Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
No Brasil e no mundo, crescem os cursos, seminários, pesquisas e análises sobre o fenômeno migratório. Semelhante interesse pelas migrações passa, simultaneamente, pelas atividades dos movimentos e pastorais sociais, pelas salas de aula de faculdades e universidades, pelos laboratórios e bibliotecas dos institutos de pesquisa, pelos debates das conferências episcopais, pelos corredores e bastidores da política nacional e internacional, pelas preocupações das autoridades responsáveis pela aduana, etc. Inegavelmente, o tema da mobilidade humana, em todas as suas modalidades, causas, consequências e implicações, vem ganhando relevância a olhos vistos.
Reflexo disso são as teses de mestrado e doutorado, os estudos de caso e os eventos que se multiplicam para melhor compreender essa nova avalanche de deslocamentos humanos de massa. Tais deslocamentos costumam funcionar como fluxo e refluxo de tormentas nem sempre visíveis. Ondas aparentes e superficiais de correntes subterrâneas no campo da política e da economia. Conceitos como flexibilização, terceirização, globalização, nova geopolítica mundial, entre outros, expressam mudanças profundas em termos estruturais e macro-históricos. Seus reflexos transparecem nessas multidões irrequietas que, consciente ou inconscientemente, correm atrás de novas oportunidades de vida e trabalho.
Nesta perspectiva, as migrações adquirem a imagem de um tsuname, cujo epicentro do terremoto encontra-se oculto e distante. Ou a imagem de ponta de um iciberg cuja força e volume permanecem desconhecidos. No rearranjo da economia e das relações de poder em âmbito internacional bipolaridade das potências, multipolaridade, força dos países emergentes, nova polaridade entre Estados Unidos e China, relação sul-norte e leste-oeste, crise do sistema financeiro estão as razões invisíveis que movem as águas na superfície.
Neste cenário mundial, em que as nações se reacomodam como verdadeiras placas tectônicas da economia política, os emigrantes e imigrantes figuram simultaneamente como vítimas e protagonistas. Vítimas das assimetrias e desequilíbrios sociais que se produzem, reproduzem ou se aprofundam. Especialmente do sul para o norte e do oriente para o ocidente, massas anônimas buscam também reacomodar possibilidades mais promissoras de futuro. Protagonistas, na medida em que, pondo-se em marcha em grandes quantidades e em todas as direções, fazem marchar a própria história dos povos, nações e culturas. Se, por um lado, questionam estruturas injustas pelo simples fato de migrar, denunciando os países pátrios que lhes negam as mínimas condições de cidadãos, por outro, rompem com o conceito de fronteira, anunciando uma espécie de cidadania universal.
Difícil atualmente o país que não esteja envolvido com tais deslocamentos humanos. Alguns países aparecem como lugares predominantes de saída, outros, como pontos de chegada; outros, ainda, como áreas privilegiadas de trânsito ou travessia. Entre os primeiros, podemos colocar os povos da América Latina, África, Ásia e da ex-União Soviética; entre os segundos, os Estados Unidos, Europa, Japão e Austrália; entre os últimos, vale lembrar o México, a Guatemala, Portugal, Turquia, etc. Convém não esquecer, por outro lado, que não poucos países, historicamente como regiões de imigração, tornaram-se recentemente terra de emigração, e vice-versa. Basta levar em conta o cruzamento do oceano Atlântico, há mais de um século, por italianos, alemães, poloneses, espanhóis, portugueses, etc. Hoje refazem o caminho inverso não apenas os seus netos e bisnetos, mas também numerosos brasileiros, peruanos, equatorianos, paraguaios, argentinos, e assim por diante.
A isso poder-se-ia acrescentar as levas e levas de trabalhadores que, temporária ou definitivamente, cruzam e recruzam as linhas divisórias dos países vizinhos. Migrações limítrofes que tornam as fronteiras tríplices ou dúplices territórios de extrema movimentação e dinamismo, retrato vivo da globalização de capital, tecnologia, serviços e mercadorias, mas com restrições crescentes às pessoas. Daí a pressão, também crescente, sobre os limites territoriais das nações. Impedidos de chegar pela porta da frente, que costuma peneirar os imigrantes mais aptos ou escolarizados, as multidões se aventuram pelos desertos, pelos mares e pelas florestas. Exemplo disso poderia ser a zona fronteiriça entre México e Estados Unidos, entre África do Sul e Zimbábue ou entre leste e oeste da Europa. Nessa perigosa travessia contam-se às centenas, se não aos milhares, o número de mortos, desaparecidos ou mutilados no corpo e na alma.
Nem precisaria acrescentar um ponto final. Mas este pode ficar por conta da resistência e da teimosia, da esperança e dos sonhos que põem os imigrantes em constante movimento. Muitos são órfãos das guerras, dos conflitos e de todo tipo de violência; outros, órfãos da pobreza, miséria e fome; e outros, são trabalhadores em movimento na terra, no ar ou nas águas. Migrantes, refugiados, deportados, exilados, marítimos, itinerantes, ciganos, fugitivos das catástrofes naturais, trabalhadores temporários... São antes de tudo fortes, parafraseando Euclides da Cunha. Fortes porque transformam a fuga em nova busca. Revelam além disso nossa condição de peregrinos na face da terra a caminho da pátria definitiva, o Reino de Deus.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário