segunda-feira, 24 de maio de 2010

Documento final do Seminário: 'Justiça, bem comum e equidade desde uma economia globalizada'

CELAM *

Tradução: ADITAL

Justiça, Bem comum e equidade desde uma economia globalizada
Na América Latina e no Caribe

Assumamos nossas responsabilidades

Respondendo ao chamado do Departamento de Justiça e Solidariedade do Celam, nos reunimos em Lima, Peru, de 10 a 12 de maio, 40 pessoas da Pastoral Social Caritas, procedentes de 19 países da América Latina e Caribe, com os desafios que implica pensar outra maneira de entender e fazer economia, a partir da justiça e da equidade, para que o bem comum se torne realidade em nossos povos.

1. A sociedade na América Latina e no Caribe está em permanente mudança no cultural, no econômico, nos sistemas políticos que refletem a forma de conceber ao ser humano; também estão aparecendo novos paradigmas que questionam os sistemas vigentes e obrigam a dar respostas adequadas aos tempos de profundas mudanças que vivemos.


2. Constatamos esta realidade, que as recentes crises energética, financeira, econômica, humanitária, estão afetando gravemente a qualidade de vida das populações inteiras, submergindo milhões de pessoas na pobreza, excluindo-as de todo benefício para uma vida plena. Tudo isso torna muito mais evidente uma crise dos valores subjacentes nas sociedades.

3. Entre os efeitos mais sérios dessas crises estão seu impacto na realidade vivida pelos trabalhadores (perda de emprego, quantidade e qualidade); sua vulnerabilidade social e a redução de possibilidades de gasto público social dos governos e cooperação externa, com limitadas válvulas de escape (emprego informal, migrações etc.).

4. Tudo isso indica aquela economia implementada a partir de um processo globalizador, não tem dado os resultados esperados porque a globalização, assumindo somente a dimensão econômica, "não é capaz de interpretar e reagir em função dos valores objetivos que estão além do mercado e que constituem o mais importante da vida humana: a verdade, a justiça, o amor e, especialmente, a dignidade e os direitos de todos, mesmo daqueles que vivem à margem do próprio mercado" (DA 61).

5. Frente a esse tipo de globalização, são necessárias novas alternativas que vão encaminhadas a "promover uma globalização diferente, que esteja marcada pela solidariedade, pela justiça e pelo respeito aos direitos humanos" (DA 64).

6. Atualmente, na América Latina e Caribe, cremos conveniente "criar estruturas que consolidem uma ordem social, econômica e política na qual não exista desigualdade e onde existam possibilidades para todos" (DA 384). Isso implica em decisões e um ordenamento que passe por um processo de conversão permanente, como pessoas e como comunidade eclesial, onde a prioridade seja a dignificação do ser humano em seu desenvolvimento integral e na criação de uma sociedade com justiça e equidade.

7. Uma das ações necessárias é reverter, em primeira instância, os efeitos do atual modelo. Para isso, abrem-se esperanças de uma serie de iniciativas que vão surgindo em distintas comunidades, como levedura na massa, como "chispas" que mantém vivo o calor do fogo nos lares e que vão permeando pouco a pouco o âmbito financeiro e organizativo da economia.

8. Nesta dinâmica constatamos importantes oportunidades: a tomada de consciência dos povos de ser atores de mudança, o incremento de relações econômicas solidárias a partir das comunidades e para as comunidades, o trabalho em redes sociais e econômicas alternativas, o surgimento de novas lideranças sociais, experiências de diálogo e consenso para superar os conflitos, a presença de "minorias proféticas" que vêm impulsionando formas de economia solidária, comércio junto e finanças populares.

9. Tudo isso reflete o grande esforço das comunidades por ampliar os processos democráticos participativos, o maior aproveitamento dos meios de comunicação, tendo sempre a pessoa humana e o cuidado dos ambientes e da ecologia como centro, a partir do desenvolvimento de capacidades das pessoas, buscando condições de sustentabilidade a largo prazo, através de empreendimentos em nível "micro", que vão se projetando ao âmbito regional e nacional. Da mesma forma, apesar da diversidade de tendências, alguns governos da região criaram condições favoráveis para os avanços da economia solidária, do comércio justo e das finanças populares entre outros, que necessitam ser permanentes e crescentes.

10. O enfoque de promoção do desenvolvimento humano integral "a partir do local" ajuda a diminuir as vulnerabilidades com vistas à inserção no mercado, o acesso ao crédito e à capacitação técnica e em gestão; porém, também vão se gerando organizações autogestionárias e cooperativas, criando modelos sociais baseados nas identidades locais, com oportunidades para fazer alianças estratégicas entre a sociedade civil e os governos locais, com a finalidade de buscar a sustentabilidade dessas experiências.

11. Desde o âmbito eclesial, para alcançar o desenvolvimento dessas experiências e seu impacto em nossas sociedades, se requer criar uma visão compartilhada de futuro na perspectiva da construção do Reino de Deus, com a mudança de estruturas caducas que obstruem a ação do Espírito e impedem sair ao encontro do irmão com uma atitude solidária sustentada pelo amor na verdade (Cf. DA 365).

