quinta-feira, 25 de junho de 2009

Encontro Sulamericano ‘Gênero e Migrações’. Declaração de La Paz*

Convocados pela Articulação Espacio Sin Fronteras e pela Secretaria Permanente da Mesa Técnica de Migrações da Bolívia no marco do Bicentenário do Primeiro Grito de Independência da América Latina, as/os representantes de movimentos sociais, redes, instituições e coalizões que atuam com as/os migrantes e imigrantes no âmbito da Unasul nos reunimos para intercambiar conhecimentos e experiências com vistas a analisar causas e consequências da feminização migratória e trata de pessoas, avançando com propostas concretas.

Declaramos:
Que nas recentes duas décadas as mulheres vêm protagonizando uma experiência inédita; superaram o tradicional protagonismo masculino nas rotas migratórias, sendo, em alguns casos, pioneiras de ditos processos. Atualmente, as mulheres representam mais de 50% do total dos imigrantes no mundo; em cifras, representam mais de 95 milhões.


Que, independente de sua qualificação, as trabalhadoras migrantes estão colaborando de maneira substantiva ao bem estar de milhões de famílias nos países de destino e para a economia; seus serviços pessoais, técnicos e/ou profissionais no cuidado de crianças, anciãos e doentes, como nos setores críticos da educação e da saúde, representam uma grande economia para os Estados, em um tempo em que se perfila o modelo do Estado de Bem Estar, contribuindo para sustentar a alta qualidade de vida a que se acostumou a população dos países industrializados.

Que as trabalhadoras migrantes são, segundo as estatísticas, as que mais enviam dinheiro para suas famílias e o fazem de maneira sustentável, colaborando não somente para a economia do país que a acolhe, mas também para aliviar a pobreza nas localidades e regiões de origem. São também as mulheres migrantes as que têm promovido redes de auto-ajuda e solidariedade no seio das comunidades de imigrantes (incluindo a de exilados e refugiados); elas sustentam o primeiro elo da cadeia migratória e são as que mais lutam pela reunificação familiar.

Estabelecem pontes de apoio com seus congêneres nos países de acolhida, promovendo o diálogo intercultural e enfrentando as barreiras da discriminação de gênero. Suas experiências e testemunhos ajudam a entender as complexidades da migração, seus desafios e oportunidades. Por isso, abordar a migração a partir das experiências das mulheres é de suma importância social e política.

Que, pese à sua relevância quantitativa e qualitativa, os discursos que circulam em torno ao tema das mulheres migrantes, reincidem em identificá-la somente como um sujeito vulnerável, invisibilizando os outros aspectos de sua experiência.

Que, diante da crise mundial gerada nos países ricos e cujos efeitos e custos têm sido trasladados aos países em desenvolvimento, atingindo de maneira direta às mulheres e meninas, que se veem obrigadas a unir-se aos fluxos migratórios internacionais como alternativa para sua sobrevivência e de suas famílias, processo que tem posto às claras as profundas desigualdades estruturais e a falta de oportunidades, que atingem de maneira particular a população feminina, tanto nos países de origem quanto nos países de destino.

Que a falta de proteção jurídica e social em sua experiência migratória está causando complicações na migração de mulheres e meninas, que são atualmente as principais vítimas no lucrativo sistema de trata humana, vinculado ao exercício de atividades compatíveis com a escravidão, entre elas o comércio sexual forçado, o trabalho doméstico domiciliar e outras ocupações que as privam das possibilidades de um desenvolvimento pessoal, técnico ou profissional. Os custos sociais e humanos desta situação são muito altos, considerando que tampouco se está exercendo o direito de Reunificação Familiar.

Que, quando a mulher se distancia de sua casa para trabalhar em outro país, deixando seus filhos, pais e parentes próximos, outra mulher a está substituindo nas atividades tradicionais que ela costumava assumir em casa, o que se denomina "cadeia mundial de cuidados" e que continua nas mãos de mulheres, em cujo escalão mais baixo estão as afrodescendentes e indígenas, que, com seu trabalho gratuito ou semi gratuito, estão indiretamente colaborando para a economia e o bem estar dos países beneficiados com a migração de mulheres.

Que a aplicação da Diretiva de Retorno, implica no regresso forçado de uns 10 milhões de pessoas a seus países de origem, anualmente. No entanto, os organismos internacionais anunciam que os países desenvolvidos continuarão demandando trabalhadores estrangeiros, principalmente mulheres, para compensar seus déficits de pessoal produtivo, enquanto que os fatores de expulsão de migrantes -além dos efeitos das crises mundiais que deslocarão aproximadamente 650 milhões de pessoas em todo o mundo-, somam-se os efeitos da mudança climática, que atingirá a outros 250 milhões de pessoas.

Que, ante a negativa dos países ricos de admitir novos contingentes de refugiados, as mulheres -que devem sair forçadamente de seus países, muitas vezes devido à perseguição motivada por sua condição de gênero-, ficam presas em zonas de fronteiras convertidas em espaços de grande insegurança humana, onde meninas, mulheres e meninos sofrem de maneira prolongada a vulneração de seus direitos mais elementares.

