - Sejus e atua junto ao Gabinete de Gestão Integrada (GGI).

O órgão trabalha tendo como base três eixos: a prevenção, o combate e a assistência. Seu objetivo é garantir a orientação e o atendimento adequado às vítimas e seus familiares, informar o público em geral e promover a sensibilização e formação de profissionais envolvidos na causa.

Segundo Eline Marques, coordenadora estadual do Escritório no Ceará, além do atendimento às vítimas, o órgão trabalha recebendo denúncias e encaminhando para o Ministério Público Federal e Procuradoria da República no Estado do Ceará, além de informar a população acerca do crime de Tráfico de Seres Humanos. "Toda pessoa que quiser denunciar ou receber informações sobre o assunto pode se dirigir ao Escritório de Enfrentamento e contribuir com o combate ao tráfico", fala.

Em 2009, até o mês de setembro, foram atendidas 57 ocorrências no Escritório de Enfrentamento. Só por meio das denúncias é possível investigar e fazer a prisão dos acusados, como aconteceu em agosto passado, no caso de Canindé, cidade do interior cearense.

"Há três meses, uma pessoa vinha denunciando a existência de casas de prostituição na cidade de Canindé. Por meio de investigações constatamos que a denúncia era verdadeira e que algumas das garotas que faziam programa haviam sido traficadas. Mês passado resgatamos as vítimas e fechamos seis casas. No momento estamos investigando denúncias em outras cidades como Sobral, Juazeiro do Norte e também em algumas praias", explica Eline.

O EEPTSH-CE possui uma equipe formada por advogados, psicólogos e assistentes sociais. Dependendo da necessidade, a vítima é caminhada para acompanhamento jurídico, psicológico, assistencial ou elucidativo. No caso das meninas resgatadas em Canindé, está sendo oferecida assistência psicológica e encaminhamento para o mercado de trabalho, além do auxílio para alimentação e transporte.

As mulheres ainda são as maiores vítimas do tráfico. De acordo com Eline Marques o perfil das vítimas é fácil de traçar: mulheres de 19 a 23 anos com baixa renda e escolaridade; muitas são mães solteiras. A necessidade faz com que elas comecem a fazer programas, situação que facilita o tráfico. "As garotas que fazem programa são os alvos mais fáceis, por isso as cadastramos e orientamos para que elas tentem reconhecer propostas suspeitas. Caso alguma delas decida viajar para o exterior, sobretudo para Itália ou Espanha, rotas conhecidas do tráfico, nós pedimos um contato do local onde vão estar e explicamos o que fazer caso sejam traficadas".

Ações de enfrentamento
Para evitar a ocorrência e a perpetuação do crime de tráfico no estado do Ceará, o EEPTSH-CE realiza palestras, capacitações e blitze. Os locais variam de escolas, a centros comunitários, boates e praias. Para Eline Marques, a disseminação da informação é importante, pois muitas pessoas deixam de denunciar por não saberem realmente o que se caracteriza como tráfico de seres humanos.

"Fazemos caminhadas na Beira Mar, blitze em boates do Dragão do Mar e da Praia de Iracema e também montamos estandes em grandes hotéis de Fortaleza. Todas essas ações são no sentido de prevenir e explicar o que é o crime. Em algumas rodas de conversas nas comunidades constatamos que as pessoas não sabem o que caracteriza o crime de tráfico de seres humanos e, por isso, não denunciam", esclarece a coordenadora.

Na próxima quarta-feira, dia 30, a equipe do Escritório de Enfrentamento fará uma palestra em comunidades e escolas do Pecém (CE), local onde, ano passado, foram fechadas quatro casas de prostituição e resgatadas várias mulheres em situação de tráfico e exploração sexual.

Para denúncias ligue (85) 3454.2199. O atendimento é realizado de segunda à sexta, das 8h às 17h.

Serviço
O Escritório de Enfrentamento e Prevenção ao Tráfico de Seres Humanos e Assistência à Vítima do Estado do Ceará (EEPTSH-CE) está localizado na Rua Antonio Augusto, n° 555, bairro Praia de Iracema, no prédio da Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará.

* Jornalista da Adital

Governo provisório decreta estado de sítio em todo o país

Adital

O presidente provisório de Honduras, Roberto Micheletti, suspendeu, no sábado (26), garantias constitucionais, dentre elas a liberdade de expressão, por um prazo de 45 dias. A medida permitiu o fechamento, hoje (28), da Rádio Globo e do Canal 36, veículos contrários ao golpe de Estado que, há exatamente três meses, depôs e expulsou o presidente Manuel Zelaya do país.
Micheletti aprovou o estado de sítio no último dia 22, mas a medida só foi publicada no Diário Oficial La Gaceta no último sábado. Ela ainda terá que ser enviada ao Congresso Nacional.

