terça-feira, 26 de julho de 2011

INSTITUTO SECULAR DA FAMÍLIA SCALABRINIANA

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

De acordo com os historiadores, o século XIX é considerado o século do movimento. O trem e a aventura pelo mar são as metáforas que explicam esse período. Movimento pela terra e pelas águas do oceano. Movimento que divide e dispersa famílias, mas também aproxima povos e culturas. Corta raízes, ao mesmo tempo que promove a integração e o intercâmbio de valores. Grande diáspora, seja no interior do velho continente europeu, com destaque para o êxodo em massa do campo para a cidade, seja em direção às terás distantes e em especial ao novo continente “per far l’América”. Estatísticas confiáveis estimam que entre 1820 e 1920, mais de 60 milhões de pessoas deixam os países europeus.

Esse tsuname feito de gigantescas ondas humanas deve-se, entre outros motivos, ao terremoto da revolução industrial. É nesse contexto de amadurecimento de novas formas de produção e de novas relações trabalhistas que nasce a Família Scalabriniana. Não só ela, mas uma série de Congregações Religiosas, de caráter marcadamente apostólico, em vista dos efeitos causados por transformações tão rápidas e profundas. Tais mudanças representam melhorias substanciais nos transportes, nas comunicações, na medicina, no conforto humano... Mas, por outro lado, ao sacudir os alicerces as leis e as referências antigas, deixam grandes multidões à margem. Daí os chamados “santos e santas sociais”, fundadores e fundadoras de obras voltadas para as situações e/ou grupos onde a vida estava mais ameaçada. Para citar alguns desses rostos, era o caso dos jovens, dos órfãos e viúvas, das mulheres prostituídas, dos operários e dos emigrantes, dos pobres em geral.

Um confronto entre duas figuras contemporâneas – o Papa Leão XIII e JB Scalabrini – revela bem as turbulências e desafios da época. Na carta encíclica Rerum Novarum, publicada em 15 de maio de 1891, e que inaugura a Doutrina Social da Igreja, o pontífice abre o texto com duas expressões que retratam perfeitamente o final do século XIX e a passagem para o século XX. Uma se refere à “sede inovações”, a outra constata a “agitação febril” do momento. Além disso, a carta tem como subtítulo a “questão operária”. Se o Santo Padre está preocupado com a condição dos trabalhadores no interior das fábricas emergentes, JB Scalabrini, por seu lado, volta-se para aqueles que sequer conseguiram emprego na indústria, vendo-se forçadas a cruzarem os oceanos. E é capaz de ver no fenômeno migratório seus pontos negativos e seus pontos positivos.

O coração de Scalabrini pulsa em sintonia com as tribulações da época: “se o mundo anda depressa, nós não podemos ficar parados”, dizia. E ainda: “a fenômenos novos, organismos novos”. Toca-o profundamente a visão dos emigrantes na Estação de Milão, a qual, em sua própria descrição, torna-se uma espécie de ícone simbólico do carisma scalabriniano. Centenas de pessoas se espremiam à espera do trem que os levasse ao porto e, dali, aos países distantes, onde, conforme uma carta que ele mesmo recebera, “os emigrados viviam e morriam como animais”. Semelhante visão certamente amadurece no “pai e apóstolo dos migrantes” a idéia da Congregação dos Missionários de São Carlos, sacerdotes religiosos, (1887) e da Sociedade Leiga de São Rafael para acompanhar essa diáspora do povo italiano. Anos mais tarde, com a mesma finalidade, ajuda também a fundar a Congregação das Missionárias de São Carlos, irmãs religiosas (1995).

O carisma scalabriniano cria raízes, expande-se e, no decorrer do século XX, abre-se para todo tipo de migração e de mobilidade humana. Até que, em 25 de julho de 1961, ocorre a fundação do Instituto das Missionárias Seculares Scalabrinianas, as quais, neste ano de 2011, celebram seu Jubileu de Ouro. Como expressa a própria denominação, são missionárias inseridas no meio secular, vivendo aí o carisma e a espiritualidade scalabriniana. Junto com os padres, irmãs e leigos/as, contribuem não apenas para os serviços de acolhida aos migrantes nas mais diferentes situações, mas de forma muito singular na vivência e aprofundamento de uma mística que se engendra “sulle strade dell’esodo”.

O Instituto Secular Scalabriniano, ademais de fazer uma ponte entre a Igreja e o Mundo, o ambiente eclesial e a sociedade, trazem sangue novo à Família Scalabriniana que, a cada momento, e seguindo os caminhos dos migrantes, procura renovar sua ação pastoral; trazem também um novo oxigênio, sopro do Espírito, que continuamente transforma as estruturas da Igreja; e trazem, ainda, uma juventude primaveril, diante de uma civilização que caminha a passos largos para o outono. No mundo do trabalho, na universidade, junto aos jovens e em diversos outros ambientes seculares, apresentam-se como sinais da intuição de Scalabrini e do Evangelho em meio aos sonhos, lutas e contradições da mobilidade humana.

Nossa grande Família Scalabriniana não seria a mesma sem o seu ramo secular. Sua oração e sua alegria, sua esperança e seu canto, lançados nas asas do vento, ajudam a vivificar nossa presença junto aos caminhos dos migrantes. Conferem-nos uma liberdade criativa para atualizar o carisma de Scalabrini diante de novos desafios históricos. E nos convidam a alicerçar nossa espiritualidade itinerante no seguimento de Jesus Cristo, bem como a reforçar nosso “sim” vocacional no exemplo de Maria, pelos caminhos inóspitos do êxodo.

Por tudo isso, nosso profundo agradecimento às Missionárias Seculares Scalabrinianas por sua existência, sua presença e seu testemunho, às vezes discreto e silencioso, mas não menos marcante e incisivo. Com um pé no mundo dos migrantes e outro na Palavra de Deus nos ajudam a tornar mais vivas a intuição e o carisma, a vida e a obra, as palavras e a força criadora do Fundador. Sim, queridas Missionárias Seculares Scalabrinianas, nosso muito obrigado e nossos sinceros parabéns pelos 50 anos de amor e doação.

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