Nos propomos:
1. Abordar a migração feminina a partir de um enfoque integral, baseado no pleno exercício de direitos, de cidadania e no empoderamento da mulher, superando a perspectiva vitimizadora e levando em consideração a complexidade e a diversidade dessa experiência, incluindo uma análise diferenciada de como a migração atinge a mulheres e homens a fim de adotar políticas igualitárias em referência ao gênero. Esse passo nos permite orientar melhor os esforços da comunidade internacional, isto é, os governos, os organismos multilaterais e a sociedade civil, incluindo os/as migrantes organizados e não organizados para abordar os desafios; porém, também as possibilidades que a migração contemporânea de seres humanos nos oferece.

2. Tornar visível a contribuição das trabalhadoras migrantes à demografia, à economia e ao bem estar social dos países de destino, com o um meio para o reconhecimento do status migratório e o exercício de direitos de cidadania universal.

3. Propor mecanismos de compensação aos países emissores de migrantes, que veem partir seus técnicos e profissionais, homens e mulheres em idade produtiva, capital social em cuja formação investiram e que os países de destino recebem gratuitamente (considerando que formar um profissional nos países em desenvolvimento da América do Sul custa em média 25 mil dólares, enquanto que para um país desenvolvido formar um profissional custa 250 mil dólares).

4. Levar em consideração as necessidades particulares das mulheres e meninas migrantes, independente de seus papeis socialmente definidos, implementando medidas de políticas que garantam a plena vigência de seus direitos econômicos, sociais, culturais, políticos e crenças; bem como seus direitos sexuais e reprodutivos, em consonância com os instrumentos internacionais.

5. Gerar e institucionalizar mecanismos de diálogo entre os Estados sulamericanos e a sociedade civil como uma forma de legitimar as iniciativas e propostas dirigidas a garantir o exercício do direito à livre circulação, bem como a exigibilidade da cidadania universal.

6. Enfocar o manejo das crises (financeiras, políticas), reforçando o exercício de direitos, ampliando as liberdades e empoderando os grupos humanos e comunidades que apresentam maiores riscos, entre eles as mulheres, urbanas e rurais, afrodescendentes e indígenas. Uma medida concreta é igualando os ingressos e benefícios sociais entre mulheres e homens por trabalhos similares.

7. Incentivar a homologação de sistemas de proteção social, trabalhista e jurídica a mulheres migrantes, deslocadas e refugiadas, aplicando a legislação internacional, exigindo aos governos sulamericanos o cumprimento de acordos gerados nas cúpulas intergovernamentais, colocando em prática a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos dos Trabalhadores Migratórios e suas Famílias (ONU).

8. Levar em consideração as experiências individuais e coletivas das mulheres migrantes no permanente esforço de sobrevivência e vigência de seus direitos e liberdades, desenvolvendo um enfoque da migração a partir da perspectiva dos direitos humanos.

9. Criar mecanismos de monitoramento, seguimento, controle cidadão e relatorias com o apoio de coletivos de migrantes, organismos acadêmicos, eclesiais e outros, exigindo aos Estados a capacitação em matéria de direitos humanos, temas de gênero, trabalho forçado, trata e tráfico de seres humanos, servidão e segurança humana a migrantes potenciais, policiais, funcionários de fronteiras e outras instâncias vinculadas ao tema migratório.

10. Originar e dar seguimento ao processo de construção de um grupo de trabalho sobre Gênero e Migração no âmbito do Espacio Sin Fronteras, com participação de outras redes e instâncias da sociedade civil da União das Nações Sulamericanas (Unasul), que se comprometam a impulsionar este projeto, a socializá-lo a fim de melhorar as políticas migratórias de gênero.

Em consequência, os abaixo assinantes nos comprometemos a socializar este documento através de nossas respectivas organizações.

*Assinam:
Paulo Illes - Articulação Sulamericana Espacio Sin Frontera

Jorge Moncada Plaza - Articulação Bolivia Espacio Sin Fronteras

E também:
-Luiz Bassegio - Grito Excluídos Continental

-Wendy Villalobos - Relações Internacionales "Espacio Sin Fronteras" - Brasil
-Aída García Naranjo - CEDAL - Peru
-Carmen Torres - Fundación Instituto de la Mujer - Chile-
Lilia Núñez - Investigadora Migración Contemporánea - Chile
-Pablo de la Vega - Mesa Técnica de Migraciones Laborales - Equador
-Patricia Pazmiño - Fundación Esperanza - Ecuador
-Nubia Stella Parra Rodríguez - Periodista é Investigadora Migraciones - Colômbia
-Wilbert Rivas - Centro de Atenção aos Migrantes (CAMI) São Paulo - Brasil
-Mónica Corona - Fundación Colectivo Cabildeo - La Paz - Bolívia
-Elizabeth Jiménez - CIDES UMSA - La Paz- Bolívia
-Aldo Pasqualotto - Pastoral de Movilidad Humana - La Paz - Bolívia
-Patricia Bustamante - CECASEM - La Paz - Bolívia
-Tania Navia - Mulheres Católicas pelo Direito a decidir - Observatório Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos

La Paz, 16 y 17 de junho de 2009
Tradução Adital

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