O mandatário provisório suspendeu, por 45 dias, os artigos 69, 72, 78, 81 e 84 da Lei de Polícia e Convivência Social e, com eles, as liberdades de expressão, circulação e reunião.

O artigo 69 diz que "a liberdade pessoa é inviolável e só com ajustes às leis poderá ser restringida ou suspensa temporariamente". Um trecho do artigo 69, também suspenso, assegura que "é livre a emissão de pensamento por qualquer meio de difusão".

O artigo 78 garante "as liberdades de associação e reunião sempre que não sejam contrárias à ordem pública e aos bons costumes". O artigo 81 assegura que "toda pessoa tem o direito de circular livremente" no território nacional. Já o 84 diz que "ninguém poderá ser detido sem mandato escrito por autoridade competente".

Desse modo, o governo provisório pode desocupar toda instituição pública tomada por manifestantes; fechar meios de comunicação que "ofendam a dignidade humana, aos funcionários públicos ou atentem contra a lei"; e deter pessoas consideradas suspeitas.

Às 5h20 de hoje (horário local; 8h20 em Brasília), militares invadiram a sede da Rádio Globo. Eles arrombaram os portões, entraram nos estúdios e suspenderam a transmissão. O mesmo fizeram no Canal 36.

Os militantes pró-Zelaya temem que o governo provisório ainda feche as emissoras Uno (da cidade de San Pedro Sula) e a Rádio Progeso (de El Progreso), já que a Comissão Nacional de Telecomunicações (Conatel) está autorizada a suspender qualquer veículo de comunicação.

Micheletti pede que Lula defina status de Zelaya
O presidente de fato, Roberto Micheletti, deu ontem (27) um prazo de dez dias para que o governo brasileiro defina o status de Zelaya, que se mantém abrigado na embaixada brasileira, em Tegucigalpa, desde o último dia 22. Caso o país não se pronuncie no prazo estipulado, a embaixada perderá seu status diplomático e poderá ser invadida pelas forças armadas hondurenhas.

Os golpistas exigiram que o Brasil outorgasse o asilo a Zelaya formalmente ou o entregasse para julgamento, por seus supostos crimes de violação à Constituição do país. Na noite de ontem, o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, repudiou a exigência de Micheletti e reafirmou que Zelaya é "hóspede" da embaixada.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Oração nua

Pe. Alfredo J. Gonçalves *

Adital


São diversas as modalidades de oração: oração litúrgica ou eucarística, revestida de cânticos, preces, leituras, símbolos; oração comunitária, em que predominam a recitação dos salmos, com intervenções ligadas ao cotidiano da comunidade; oração devocional, pessoal, familiar ou coletiva, onde se mesclam diferentes expressões religiosas, de acordo com a cultura de cada grupo ou povo: peregrinações, procissões, novenas, rosário, bênçãos.

Mas há também a oração nua. Neste caso, não há leituras, não há hinos, não há preces. O que pode ajudar é uma melodia de fundo, apropriada ao recolhimento. Também é essencial o silêncio exterior e interior. Trata-se sempre de um momento estritamente pessoal, no qual coração e mente se predispõem para uma harmonia profunda com o Transcendente. Aqui vale acrescentar que o caminho de cada um é absolutamente único e sua experiência intransferível.

Oração nua, porque despida de adornos, de palavras e até de símbolos. O importante é rezar as sensações e sentimentos, procurando trazer à tona impulsos estranhos e ocultos, tornando conscientes instintos e emoções inconscientes. Numa palavra, é uma forma de desnudar-se diante do totalmente Outro. É este, aliás, o segundo sentido da nudez de semelhante oração: o fato de desarmar-se de qualquer tipo de defesa antecipada. Despojados, é preciso deixar que o que temos de particularmente mais íntimo aflore das sombras à superfície e à luz da face do Senhor. Não permitir que o medo e a vergonha bloqueiem esse despojamento.

Num primeiro momento, serão naturais as resistências e as tentativas de fuga. O silêncio questiona, incomoda e interpela. Não raro, uma pessoa pode ser a pior companhia para si mesma. Com freqüência buscamos algo para esconder a própria nudez, ou alguma voz para calar aquela que vem do fundo mais escondido de nós mesmos. O excesso de leitura na oração pode revelar-se uma forma de fuga. É preferível manusear conceitos a confrontar-se no encontro pessoal com Deus. Valemo-nos de qualquer coisa para ocupar o tempo que, gota a gota, parece não passar.

