Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
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A sensação de impotência é certamente um dos sentimentos mais arraigados na natureza do ser humano. São inúmeros os fatores que paralisam nossas ações, embora não nos falte muitas vezes a saúde, a coragem e a firme vontade de acertar. Mas estas fortalezas aparentes acabam sendo minadas pelo vírus do medo ou da angústia. Forças negativas e ocultas parecem se sobrepor às energias positivas. Facilmente então somos tomados pelo pessimismo que nos deixa inermes e inertes.
De fato, quantos medos residem em nossa alma? Quantas vezes a vontade de empreender algo é tolhida por temores vagos e indefinidos? Quantas vezes vemos o caminho aberto à nossa frente, mas os pés se recusam a avançar com receio do imprevisível que pode haver por trás de cada curva? Até mesmo os mais genuínos gestos de solidariedade podem ser mutilados pela falta de confiança, ou por algo mais obscuro e inconfessável que se revolve em nossas entranhas. Inconfessável ou simplesmente incompreensível e indescritível.
Prevalece então a lei da inércia. O desconhecido contém algo de selvagem e a assusta. É melhor seguir as trilhas já batidas. O novo é um desafio perene em nossa vida, especialmente na existência agitada e febril do mundo moderno e urbano. Mas o novo exige energias sempre revigoradas, na medida em que todo terreno inexplorado representa uma ameaça. Mais fácil se orientar pelo firmamento de estrelas conhecidas. O resultado disso costuma ser uma esterilidade ineficaz.
Se é verdade que a inércia traz a calma da água parada, também é certo que a água parada acumula dejetos, detritos e esgoto. O lixo atirado nos lagos tende a apodrecer. Aliás, tudo o que se acumula e tudo o que se detém estacionado, está fadado a se decompor. Quando o sangue deixa de circular no corpo, começa o estado de putrefação. O próprio tempo, quando ocioso e sem novidades, engendra o tédio, que não deixa de ser o tempo podre.
Medos e angústias são sentimentos naturais e não há quem não os carregue. O problema é quando tais sentimentos se engrandecem a ponto de se tornarem mórbidos, doentios, incontroláveis. Toda e qualquer ação fica paralisada por entraves que nos chegam de zonas sombrias. Raramente sabemos ao certo o que amarra nossas pernas e braços ou o que nos prende ao chão. Por que os pés parecem de chumbo e o corpo se recusa a qualquer reação? Ignoramos na maior parte das vezes. E isso, evidentemente, nos torna mais vulneráveis ainda à inércia do deixar-se levar.
O lago tranquilo, de águas calmas e serenas, convida ao sossego e ao sono. Por que despertar? Por que arrumar sarna para se coçar? O mais lógico é deixar tudo como está para ver como fica, diz o ditado popular. Ocorre que no calcanhar dessa tranqüilidade amadurece uma inquestionável sensação de tédio. Por trás das águas em repouso, escondem-se correntes subterrâneas. Maremotos profundos que podem desencadear ondas bravias na vida pessoal, familiar ou social.
Além dessas ondas que emergem do mais oculto de nosso ser, pode ser que o lago seja agitado por alguma pedra atirada sobre a água. São os fatores externos que mexem com a tendência a uma vida fechada a qualquer tempestade. Ventos furiosos rugem em nossas janelas, penetram sorrateiramente por baixo de nossas portas hermeticamente cerradas, revolucionam o interior de nossa vida e de nossa casa. Como os enfrentamos? Estamos preparados para as tormentas imprevistas? Temos ouvidos para os gritos que chegam de fora dos muros e olhos para avaliar a situação que nos rodeia? Claro que é mais cômodo permanecer cegos e surdos às turbulências da história. Mas nem por isso será menor o clamor e a sensação de indiferença.
E aqui se levanta uma pergunta inevitável: como conciliar tamanhos desafios, internos e externos, com a impotência que nos paralisa? Que respostas prontas oferecer às perguntas sempre novas e quase sempre sem remédio imediato? Num mundo movido pela novidade e anestesiado por todo tipo de analgésico, como tirar lições do fracasso e do sofrimento? Como agir se nossos membros parecem mutilados diante de tarefas tão gigantescas? Como superar os limites e fraquezas e projetar-se numa ação libertadora, se nós mesmos nos sentimos prisioneiros do medo? Não é preferível, uma vez mais, trancar-se no mundo próprio, imune a todo tipo de embates? É forte a tentação do isolamento, de encaramujar-se sobre si mesmo.
