terça-feira, 24 de novembro de 2009

Resenha; Migrações na Atualidade n. 77

EDITORIAL


“Se o clima fosse um banco já teria sido salvo”
(slogan pré-Copenhague)


A questão ecológica pode ser corretamente definida como o termômetro de uma ampla crise que envolve o mundo contemporâneo. O ser humano, que em épocas passadas compreendia-se como parte da natureza, colocou-se acima dela, como soberano e dominador. O meio ambiente, antes respeitado e até temido, agora se tornou um mero instrumento em vista da realização dos interesses humanos – ou, melhor, de uma parte da humanidade.

Essa visão instrumental do meio ambiente produziu, em poucas décadas, uma verdadeira
depredação ecológica: deflorestação, aquecimento global, desenfreada emissão de gases de efeito estufa, desertificação, poluição do ar, consumo irrestrito dos recursos naturais não renováveis, contaminação de rios e mananciais por lixo doméstico, industrial e pluvial, escassez de água potável, aumento do nível dos mares, etc..

As consequências para a humanidade são dramáticas. Entre elas, a presente RESENHA
ressalta a questão dos assim chamados refugiados ou deslocados ambientais. Sabe-se que esta categoria não está incluída na Convenção de Genebra e há vários debates acerca de sua definição.
Um relatório da IOM e do UNFPA (Seminario de Expertos: Migración y Medio Ambiente. Diálogo internacional sobre la migración, 2008) distingue entre as pessoas que migram movidas por questões ambientais a fim de “prevenir o pior” (em situações de falta de investimentos e políticas públicas de prevenção), a fim de “evitar o pior” (em situações em que os meios de sustento estão já comprometidos) e a fim de “fugir do pior” (em situações de devastações imediatas que não apenas afetam os meios de sustento, mas que colocam em risco a própria vida).

Essas distinções revelam a complexidade do fenômeno, que abrange deslocamentos individuais e coletivos, internos e internacionais, temporários e permanentes, bem como questões ambientais, sociais, culturais, políticas e econômicas.

O que parece evidente, no entanto, é que os mais afetados por desastres ambientais são os segmentos mais pobres da população mundial, a saber, os menos responsáveis pela crise ecológica.

Como afirma o supracitado relatório, “lo que está claro es que los pobres y los menos cualificados tienen menos opciones de hallar su estrategia para salir adelante. [...] Los pobres y los menos cualificados suelen estar doblemente en desventaja. No sólo carecen con frecuencia de un seguro informal o formal) para superar problemas ambientales, sino que también pueden afrontar mayores obstáculos ante la movilidad laboral interna e internacional”.

Consoante o Fundo das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD (Informe sobre
Desarrollo humano 2007-2008. A lucha contra el cambio climático), atualmente existem 344 milhões de pessoas expostas a ciclones tropicais, 521 milhões expostas a inundações, 130 milhões expostas a secas e 2,3 milhões expostas ao perigo de a deslizamentos de terra. É por tudo isso que o PNUD alerta sobre a gravidade e a urgência da questão: “El mundo dispone de menos de 10 años para cambiar su rumbo. No hay otro tema más urgente y ninguno exige medidas tan inmediatas como este”.

No entanto, à gravidade do desafio não corresponde um irrepreensível compromisso por parte de lideranças políticas e econômicas internacionais. Mas por que fechar os olhos diante do drama de milhões de deslocados ambientais? Quem seria tão tolo a prejudicar o futuro da vida humana no planeta? Quem teria a coragem de deixar como herança a nossos filhos e netos uma terra inabitável?

Essa “irracionalidade ética” chama-se hoje de neoliberalismo. Com essa expressão não
entendemos apenas um sistema econômico, mas também, e sobretudo, uma “cultura neoliberal”, uma mentalidade, um imaginário que identifica e atrela o “sentido” e a dignidade da vida humana ao ato de consumir mercadorias. Nesta ótica, o ser humano “adquire humanidade” na medida em que se insere na lógica do mercado enquanto produtor e/ou consumidor. Uma terceira opção é integrar-se ao mercado “do outro lado da vitrine”, como mercadoria. Fora disso, o ser humano é apenas um ser descartável, um refugo – como diria Bauman – um homo sacer – nas palavras do Giorgio Agamben – ou uma “não-pessoa” – como sublinha um conhecido livro de Alessandro Dal Lago.

O que fazer? Em geral, na atualidade, a busca de soluções não visa atingir as causas efetivas do problema. Tenta-se apenas amenizar a intensidade da depredação neoliberal. A nosso ver, a única solução real ao problema é representada pela MUDANÇA DE ESTILO DE VIDA, sobretudo dos povos economicamente mais ricos. Isso significa, entre outras coisas, redução do consumo e da depredação dos recursos naturais não renováveis; fortalecimento de uma “cultura” da preservação do meio ambiente e da eliminação dos desperdícios; redistribuição das riquezas em nível nacional e internacional; acolhida e apoio às pessoas que vivem em países mais vulneráveis às mudanças climáticas, o que implica também o reconhecimento internacional dos “refugiados ambientais”. Enfim, a única solução eficaz é representada pela revisão radical do modelo de desenvolvimento, um modelo que garanta a sustentabilidade ecológica e, ao mesmo tempo, como alerta o Texto Base da Campanha da Fraternidade ecumênica de 2010, crie “reiais condições de segurança e oportunidades de desenvolvimento da vida de todas as pessoas, desde os mais pobres e vulneráveis” (n. 26).

Como reza um lema de grupos ecologistas: “se o clima fosse um banco já teria sido salvo”!! Tomar consciência da realidade é o inicio da solução. É um dever de todos os cidadãos do planeta terra!

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