terça-feira, 2 de junho de 2009

O lamento da terra e dos desterrados

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs

Escrevo a partir de Manaus, ás margens do Rio Negro. Suas ondas já lambem perigosamente o muro e o calçadão que divide a cidade das águas. Mais à frente, o Solimões se impõe como um mar barrento e sem limites. Nos igarapés que cortam a metrópole, as populações atingidas vão improvisando sobre a água passarelas de madeira. Enquanto isso, da outra ponta do Brasil, nos chega a notícia de uma estiagem que vem reduzindo a produção de grãos e as esperanças dos colonos. De um lado e de outro, enchentes e secas, excesso ou falta de água, disturbam o imaginário do calendário sazonal de inverno e verão ou de plantios e colheitas.

A verdade é que, nas últimas décadas, o lamento da terra passou de um rumor silencioso a um grito estridente. Grito somado de catástrofes cada vez menos naturais, e cada vez mais frutos de um modelo sócio-econômico predatório. O resultado é a consciência de que o globo terrestre constitui um organismo irremediavelmente enfermo. Responsáveis por esse aumento de tonalidade têm sido os cientistas do aquecimento global e os movimentos sociais, especialmente os defensores do meio ambiente. Mas tem sido também o crescente número de desterrados, seja em conseqüência das reações violentas que a natureza violentada devolve à civilização humana, seja em conseqüência da crise mundial das últimas décadas.

Na raiz de semelhante estridência, como se sabe, estão as ameaças que hoje pesam gravemente sobre o planeta terra. Aos poucos nos damos conta que o globo terrestre é um organismo vivo e que, como tal, sofre, adoece, agoniza e pode morrer. A febre e os demais sintomas de sua doença já nos são bem conhecidos: contaminação das águas e do ar junto com a escassez crescente de água potável; aquecimento gradual da temperatura e desertificação de amplos territórios; destruição da fauna e da flora, com o desaparecimento de numerosas espécies; queima de combustíveis fósseis e lançamento indiscriminado de gás carbônico na atmosfera; degelo das capotas polares, seguido do aumento do nível dos mares; inúmeros povos e grupos em permanente diáspora, e assim por diante.

Esse quadro nos desafia em duas direções. De um ponto de vista individual ou familiar, faz-se necessária uma mudança de comportamento no uso da água e outros recursos naturais, na seleção e reciclagem do lixo, no hábito do desperdício, no cuidado com a natureza em geral. Uma vida frugal, justa, sóbria e solidária nos torna mais leves e mais livres. É também o segredo para uma existência mais simples e feliz. Vivemos subjugados pelo império incondicional do produtivismo consumista, hoje tão propagado pelo marketing das sociedades ocidentais. Exteriormente, enchemo-nos de bijuterias desnecessárias, ao mesmo que, interiormente, aprofundamos o vazio de nossas almas sedentas e amarguradas.

De um ponto de visto sócio-político e cultural, temos de pensar em mudanças bem mais profundas. Está em jogo o próprio estilo de civilização. O modelo econômico capitalista, de filosofia liberal, movido pelo motor do lucro, tem usado e abusado dos recursos naturais e, junto com a exploração do trabalho, tem devastado a face e o interior da terra. A economia de mercado esgotou suas possibilidades. Talvez a crise atual represente seus estertores finais! Suas primeiras vítimas têm sido os estrangeiros, com destaque para os indocumentados. Basta um vôo rápido pelos Estados Unidos, pelo Japão e por vários países europeus, como também por países do Terceiro Mundo, para dar-se conta de como o imigrante costuma ser o primeiro sacrificado no altar da crise mundial.

Nessa perspectiva, ele representa o rosto desfigurado de uma encruzilhada em dupla dimensão. De um lado, premido pelas catástrofes “naturais” (enchentes, furacões, inundações, etc.), converte-se em um novo tipo de refugiado, o chamado “refugiado ambiental”, que já se conta aos milhões. De outro lado, como alvo privilegiado da crise econômico-financeira, passa facilmente de um emprego instável a uma errância incerta e sem destino. São os hodiernos expulsos do paraíso, condenados ao desemprego, ao êxodo e ao exílio. Nas areais do deserto, a exemplo do povo hebreu na Bíblia, vivem entre a saudade, o caminho e a miragem. A diferença é que não há promessa nem Terra Prometida!

Felizmente o povo se põe em marcha. E um povo que se move, move também a história. No deserto, costuma ser intensa a criatividade. Hoje, contam-se aos milhares as iniciativas da economia solidária. Esta pressupõe outro modelo de civilização, onde a convivência com as demais formas de vida é a regra e não a exceção. Trata-se de uma forma de organização social, política e ecologicamente sustentável. Uma forma de existência que salva não apenas a biodiversidade, mas também a coexistência pacífica com “o outro, o estranho, o estrangeiro”.
No fundo o G8 e o G20 – grupo dos oito países mais ricos acrescido dos países emergentes – perderam a confiabilidade de gerir a vida sobre a terra. Segundo eles, a solução para a crise mundial da economia de mercado é sempre mais mercado. A saída é produzir e consumir! Estão matando o doente com seu próprio veneno.

Em meio à crise mundial e ecológica, seguramente os povos da fronteira e da diáspora têm uma palavra a dizer. Ou melhor, o seu silêncio e a sua teimosia nas estradas da vida são mais eloqüentes que quaisquer palavras. Eles carregam consigo o desejo e a possibilidade de novas formas de civilização. O lamento da terra é também o lamento dos desterrados. Um e outro apontam para a recriação do planeta e da humanidade e para relações sadias entre ambos.

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