Nesta altura, introduz-se a frase do título, tirada da Carta de São Paulo aos Filipenses: tudo posso naquele que me dá força. Mas é bom não esquecer que essa confiança do apóstolo é precedida de palavras que expressam vivência e sabedoria profundas: sei viver na miséria e sei viver na abundância; eu aprendi o segredo de viver em toda e qualquer situação, estando farto ou passando fome, tendo de sobra ou sofrendo necessidade (Fl 4,12-13). Na Segunda Carta aos Coríntios, Paulo vai ainda mais longe: por conseguinte, com todo ânimo prefiro gloriar-me das minhas franquezas, para que pouse sobre mim a força de Cristo. Por isto, eu me comprazo nas fraquezas, nos opróbrios, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias por causa de Cristo. E conclui com a mesma confiança de sempre: pois quando sou fraco, então é que sou forte (2Cor 12,9-10).
Conclui-se que a ansiedade diante do medo e da impotência tem algo a ver com a falta de confiança e de fé naquele que me dá força. Quando colocamos as expectativas em nossas próprias forças, o fracasso será proporcional a essas mesmas expectativas. Quando achamos que os resultados dependem de nossa eficiência ou eficácia, a falta deles nos deixa prostrados. Se, ao invés, depositamos a esperança em Deus, cedo ou tarde a obra se realiza. O problema é que queremos, ao mesmo tempo, semear e colher. Vale aqui a lição do lavrador: prepara o solo, joga a semente, cuida da planta, mas sabe que não pode realizar a parte do tempo, ou de Deus. Se colocarmos sobre os próprios ombros a tarefa nossa e a do Espírito Santo, o peso estará acima de nossas forças, e o preço será a sensação de impotência acompanhada de uma ansiedade mórbida. Centralizamos a ação sobre nós mesmos e não iremos dar conta dos entraves que a história nos reserva.
Daí novamente o alerta de Paulo: trazemos, porém, este tesouro em vasos de argila, para que esse incomparável poder seja de Deus e não nosso; somos atribulados por todos os lados, mas não esmagados; perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra, mas não aniquilados (2Cor 4,7-9). O apóstolo dos gentios conhecia bem o provérbio popular citado pelo Quarto Evangelho: um é o que semeia, outro o que ceifa (Jo, 4,37). Mais explicitamente diz o grande apóstolo: eu plantei, Apolo regou, mas era Deus quem fazia crescer (1Cor 3,6). Em tempos de crise, de dúvidas, de incertezas, de deserto, de escuridão ou de encruzilhada, o importante é semear, deixando a colheita nas mãos de Deus. Se teimarmos em semear e colher, a impaciência histórica frustra todas as expectativas.
Semelhante reflexão não diminui nossa responsabilidade, mas nos torna mais serenos diante do amanhã. Disse alguém: trabalhar como se tudo dependesse de mim, rezar como se tudo dependesse de Deus. Como o camponês, fazemos a nossa parte e confiamos a colheita a outros. O importante é dar-se conta que todo e qualquer gesto solidário é fator de mudança na história: um olhar amigo, um sorriso, um toque, uma palavra, uma visita, um abraço, uma idéia, um movimento, uma organização nada disso se perde pelo caminho. Tudo acumula forças para o salto qualitativo da transformação social. As mudanças, como a flor, a espiga e o edifício, se levantam do chão. Amadurecem lentamente no escuro úmido da terra. Antes de buscar o sol, o ar livre e o céu, mergulham as raízes no solo de onde extraem os nutrientes necessários. Mudanças não são feitas de espetáculos, e sim de gestos simples e silenciosos que fecundam o chão aparentemente estéril.
E assim quem sabe, ao fim da vida, possamos repetir as palavras de Paulo a Timóteo, sem falsa modéstia e sem orgulho: Quanto a mim, já fui oferecido em libação, e chegou o tempo de minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Desde já me está reservada a coroa da justiça, que me dará o Senhor, justo juiz, naquele dia; e não somente a mim, mas a todos os que tiverem esperado com amor a sua aparição (2Tm 4,6-8).
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