Marcos A. Pedlowski, Universidade Estadual do Norte Fluminense
Volta e meia somos inundados por estatísticas destinadas a demonstrar que a agricultura brasileira passou por uma grande modernização e que, hoje, graças ao dinamismo dos grandes proprietários rurais, não precisamos mais nos preocupar com os efeitos danosos da persistência de altos padrões de concentração da terra. Esta falácia é útil para muitas coisas, desde impedir a realização da reforma agrária até tornar o Brasil uma presa das grandes corporações multinacionais que aqui se refestelam, tanto vendendo substâncias banidas internacionalmente quanto disseminando sementes geneticamente modificadas para resistir a grandes cargas de agrotóxicos, cuja utilização compromete a nossa soberania e segurança alimentar. E, nos casos em que as práticas agrícolas dos latifundiários aceleram a degradação ambiental, os seus representantes ainda aparecem exigindo dinheiro público para remediar os efeitos de suas práticas agrícolas, como no caso da dragagem de canais no município de Campos dos Goytacazes.
Há que se dizer que a aura de perfeição que cerca o chamado agronegócio é produto de uma longa campanha ideológica cujo ápice ocorreu durante os anos do governo FHC, onde não apenas o termo foi cunhado para apagar da memória nacional a existência do latifúndio, mas também uma imensa perseguição aos defensores da realização da ampla reforma agrária no Brasil. Durante os anos FHC, a agricultura familiar foi estigmatizada ao ser transformada em sinônimo de atraso, enquanto que o latifúndio, rebatizado de agronegócio, era cinicamente elevado à condição de moderno e eficiente. Com a eleição de Lula, a expectativa era de que houvesse uma reviravolta e que tanto a agricultura familiar fosse devidamente valorizada como a reforma agrária saísse do plano do discurso para se tornar uma política de Estado. Infelizmente, não foi isto o que aconteceu porque Lula e o PT preferiram se aliar ao latifúndio, colocando inclusive dois diletos representantes deste setor para dirigir o Ministério da Agricultura (Roberto Rodrigues e Reinhold Stephanes) que continuou sendo turbinado com orçamentos gigantescos, enquanto o Ministério do Desenvolvimento Agrário tornou-se algo mais midiático do que efetivo. Aliás, como em governos anteriores, o atual governo utilizou a regularização da posse da terra para demonstrar que estava efetivamente realizando uma política de reforma agrária. Entretanto, a simples análise da localização dos supostos assentamentos criados pelo governo Lula mostra que o grosso dos títulos de posse concedidos está na Amazônia legal.
Essa velha tática de mascarar inoperância com números mal explicados também ocorre no financiamento da produção e na rolagem da dívida dos produtores rurais. A mídia insiste em apresentar a tese de que o latifúndio passou por um processo de modernização de tal ordem que hoje não necessita mais de ser financiado pelo Estado para poder se manter. É através desta imagem que se tem, convenhamos com bastante eficiência, conseguido vender a noção de que o Brasil hoje possui um pujante setor agrícola que pode competir internacionalmente em pé de igualdade com os países desenvolvidos. No entanto, uma simples verificação do montante de recursos que é concedido na forma de financiamentos para a produção mostrará que os grandes proprietários rurais continuam (me perdoem a liberdade poética) mamando nos cofres do Estado brasileiro, recebendo grandes quantidades de recursos e, ainda por cima, se beneficiando de generosos períodos de rolagem para suas dívidas milionárias. O fato é que dos R$ 120 bilhões que o governo Lula pretende investir em crédito para o Plano Agrícola e Pecuário para a safra de 2010/2011, R$ 100 bilhões deverão ser entregues aos grandes proprietários. Enquanto isto a agricultura familiar, além de receber um montante bastante inferior, também não recebe os prazos elásticos que são concedidos para o latifúndio. E o pior é que os empréstimos tomados em linhas de crédito pelos agricultores familiares possuem custos relativamente mais altos. Uma das conseqüências deste tratamento tão diferenciado é, pasmem, o avanço e não o recuo do latifúndio em termos da quantidade de terra que este setor controla.
Entre os efeitos desta equação desbalanceada entre latifúndio e agricultura familiar está o aumento do êxodo rural (que aumenta o exército de mão-de-obra de reserva que vive em condições precárias nas periferias urbanas brasileiras) e o recuo na quantidade de alimentos que é produzida internamente. Se nos concentrarmos apenas nos problemas que o Brasil já encontra devido à redução da área produzindo alimentos veremos que estamos caminhando para um grande paradoxo. Enquanto a maioria das mais férteis terras brasileiras está sendo usada para o cultivo de monoculturas voltadas para a exportação, corremos o risco de nos tornarmos importadores de itens básicos de nossa dieta como feijão e arroz e sofrermos cada vez mais com a falta de água. Digo isto porque, ao exportar soja, álcool, açúcar e papel, o principal custo de produção embutido é o da água, visto que todas estas monoculturas são fortes consumidoras de recursos hídricos.
Para finalizar, é sempre bom lembrar que o trabalho escravo só sobrevive graças à existência do latifúndio, visto que é nas grandes propriedades ocupadas pelas diferentes monoculturas o lugar onde esta excrescência social se mantém firme e forte. E tudo isto com um generoso financiamento público! Por essas e outras é que se pode dizer em alto e bom tom: de moderno o latifúndio não tem nada!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário