terça-feira, 11 de agosto de 2009

CASA DE DEUS E MIGRANTES

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

“Casa de Deus” é uma das expressões mais recorrentes nos salmos do Antigo Testamento. Alguns exemplos: “Javé, quem pode hospedar-se em tua casa? Quem pode habitar em teu monte sagrado?” (Sl 15); “Uma só coisa peço a Javé e a procuro, é habitar na casa de Javé todos os dias da minha vida” (Sl 27); “Feliz quem escolhes e aproximas para habitar em teus átrios. Nós nos saciamos com os bens da tua casa, com as coisas sagradas do teu Templo” (Sl 65). “Vale mais um dia em teus átrios que milhares a meu modo, ficar no umbral da casa do meu Deus que habitar nas tendas do ímpio” (Sl 84). “Alegrei-me quando me disseram: vamos à casa de Javé. Nossos passos já se detêm às tuas portas, Jerusalém” (Sl 122). As citações poderiam prolongar-se com muitos outros versículos de idêntico significado.

A expressão faz referência ao Templo de Jerusalém, lugar de peregrinação do povo hebreu, como também espaço de encontro com o Senhor. Não se limita, porém, a um território geográfico sagrado. Remete especialmente a um estado de espírito que inspira a alegria da proximidade de Deus, a felicidade de contemplar sua face. Traz descanso e renova as forças daqueles que a buscam incessantemente. Basta ver quantos termos se multiplicam como sinônimos de “Casa de Deus”: abrigo, repouso, refúgio, ninho, amparo, morada, cabana, tenda. Termos que representam intimidade, confiança, sede de Deus, desfalecimento ante sua presença. “Felizes os que habitam em tua casa, eles te louvam sem cessar” (Sl 84).

Outras palavras, ainda, privilegiam a segurança e a proteção que a “Casa de Deus” pode oferecer: escudo, força, rocha, rochedo, fortaleza. Sua entrada é franqueada a “quem anda na integridade e pratica a justiça” (Sl 15). Numa palavra, a “Casa de Deus” designa um terreno sólido, onde a justiça e o direito estão garantidos aos oprimidos, famintos, prisioneiros, cegos, curvados, estrangeiros, órfãos e viúvas (Sl 146).

Sabemos que os salmos são orações, pessoais, comunitárias e litúrgicas, em forma de poemas. Também sabemos que os poetas costumam transfigurar suas carências e infelicidades em sonhos e esperanças. Na poesia, desejos e temores se revestem de imagens plásticas muito vivas. Por isso não será exagero afirmar que a solidez que transparece nos salmos se origina das dificuldades sofridas por um povo a caminho. O povo errante pelo deserto naturalmente alimenta o desejo de uma casa forte e segura. A provisoriedade e a transitoriedade dos peregrinos produzem palácios de paz e bem-estar junto ao Senhor.

Assim nascem e se consolidam a teologia e a espiritualidade da tenda, de um povo peregrino. Quem muito caminha, tende a depurar a mala e a alma. Aprende a descartar objetos e ilusões supérfluas, em benefício do que é essencial. Sabe separar o indispensável do secundário. Centra-se na “Casa de Deus” como único lugar de repouso para o homem errante sobre a face da terra. Em termos geográficos e religiosos, o Templo de Jerusalém representa esse ponto de chegada, embora seja sempre um ponto de partida. É preciso regressar novamente ao caminho! Daí o desenvolvimento de uma espiritualidade da Casa de Deus como lugar metafórico da pátria definitiva.

Essa espiritualidade irá acentuar-se no tempo do exílio da Babilônia, quando o Templo está fora de alcance, seja devido à distância seja pela destruição. Também não podemos esquecer a memória viva do passado: o êxodo do Egito e a travessia do deserto. Na comunidade exilada, a Casa de Deus converte-se então, definitivamente, num estado de espírito em que o estrangeiro se reencontra com o seu Senhor, mesmo estando fora de Israel. Os Livros da Sabedoria expressam esse novo sentimento religioso, onde prevalece não tanto o nacionalismo israelita ligado ao templo, mas uma fé dissociada de um território sagrado determinado. No confronto entre a antiga e a nova aliança, não será difícil ligar esta experiência à busca do Reino de Deus, expressão que não se esgota em nenhuma formação humana, mas se abre sempre para além e acima da história. Mais ainda, a partir do futuro infinito, interpela as construções históricas provisórias e incompletas.

Não custa trazer à tona a mensagem da Primeira Carta de Pedro, escrita “aos estrangeiros da dispersão”. O autor, dirigindo-se àqueles que sofrem perseguição por viverem fora da própria terra e por serem cristãos, argumenta que a união entre eles é a “Casa de Deus”. Ou seja, ali na comunidade poderão encontrar segurança, proteção e paz. Para os imigrantes hostilizados, a Igreja aparece como uma referência para seus direitos e para o encontro ou reencontro.
Vale a pena concluir com a mensagem do bispo Anastásio Sinaíta, do século VII: “Que pode haver de mais delicioso, de mais profundo, de melhor do que estar com Deus, conformar-se a ele, encontrar-se na luz? De fato, cada um de nós, tendo Deus em si, transfigurado em sua imagem divina, exclame jubiloso: É bom para nós estarmos aqui, onde tudo é luminoso, onde está o gáudio, a felicidade e a alegria. Onde no coração tudo é tranqüilo, sereno e suave”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário