Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
Nas últimas décadas, um sopro do espírito varre a Igreja, seja do lado protestante seja do lado católico. Quando sopra o vento, nada e ninguém podem detê-lo. Ao mesmo tempo, ninguém pode-lhe permanecer neutro, indiferente. Vêem daí os prós e contras frente ao crescimento dos movimentos carismáticos ou pentecostais, tanto no catolicismo como no protestantismo.
Uns os batizam de espiritualismo intimista e privativo, estéril e ineficaz. Outros neles encontram a razão de ser para sua trajetória cristã, com a certeza de que, finalmente, puderam encontrar o caminho. Uns e outros reconhecem sua emergência e sua repercussão. Mas, enquanto para os primeiros tais movimentos tendem a evitar todo e qualquer compromisso social, para os segundos refletem uma experiência profunda de encontro com Cristo.
Onde está a verdade? Seria muita pretensão procurar separar o joio do trigo, para ficar na linguagem evangélica. Nesses embates, as linhas continuam indefinidas, os contornos não são precisos. Graças a Deus, a vida é muito mais dinâmica e imprevisível do que nossos esquemas mentais e gramaticais. O bem o e mal, o certo e o errado, tudo é muito misturado, diria Guimarães Rosa (Grande Sertão Veredas).
Apesar desse alerta, vale a pena tentar um olhar mais objetivo sobre esse sopro do espírito. De início, temos de reconhecer que estamos diante de uma realidade carregada de ambiguidades, mesmo porque pisamos um terreno sagrado. Neste, tudo se reveste de mistério, diante do qual não raro ficamos sem palavras! Diante da experiência e das expressões da fé, há limites claros para a razão humana.
Cientes do solo ambíguo em que avançamos, a primeira coisa que chama a atenção dos movimentos carismáticos é a mistura de riscos e potencialidades. Uns e outras se confundem, se mesclam e se entrelaçam. Ente os riscos, não é difícil surpreender uma leitura equivocada da realidade social e histórica. Como se esta fosse impulsionada por um determinismo secreto, onde a ação humana não tem qualquer possibilidade de mudança.
Sendo assim, e sendo essa realidade marcada pelas contradições em nível sociológico, e pelo pecado em nível teológico ou moral, o mais sensato não é tentar transformá-la, e sim fugir dela. Na impossibilidade de mudar os destinos do mundo e da humanidade, o melhor é escapar para outra dimensão. Resulta que, em não poucos casos, o pentecostalismo protestante ou católico se converte numa espécie de barquinho de salvação diante da sociedade imutável. O mundo está perdido, mergulhado no pecado, mas eu encontrei Jesus! O barquinho procura equilibrar-se no mar tempestuoso, muitas vezes ignorando as angústias de quem está sendo devorado pelas ondas gigantes da fome e da miséria, da injustiça e das desigualdades sociais, da violência e da discórdia. Mares bravios afogam pecadores e inocentes, mas os barquinhos seguem protegidos pelas bênçãos de Jesus.
Nu fundo inconsciente dessa leitura míope dos fatos históricos, esconde-se uma dicotomia que divide o mundo dos salvos, os que encontraram Jesus, e os perdidos que se recusam a tal encontro. Permanecendo na cegueira, sua condenação será inevitável. O estudo superficial da realidade conduz a uma prática marcada por ações paliativas, assistenciais, ou puramente religiosas. Não falta a sensibilidade e a caridade para com os menos favorecidos; falta o conceito de protagonismo dos pobres. O falso diagnóstico falsifica igualmente o remédio.
Passemos às potencialidades, as quais, repetimos, misturam-se inextrincavelmente aos riscos. Salta à vista, antes de tudo, o retorno da alegria à vivência cristã. É possível ser cristão, alegre e feliz! Esse aspecto reveste de vida nova a liturgia, a prática e todas as demais expressões religiosas. Revela um ingrediente muito comum na cultura latino-americana, em geral, e brasileira, em particular. Tempera o vinho novo de novas manifestações. Com isso, aprendemos que não é só a mente ou a inteligência que se comunica com Deus. Todo o corpo reza, celebra e festeja! Rompe-se com um racionalismo frio e calculista, às vezes demasiadamente politizado, que impregnava a prática cristã de cunho mais profético. Dá-se importância ao gesto, à imagem, ao canto, ao simbolismo, enfim, a uma linguagem coreograficamente mais vívida e rica. As atividades religiosas ganham em vigor e alegria. A festa entra na Igreja. Às vezes em detrimento da profecia, é bem verdade, mas não podemos deixar de reconhecer esse lado expansivo que, por outro lado, faz-se presente em grande parte das expressões religiosas negras e indígenas, berço comum de nossa cultura miscigenada.
Além disso, não dá para negar a experiência religiosa de inúmeras pessoas que insistem ter encontrado Jesus e, de fato, mudaram o rumo de suas vidas. Não poucas superaram vícios e consertaram desavenças inconciliáveis. O que há por trás disso? Independentemente do que fazem os dirigentes religiosos diante de tais testemunhos, permanece inegável uma experiência profunda, verdadeira, por vezes indecifrável para os próprios sujeitos que a vivenciaram. Impossível tanta gente se enganar por tanto tempo. Impossível estar diante de uma mentira colossal e coletiva!
Não há o que duvidar: um sopro do espírito modificou suas existências. Há manipulação, há exploração do sagrado, há mercantilização da fé. Há exageros de curas e de falar em línguas! Nada disso, porém, elimina os que os fiéis chamam de encontro com Jesus e mudança de vida.
Como todo sopro do espírito, também esse incomoda e interpela a instituição. Causa um clima de estranheza e rivalidade entre as igrejas estabelecidas e as estruturas voláteis dos movimentos autônomos ou carismáticos. Estes costumam caminhar acima ou paralelamente ao plano diocesano, o qual, por sua vez, nem sempre lhe abre as portas ou lhe dá espaço. Mas convém não esquecer que o espírito sopra onde quer (Jo, 3, 8), a irrupção de Deus na história é imprevisível e não respeita fronteiras. Nenhuma Igreja pode represar as forças do vento nem manter o monopólio da manifestação do espírito divino.
Sobram dois desafios. Por um lado, reconhecer e respeitar o sopro do espírito, em que muita gente se sente reconciliada com a própria fé e com a própria vida; por outro, saber discernir o que é espetáculo, show ou manipulação, do que é obra de Deus. E aprender com Gamaliel que não se pode mover guerra contra Deus (At 5, 34-39).
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