Karol Assunção
Jornalista da Adital
Adital
"Desde antes do terremoto, os camponeses enfrentam a situação [agrícola] sem o incentivo do Governo. Eles tentam produzir da forma que podem”. A declaração é de Rosnel Jean-Baptiste, coordenador da organização camponesa Tet Kole Ti Peyizan Ayisyen de Haiti. Jean-Baptiste está nesta semana no Brasil para explicar as ações da organização no país caribenho e agradecer as ajudas enviadas após o terremoto de 12 de janeiro de 2010.
O coordenador da organização camponesa haitiana não esconde os problemas enfrentados pela população nem a falta iniciativa das autoridades. De acordo com ele, 54% da alimentação consumida no país "vem de fora”. E o motivo não é porque faltam produtores rurais, mas investimentos.
"O Ministério da Agricultura é o que possui menor taxa de investimento. Isso num país em que 66% da população vive no meio rural. E quando há investimento, não é para os camponeses, é para a zona franca, para [beneficiar] as indústrias”, denuncia.
Jean-Baptiste explica que, se houvesse investimento, como um sistema de irrigação, os camponeses conseguiriam produzir alimentos durante boa parte do ano. O que acontece, segundo ele, é que os três maiores rios que cortam o país não possuem mecanismo de canalização e os camponeses passam o período da seca sem produzir.
Diante da ausência do Estado, os haitianos tentam sobreviver e produzir como podem. "Os camponeses buscam alternativas porque suas raízes estão na terra”, afirma. Agora, por exemplo, a busca é por uma articulação nacional. De acordo com o coordenador de Tet Kole, os camponeses estão em diálogo com outras organizações do país para "debater a causa camponesa com a sociedade e o governo”.
Lutam também por uma descentralização dos serviços, como educação e saúde. "Todos os serviços estão concentrados em Porto Príncipe”, revela, comentando que até carteira de motorista e documentos de migração estão na capital haitiana. "Os camponeses também devem ter acesso a esses serviços”, demanda.
Ajuda internacional
Logo após o terremoto de janeiro do ano passado, a comunidade internacional voltou os olhos para o país mais pobre das Américas. Entretanto, de acordo com ele, a ajuda "pouco chega à população”. Ele explica que muitos dos recursos vão para o governo e a população não recebe. Além disso, chama a atenção para a reconstrução do país. Para ele, a reconstrução precisa ir além da construção física, deve ocorrer a partir da base camponesa.
Ao mesmo tempo em que surgem ajudas efetivas, também aparecem organizações e pessoas para se aproveitar da situação. De acordo com Jean-Baptiste, aproximadamente 11 mil organizações não-governamentais (ONGs) estão atualmente no país. O líder campesino critica o trabalho de algumas delas.
Segundo ele, muitas das ONGs instaladas na cidade "estão apenas para fazer dinheiro para elas mesmas, para lucrar”. No campo, algumas levam alimentos, gesto que, para ele, enfraquece a agricultura local. "A ajuda precisa ser de reforço para os camponeses produzirem os alimentos”, considera.
Jean-Baptiste ainda denuncia a "falsa ajuda” da empresa Monsanto. De acordo com ele, logo após o terremoto, a transnacional distribuiu sementes híbridas para os camponeses. "A Monsanto estava pensando no lucro, e não nos camponeses. Isso porque no ano seguinte eles vão ficar dependentes das sementes”, comenta.
Mesmo com esse quadro, o representante de Tet Kole não descarta a ajuda estrangeira e afirma que a "luta dos haitianos é uma luta internacional”. Para ele, é importante ter ações voltadas para a educação, saúde e agricultura no Haiti. No entanto, denuncia a ação da Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) e a militarização no país. "Precisamos de ajuda, mas não militar”, desabafa.
Visita de agradecimento
Rosnel Jean-Baptiste visita o Brasil em agradecimento à ajuda oferecida ao povo haitiano. O integrante da organização camponesa foi ontem (13) a Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, para agradecer a Arquidiocese da cidade pelo apoio dado através do projeto Arquidiocese BH Pró-Haiti, o qual repassou mais de R$550 mil para a população do país caribenho.
A ação ajudou na capacitação técnica de camponeses, na alfabetização de jovens e adultos, na compra de instrumentos agrícolas e na reforma de escolas. Além da cidade mineira, o Jean-Baptiste ainda passará por outras capitais brasileiras para apresentar o trabalho realizado no Haiti.
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