terça-feira, 18 de agosto de 2009

Entidade comemora desdobramento de pesquisa sobre tráfico humano na Amazônia

Robson Braga *
Adital

O articulador da ONG Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais da Amazônia (Só Direitos), Marcel Hazeu, comemorou os desdobramentos positivos da pesquisa "Um novo/velho drama amazônico". Em 2008, a entidade entrevistou 18 mulheres brasileiras e dominicanas em situação de tráfico humano no Suriname. "Os governos [brasileiros] estão mais sensíveis [ao tema do tráfico de pessoas] e desenvolveram ações de combate", enfatizou.

A Só Direitos está aprofundando questões relacionadas ao tráfico humano com algumas das mulheres entrevistadas, com as quais manteve vínculos após a pesquisa. "Elas vivem numa realidade de muita instabilidade e de muito vínculo com a rede de aliciadores", expôs Hazeu.
A entidade, sediada na cidade de Belém, capital do Pará, está discutindo o resultado da pesquisa com as mulheres entrevistadas "para que elas entendam que não são culpadas pelo tráfico de pessoas. São processos que ocorrem na vida de muitas mulheres pobres da região, e não de modo natural", ponderou.

Segundo o pesquisador, a divulgação da pesquisa chamou a atenção do Ministério das Relações Exteriores do país. Já no ano passado, o Itamaraty capacitou funcionários do consulado brasileiro no Suriname para o atendimento de vítimas de tráfico de seres humanos. "Tem que haver um entendimento melhor da situação e o consulado é uma peça-chave nesse sentido", considerou Marcel.

A organização também está realizando atendimento e orientação de pessoas no contexto da migração através do Guia de Viajantes para Suriname e Guiana Francesa. "São as informações mínimas, mas com as quais as pessoas podem se preparar e até questionar. Todo mundo diz pra não entregar o passaporte pra ninguém, só que não é tão simples assim, as mulheres são obrigadas a entregar", explicou.

A pesquisa também contribuiu para a instalação, em julho deste ano, do Posto Avançado de Direitos para Viajantes, no Aeroporto Internacional Val-de-Cans, em Belém (PA). O posto da Secretaria do Estado de Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH) do Pará é uma das ações do Plano Estadual de Combate ao Tráfico de Pessoas. O objetivo é fornecer informações às pessoas convidadas a trabalhar ou a viajar a outros países, principalmente aos migrantes, deportados ou não admitidos.

Outro desdobramento da pesquisa foi o I Encontro Binacional Brasil - Suriname, realizado nos dias 14 e 15 de maio, na capital paraense. O evento discutiu o problema envolvendo os dois países. O encontro foi considerado como uma das principais estratégias do plano estadual, aprovado pelo governo do Pará em abril deste ano.

O plano estadual tem como base o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, do Governo Federal. Ambos seguem as diretrizes propostas pela Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas.

A pesquisa
A pesquisa "Um novo/velho drama amazônico" foi desenvolvida por Lucia Isabel da Conceição Silva e Marcel Theodoor Hazeu, pesquisadores da entidade Só Direitos. Ela partiu da identificação da rota de tráfico de pessoas que existe entre Belém - capital do estado do Pará - e Paramaribo, capital do Suriname. Cerca de 20 mil brasileiros vivem no Suriname atualmente, o que representa 4,5% da população desse país. O fluxo migratório entre as duas nações foi intensificado na década de 1980, quando muitos brasileiros migraram para a região da Serra Pelada (a 35 km de Belém) para o garimpo de ouro.

O agravamento da pobreza e a proximidade com o Suriname fez muitas mulheres aceitarem propostas de trabalhos no país vizinho. "Lá vimos outra dimensão do tráfico para além das rotas: o perfil das vítimas é bastante diferente do que diz a Pestraf", Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial, de 2002.

A pesquisa, que mapeou 141 rotas nacionais e internacionais de tráfico humano, ainda é a mais recente em âmbito nacional. Ela "mostra que a maioria das vítimas é negra, mas a etnia tem a ver com o lugar de origem e de destino", ponderou Hazeu. "No Suriname [de maioria negra], as mulheres brasileiras são consideradas brancas", ressaltou o pesquisador.

Em sua maioria, as mulheres entrevistadas tinham, na época, entre 17 e 34 anos, baixa escolaridade, eram oriundas de famílias pobres, mães solteiras e sustentavam sua casa. Mantêm companheiros no exterior, que lhes ajudam esporadicamente.

Algumas delas nunca haviam se prostituído no Brasil antes de viajar, o que nega a premissa de que as mulheres em situação de tráfico já se prostituíam anteriormente. A vulnerabilidade delas vai além da inserção na ‘zona’ de prostituição e se agrava devido à situação de pobreza em que vive.

Marcel ainda enfatizou que as mulheres exploradas sexualmente na região amazônica "têm um histórico de violação de gênero de várias dimensões". "A região tem características muito específicas quanto às vítimas de tráfico: são mulheres com filhos, mães solteiras, que foram exploradas em trabalhos domésticos na infância. Quando estão mais velhas, as famílias não querem mais em casa e elas não têm pra onde ir", definiu.

Muitas mulheres da República Dominicana também são traficadas para o Suriname com fins sexuais. "Nós percebemos lá muitas dominicanas em situação de exploração sexual". A entidade integra a Aliança Global contra o Tráfico de Mulheres (GAATW, por sua sigla em inglês), da qual também fazem parte duas entidades dominicanas. "Isso facilitou o contato e o trabalho conjunto".

* Jornalistas da Adital

Nenhum comentário:

Postar um comentário