12. A própria Igreja "necessita uma forte comoção que a impeça de instalar-se na acomodação, no estancamento e na frieza, à margem do sofrimento dos pobres do continente" (DA 362). "A crise nos obriga a revisar nosso caminho, a dar-nos novas regras e a encontrar novas formas de compromisso, a apoiar-nos nas experiências positivas e a rechaçar as negativas. Desse modo, a crise se converte em ocasião para discernir e projetar de um modo novo. Convém afrontar as dificuldades do presente nessa chave, de maneira confiante, mais do que resignada" (CIV 21).

13. A encíclica Caritas in Veritate enfatiza a necessidade de uma ética nos processos econômicos. Além disso, o Papa Bento XVI nos desafia a pensar que "na época da globalização, a atividade econômica não pode prescindir da gratuidade que fomenta e estende a solidariedade e a responsabilidade com a justiça e com o bem comum em suas diversas instâncias e agentes. Trata-se, definitivamente, de uma forma concreta e profunda de democracia econômica". (CIV 38).

14. Consideramos que é um imperativo ético assumir os princípios da Doutrina Social da Igreja da supremacia do trabalho sobre o capital, da destinação universal dos bens e da subsidiaridade, para impulsionar a construção de uma economia justa e solidária na região.

15. Frente a situação em que vivem nossos países, não podemos ser simples espectadores, mas sujeitos ativos comprometidos na transformação do mundo. Porque "a caridade na verdade significa a necessidade de dar forma e organização às iniciativas econômicas que, sem renunciar ao benefício, querem ir além da lógica do intercâmbio de coisas equivalentes e de lucros como fim em si mesmo". (CIV 38).

16. Grandes são os desafios que temos desde nossa opção pelos pobres no campo da economia, da justiça e da equidade. Esses desafios nos interpelam pessoal e comunitariamente, exigindo-nos a revisão e a renovação de estruturas e organizações para colaborar com o surgimento de novos paradigmas que favoreçam a vida digna dos povos.

17. Sentimos a necessidade urgente de renovar e fortalecer a espiritualidade cristã dos que trabalham a serviço dos pobres, para que ela esteja fundamentada na experiência da atenta escuta e meditação profunda da Palavra de Deus como fonte principal de energia, de sabedoria e de amor, para discernir os signos dos tempos e criar novos imaginários que nos permitam viver a civilização do amor, como signo evidente do Reino de Deus entre nós.

18. Desde nossa identidade de discípulos missionários de Jesus Cristo, somos conscientes da ineludível responsabilidade de fazer presente a Boa Nova de Deus no mundo da economia; nessa missão, identificamos como urgentes os seguintes desafios:

a) Animar uma autêntica espiritualidade cristã, inspirada no mistério da Encarnação do Filho de Deus, que assume nossa condição para levar a vida à sua plenitude.
b) Criar um pensamento econômico alternativo, cuja racionalidade tenha como base a justiça, o bem comum e a equidade, enfatizando na ética dos processos econômicos e na gratuidade para que todas as pessoas tenham vida e vida em abundância (Cf. Jo 10,10).
c) Abrir a economia à transdisciplinaridade, de maneira que o ser humano seja valorizado em sua integralidade e em harmonia com a totalidade da criação.
d) Valorizar os esforços na promoção de alternativas econômicas, tais como a economia solidária, o comércio justo, as finanças populares entre outros, animados por relações de colaboração solidária, inspirados nos valores do Evangelho que situem o ser humano como sujeito e finalidade de toda atividade econômica.
e) Promover a incidência com os governos locais e nacionais para gerar políticas públicas que favoreçam o desenvolvimento de uma economia alternativa justa e solidária.
e) Testemunhar com nossas obras de verdade do Evangelho como caminho de autêntica libertação em Jesus Cristo que nos abre à vida de comunhão e gratuidade da família humana na dinâmica do amor na verdade.
f) Impulsionar processos de renovação da Pastoral Social Caritas para que, atenta aos signos dos tempos, em fidelidade a seu Mestre e animada pelo Espírito de Deus, reafirme sua ação evangelizadora como processo de dignificação das pessoas, especialmente dos mais pobres.
g) Tomar consciência do valor e importância das experiências de mudança no modo de entender e viver a economia que, apesar de pequenas, abrem-se passo entre as brechas da sociedade como signos de esperança e de vida.

19. Buscamos ser uma Igreja da vida, do testemunho, que caminhe com o povo e assuma "os gozos e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de nosso tempo, sobretudo dos pobres e de quantos sofrem" (GS 1). Este caminhar supõe abrir espaços aos leigos para que assumam sua missão no mundo da economia e da política, especialmente às mulheres e às novas gerações que, de forma criativa, vivem descobrindo novos modos de viver a solidariedade e a gratuidade na economia.

Colocamos nas mãos da Virgem Maria, Mãe dos Pobres e Senhora da Esperança os anseios e propósitos de viver nosso compromisso em fidelidade e total entrega a Cristo e a seu projeto de vida para nossos povos. Que o Espírito Santo de Deus nos guie e assista nessa missão.

Lima, 13 de maio de 2010,
Festividade de Nossa Senhora de Fátima.


* Conselho Episcopal Latinoamericano. Departamento de Justiça e Solidariedade

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