quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A utopia de um novo Brasil

Selvino Heck *

Adital -
Março de 2004, II Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Olinda, Pernambuco. O presidente Lula, em sua saudação aos participantes, diz, brincando, como é de seu feitio, uma frase que nunca me saiu da cabeça: "E aí veio o Frei Betto e inventou esta história de MESA, COPO, PRATO, SAL e TALHER.!" O presidente referia-se às palavras-siglas que marcaram a primeira etapa do Fome Zero, cujas políticas, programas e resultados são hoje reconhecidos em todo mundo.
A única palavra-sigla que ‘pegou’ e existe até hoje foi a do TALHER, a partir da qual se construíram duas iniciativas ou programas: a Rede TALHER de Educação Cidadã (RECID) e o Escolas-Irmãs. Frei Betto usava muito uma frase, espécie de lema ou resumo da política social do governo Lula: "Matar a fome de pão, urgente e necessária, e, tanto quanto, saciar a sede de beleza." Em barriga vazia, não entram projetos de futuro, não cabem sonhos. Ao lado e junto do prato de comida, da renda e do trabalho, são necessários a dignidade, a cidadania, a compreensão do mundo, a participação na construção da democracia, o bem-viver.


Dezembro de 2010: a RECID realiza sua III Ciranda de formação e o 10º Encontro Nacional no Centro de Formação Vicente Cañas, na Chácara do CIMI, em Luziânia, Goiás, com o tema: "Com os pés no chão da história, celebramos a caminhada e construímos a utopia de um novo Brasil". Na programação, um ato político no Palácio do Planalto, de agradecimento ao governo pelo apoio, com presença do Chefe de Gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho. 150 lideranças sociais e educadores/as populares agradeceram o apoio do governo, dançaram uma ciranda em pleno Palácio, transformando em festa e alegria as severas paredes e salões.

Gilberto Carvalho, beirando o choro e segurando as lágrimas, falou: "Foi o povo que segurou o governo Lula nos momentos mais difíceis. E foram vocês, com seu trabalho com os mais pobres, os excluídos e os trabalhadores, com sua dedicação muitas vezes fizeram o governo mudar, e para melhor. Muito obrigado a todas e todos vocês."

Nádia e Paulo Matoso falaram em nome da Rede de Educação Cidadã. Paulo falou: "Nossa opção é pela construção de um novo projeto de sociedade, por meio da educação popular, da comunicação e da cultura, como espaço de ação política, herdada de várias lutas da história do povo brasileiro. Nossa educação, referenciada em uma metodologia libertadora, dá-se em atividades em todos os estados do país e o Distrito Federal, por meio de mais de 2 mil oficinas e centenas de encontros estaduais, microrregionais e nacionais.

A RECID só tem sentido se: principalmente, quanto à questão de como transformar a realidade também a partir do Estado. E como transformar o Estado junto à sociedade civil. A Rede busca a realização de processos de forma horizontal e emancipatória; continuar com suas ações no âmbito da defesa e garantia de direitos sociais fundamentais, recriando novas relações de trabalho e fomentando novas experiências de produção; forjar a mudança do marco legal para possibilitar, com mais viabilidade, o acesso a recursos públicos por parte das camadas populares. Construir referência de classe enquanto ferramenta de intervenção frente ao Estado, fortalecendo o tripé: formação, articulação e luta; vivenciar, na organicidade e na gestão compartilhada, política, pedagógica e econômica, a coletividade, a participação, a transparência, a construção da autonomia e da autogestão; transformar os vários programas de governo em políticas de Estado com controle social. Isso tudo é o nosso ensaio para a realidade. Estamos fazendo. Sustentando o céu para que ele não caia. Agradecemos o governo pela cumplicidade e parceria na realização de todas essas ações. Salientamos a importância de continuarmos com esta parceria para a construção de uma nova sociedade".

O relatório final da Ciranda e do Encontro Nacional abre assim: "Pé dentro (do governo), pé fora (na sociedade). Os pés são um bom símbolo. Nossos pés pisaram esse chão, amassaram esse barro, dançaram essas canções, mas, acima de tudo, contaram as histórias, partilharam as angústias e as alegrias dos grupos de base, das articulações políticas, da luta pelos direitos humanos, da ação dos educadores e educadoras, das vidas que se renovaram, dos sonhos que se refizeram.

Pé dentro, pé fora. Nossas contradições apontaram também nossos limites, mas puderam revelar nossas riquezas. Esses pés que nos levaram a Brasília subiram as rampas do Palácio do Planalto e dançaram na sala de reuniões. Apontou-se para o aprofundamento do diálogo com o governo. Nossa razão de ser, a construção do poder popular por meio da educação freireana, no entanto, precisa ser pensada na intencionalidade política, na sua organicidade e nas formas de sua sustentação. Pé na utopia, pé no chão. E pé na estrada. O caminho se faz caminhando!

Fé na vida e fé na gente: não é só uma música das muitas que embalam nossos encontros. É uma crença. Aprendizes nesta ciranda; aprendentes neste encontro.

E nossos pés, agora, retornam, uns para mais longe, outros para mais perto. Vamos, na roda da vida, levando o sorriso do palhaço, a batida do violão do Chico, o cheiro das mangas, as profundas reflexões desses encontros, as certezas e as dúvidas. A vontade carregada de partilhar com quem segura conosco o céu de nossos trabalhos de base. Pé dentro, pé fora. Agora estão na Chácara do CIMI, daqui a pouco pisarão o solo sagrado de nossa agente. E levaremos nossa bagagem, repleta de novos e velhos olhares, para saber que um ‘um sonho que se sonha só é só um sonho, mas um sonho que se sonha junto constrói uma Rede’".

A utopia de um novo Brasil continua nascendo e está sendo construída em muitos lugares: de baixo para cima, com ‘os de baixo’, como dizia Florestan Fernandes, com mobilização, com luta, com educação popular e democracia.

Viva o Povo Brasileiro!

Em dezessete de dezembro de dois mil e dez.


* Assessor Especial do Presidente da República do Brasil. Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política

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