Vencido esse primeiro obstáculo, pode vir a desilusão. É o tempo do deserto, da escuridão, da indiferença e do silêncio de Deus. Estamos ansiosos, vivemos numa sociedade imediatista, queremos respostas rápidas aos problemas que nos atormentam. Buscamos receitas prontas, analgésicos para as aflições do cotidiano. Até o momento em que nos damos conta que a oração, em verdade, não modifica nossos problemas diários, e sim nossa maneira de encará-los. Deus é fiel não porque venha imediatamente em nosso socorro na hora da tribulação, mas porque nos oferece a possibilidade de procurar o socorro junto às pessoas que nos cercam e nos amam. A fidelidade de Deus se revela no respeito incondicional à liberdade do ser humano e em sua presença amorosa, mesmo que todos nos abandonem. Deus se revela, a um só tempo, poderoso e frágil: seu único poder é o amor. E quem ama expõe-se à negação do outro ou, a exemplo da flor, está sujeito às tempestades e ventanias mais avassaladoras.

Mas é a partir daí que começa propriamente a oração. Desfeitas a pressa e as ilusões, o silêncio principia a revelar sua fecundidade. Na abertura ao Transcendente, sua luz penetra as sombras mais ocultas de nosso ser, ilumina as incongruências, hipocrisias e contradições desconhecidas. O progressivo autoconhecimento dá início a um processo longo e lento de dissolução e libertação. É como se um espelho nos devolvesse um rosto disforme, desfigurado, e tratamos logo de tomar providências para corrigi-lo. A luz identifica, escancara e dilui as trevas mais profundas. "Na lembrança, assim como na chama, queimam-se todas as impurezas da vida" (GUYAU, Jean-Marie. A arte do ponto de vista sociológico. Martins Fontes Editora, São Paulo, 2009, pág. 255). Da mesma forma que as estrelas, ela brilha mais forte quanto maior a escuridão. É a verdade que está para além, não para aquém, da razão.

Nesta relação íntima e mística, desnuda-se também a desarmonia do coração e da mente. Damo-nos conta dos mil ruídos e rumores que nos cercam, sejam eles externos ou internos. Até mesmo o silêncio pode converter-se num tremendo ruído. É preciso distinguir silêncio e mutismo. Este representa fechamento em si mesmo, recusa à comunicação. Cria situações constrangedoras em ambientes familiares, comunitários ou de trabalho. Torna-se um deserto estéril. O silêncio, ao contrário, é sempre povoado e fecundo, ou de recordações da própria trajetória histórica ou da presença de Alguém que nos faz companhia. Nessa dialética entre ruído, mutismo e silêncio, a oração nua constitui uma espécie de alquimia que converte os ruídos da vida secreta melodia. Não que os barulhos cotidianos sejam eliminados como que por encanto, mas é possível descobrir, para além da agitação febril que caracteriza a existência moderna, uma harmonia misteriosa e inesperada. No mundo urbano, esse processo de alquimia é ainda mais custoso, mas também elementar.

Há, porém, um passo a mais na oração nua. A relação com o totalmente Outro reclama a relação com o outro. Ela nos devolve às atividades do dia-a-dia e pergunta pela autenticidade de nossas atitudes. O calor misterioso e espiritual do momento bate-se contra os blocos de gelo que, no trato com determinadas pessoas, situações e conflitos, vamos acumulando no coração. Se perseverarmos na oração, esse calor tende a iniciar um processo de derretimento do gelo. A oração tem repercussões incontestáveis na família, na comunidade, na vida social, política e econômica. Projeta raios de luz ao seu redor. Ela fornece elementos para desatar uma série de nós em que nos acorrenta a existência cotidiana. Daí a reciprocidade que, aos poucos, vai se estabelecendo entre o contato íntimo com Deus, de um lado, e o comportamento com as pessoas que nos cercam e com quem convivemos, de outro. Ambos passam a exigir-se, a complementar-se, a interpelar-se reciprocamente. Abrir-se ao Transcendente e abrir-se aos outros são duas dimensões de uma mesma atitude. Porém, não há magia. O processo tem avanços e recuos, é turvo e luminoso a um só tempo.

Um último aspecto da oração nua é sua relação com a natureza e com o belo. Aqui a oração revela-se uma obra de arte. Da mesma forma que o artista vê no bloco de mármore ou na paisagem a matéria prima de sua obra, o místico refaz a partir dos fatos cotidianos uma harmonia com a criação. O artista recria esteticamente a matéria bruta da pedra, da madeira, do aço, dos acontecimentos; o místico recria espiritualmente os embates de um cotidiano dilacerado por ruídos e contradições. Ambos utilizam a sensibilidade estética e espiritual para desvendar o sentido oculto por trás das aparências. O homem de oração é um artista da vida, da história e da natureza. Podemos concluir com as palavras de Guyau: "Assim como existe uma cidade ideal da religião, existe também uma cidade ideal da arte" (Idem, pág, 104).

* Assessor das Pastorais Sociais.