segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Direitos Humanos e Democracia

Selvino Heck *

Adital - Quando a ministra Dilma Roussef falou ‘vou falar aqui mais com a memória e com o coração’, e se esforçava para conter as lágrimas e a emoção, todos entenderam que o ato de entrega do Prêmio Direitos Humanos/2009 e o lançamento do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) em 21 de dezembro no Palácio Itamarati seriam memoráveis.

Não era o fato, lembrado pelo presidente Lula, de a ministra Dilma estar de novo com os cabelos naturais, sem peruca, depois de meses, significando estar curada do câncer. Mas sim por ela ter dito: "Por anos a fio, amiga Inês, fomos companheiras de sonhos e de lutas. Naquela época, a opressão deles e a nossa esperança foram companheiras cotidianamente." A ministra Dilma referia-se a Inês Etienne Romeu, premiada na categoria Direito à Memória e à Verdade, por ter sido presa política e torturada na prisão.

"Não faz tanto tempo assim que os trabalhadores brasileiros conquistaram o direito de voto, disse Dilma. O presidente Lula e todos os trabalhadores deste país sabem o quanto custou conquistar algo que hoje para nós é absolutamente normal, o direito de greve. Não faz tanto tempo, também, que nós conquistamos o direito de nos organizar em partidos políticos, de nos manifestar nas ruas e de participar livremente da disputa pública eleitoral que nos levou à responsabilidade de governar o Brasil. Foi essa construção democrática que nos trouxe até aqui. A inteligência hoje no Brasil é livre. Hoje todos nós sabemos valorizar a democracia porque, mais uma vez eu repito, é ela que permite este ato. Ela nos provoca todos os dias a avançar cada vez mais. A tirar do papel direitos que por tanto tempo foram sonegados à sociedade brasileiras, especialmente à sua maioria mais pobre."

Nada como a democracia em que vivemos, que hoje, finalmente, parece se consolidar. Como disse a ministra Dilma, "momentos como este nos permitem olhar para trás, reafirmar os compromissos e avaliar o quanto conseguimos caminhar. A verdade e a memória nos dão o impulso necessário para prosseguir. Porque estamos no caminho certo e dele não vamos nos afastar."

O ministro Paulo Vannuchi, dos Direitos Humanos, ao apresentar a nova versão do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), destacou o papel decisivo desempenhado pelos movimentos sociais, ONGs e organismos vinculados à defesa dos direitos humanos. "É de suas demandas, pressões e cobranças que o Estado redemocratizado vem colhendo, crescentemente, formulações para compor as políticas de governo. Políticas que, na área dos direitos humanos, buscam superar o cenário ainda intolerável de violações no cotidiano nacional."

O PNDH-3 está estruturado em seis eixos orientadores, com 521 ações programáticas. Três pontos são fundamentais para o fortalecimento da vida democrática e da cultura de paz no Brasil.
Um deles é tratar a questão da segurança pública como um direito humano de primeira grandeza. O PNDH-3 desdobra todos os fundamentos do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (PRONASCI), concebendo mudanças que levam as novas corporações policiais a se verem como defensoras de direitos humanos.

Outro é o realce dado à educação em direitos humanos, na construção de uma sociedade onde prevaleça o respeito ao outro, a valorização da igualdade na diversidade, o cidadão formando-se desde muito cedo no espírito de fraternidade e solidariedade.

Por fim, o compromisso do presidente Lula em enviar ao Congresso projeto de lei instituindo uma Comissão Nacional da Verdade, para apurar todas as violações de direitos humanos ocorridas no âmbito da repressão política, sobretudo durante o regime de 1964, garantindo assim a necessária cicatrização em espírito de reconciliação, com o resgate da verdade e a investigação pública de todos os fatos. "Para que ninguém esqueça. Para que nunca mais aconteça."

O PNDH-3 define a área de direitos humanos como prioridade no orçamento e consolida políticas sociais de transferência de renda. Prevê a elaboração de uma política nacional para a infância e adolescência, além de tratar da acessibilidade para pessoas com deficiência. Trata de registro civil, do direito à alimentação e da situação dos moradores de rua. Prevê apoio aos projetos de lei sobre união civil de pessoas do mesmo sexo e do direito à adoção por casais homossexuais. Trata da diversidade religiosa e classifica a segurança pública como questão de direitos humanos.

O presidente Lula, terminando o ato, falou "da alegria de podermos hoje estar lançando o 3º Plano de Direitos Humanos. Programa feito a muitas mãos. Mãos conhecidas, mãos menos conhecidas, e mãos anônimas de pessoas que não saem em fotografias, de pessoas que não sobem em palanques, mas de pessoas que diariamente estão fazendo alguma coisa para que o mundo melhore e para que as pessoas sejam tratadas com mais respeito e com mais cidadania. Praticamente todas as políticas que levamos a cabo neste governo significam o resultado da maturação democrática que a sociedade democrática vem construindo neste país. O importante é que a gente tenha consciência de que estamos no mundo para cumprir missões."

Dirigindo-se à Inês Etienne Romeu, o presidente disse: " Vejam uma coisa: a Inês lutava por quê? Porque ela queria ter liberdade neste país. Ela lutava por quê? Porque ela sonhava que um dia este país iria ter um governo que tivesse compromisso com a grande maioria da sociedade. A Dilma luta pelas mesmas coisas. Então Inês, minha querida Inês, eu só queria te dizer uma coisa: valeu a pena. Não haverá mais retrocesso neste país."

A emoção e o choro da ministra Dilma têm razão de ser. Houve muita luta, muito sofrimento, tortura e mortes. A consciência e a organização do povo devolveram a democracia e agora estão devolvendo os direitos humanos, todos os direitos, para o povo brasileiro.

Em janeiro de dois mil e dez

* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política

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