sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Crianças e adolescentes são alvos do tráfico de pessoas

Adital - O tráfico de seres humanos, que vitima milhares de pessoas de todas as idades e sexo ao redor do mundo, não atua apenas na exploração sexual, como é mais comum se pensar. Um exemplo disso é o caso de crianças e adolescentes que são capturados para o recrutamento ao conflito armado na Colômbia, por exemplo.

Há quase uma década atuando na prevenção, atendimento e investigação do tráfico de pessoas nos países da região andina, a Fundação Esperanza (http://www.fundacionesperanza.org.co), que atua em países como Colômbia e Equador, percebeu, ao longo do tempo que é alto o índice de meninos e meninas vítimas da armadilha deste crime hediondo.

No Equador outro exemplo mostra a dimensão do problema. No início deste ano, a Fundação havia registrado o desaparecimento de 1.100 meninos, supostamente traficados para fins de exploração do trabalho.

Esperanza Joves, uma das coordenadoras da Fundação, conversou com a Adital sobre o assunto.
Adital -A Fundação Esperanza acompanha há tempos a questão de tráfico de meninos, meninas e adolescentes. Como e porque acontece este tipo de tráfico?
Esperanza Joves - Há nove anos estamos trabalhando no tema do tráfico e nós temos certo de que fundamentalmente na região andina ocorrem diferentes finalidades. Duas muito fortes: exploração de trabalho e exploração sexual. Mas existem duas que não se veem e também movimentam muitas vítimas que são o recrutamento e utilização no conflito armado e a utilização em atividades delinquentes. Porque como as legislações, digamos, para menores de idade são diferentes, os delinquentes aproveitam os meninos, meninas e adolescentes para incluí-los no circuito da delinquencia. Em países como Colômbia, que vive o conflito armado, ou na fronteira norte com o Equador ou em algumas províncias do Peru, que também vive a situação, isso acontece. As crianças desaparecem de suas casas porque foram recrutadas para o conflito armado.

Digamos que o guardachuvas é muito amplo e é também muito pouco visível porque se centrou muito na exploração sexual das meninas e adolescentes e na exploração laboral das populações indígenas. Mas existem outros fins, são muito claros.

Adital - Nesse contexto, como se dá o trabalho da Fundação Esperanza?
Esperanza Joves - Nós temos diferentes linhas. Uma é a prevenção que fazemos nas comunidades rurais e urbanas, nas comunidades educativas, fundamentalmente com todos os que são operadores da justiça e também estamos fazendo com administradores de negócios, com comunidades indígenas, com comunidades afro. Fazemos este trabalho com os administradores de negócios porque justamente onde existe trabalho sexual de adultas tem-se que sensibilizar para que não se permita a entrada de meninos, meninas e adolescentes nessa indústria ou nesse comércio sexual.

Também temos a linha da atenção, a atenção em termos de emergência. Isso se dá em coordenação com as polícias dos países para o resgate das vítimas, para lhes prestar a primeira atenção, acolhida, e logo acompanhá-la em todo o processo de testemunho e também com autoridades.

Trabalhamos na linha da investigação acadêmica sobre como se geram as rotas, porque, quais as causas, quais são os padrões culturais que podem estar gerando essas causas, porque as meninas, porque os meninos, em que espaços...

Temos nossos livros e revistas como forma de prevenção e informação. Temos cartilhas que compartilhamos entre todos . Também atuamos na incidência política para que possamos incidir nas legislações de nossos países.

Na Colômbia, nós fizemos uma legislação em vários elementos. Não somente a lei antitrata, mas leis que têm relação com a exploração sexual, exploração laboral, com exploração sexual e o turismo, com as instituições. Ou seja: trabalhamos de diferentes maneiras e com diferentes atores porque são muitos os que estão implicados nesse processo.

Adital - Essas investigações realizadas pela Fundação conseguiram que tipos de resultados?
Esperanza Joves - Temos feito diferentes investigações. Na Colômbia, por exemplo, fizemos uma sobre o deslocamento forçado no Distrito Auga Blanca, em Cauca, e os níveis de tráfico com respeito à população em geral. Nos demos conta que justamente os adolescentes, os meninos e as meninas, eram os que estavam mais envolvidos.

O que acontecia? Quando a população rural passou a ser população urbana, os homens não tinham possibilidade de trabalhar porque são tarefas agrícolas que não podem ser feitas na zona urbana. As mulheres trabalham, mas são exploradas no trabalho doméstico ou na cozinha, em restaurantes. E, óbvio, não conseguem dinheiro. Então os meninos e as meninas têm que ajudar as famílias trabalhando. Mas logicamente estão aí as redes de traficantes em volta destes meninos e meninas, que os utilizam para diferentes fins. No final, as famílias nem recebem o dinheiro porque os meninos e meninas desaparecem. Isso foi claríssimo nas áreas de deslocamento.

Aqui no Equador há vários casos de meninos equatorianos que foram resgatados na Colômbia, onde estavam com fins de exploração laboral. Nos demos conta de que a população indígena de Rio Bamba, Timborazo, nas áreas onde há populações indígenas, há práticas culturais que facilitavam o processo. Uma delas é que para elas [as famílias] é muito importante que seus filhos aprendam a trabalhar com seus padrinhos, que são da mesma comunidade. Mas descobrimos que havia gente da mesma comunidade que era "ligação" para a rede de tratantes.

Então quando a família mandava os meninos para seus padrinhos, eles os exploravam no trabalho e os padrinhos, às vezes, os davam a outras redes. Este ano, no início, constatamos que no Equador 1.100 meninos indígenas estão desaparecidos por este tipo de prática. Sabemos que na Bolívia também se notifica elementos similares.

Adital - Todavia, ainda são muitas as questões sociais envolvidas no tema.
Esperanza Joves - Tem o consumismo. Toda esta cultura de consumismo geral, daquele que tem, daquilo que vale...Isso faz com que muitos adolescentes, mais que meninos e meninas especialmente, queiram pertencer ao primeiro mundo, querem ter roupa e sapatos de marca. Algumas adolescentes têm o sonho de se tornarem "senhoritas", de forma que querem mudar tudo, seu modo de vestir, a cor do cabelo. E para isso é preciso dinheiro e como obtê-lo. Então se tornam vulneráveis a ofertas, ao recrutamento. E isso os tratantes sempre sabem.

Eles sempre estão observando o que acontece culturalmente, socialmente. Ao observar quais são os processos de vulnerabilidade eles entram. Nosso trabalho de prevenção está em como diminuir a vulnerabilidade e isso implica em como fortalecer os fatores de proteção.

Por exemplo: aprender a tomar decisões. A quantos de nossos meninos e meninas, os adultos ensinam a tomar decisões? Quase sempre tomamos decisões por eles e por isso quando se tornam adolescentes querem ter acesso ao exercício de tomar decisões e podem tomar decisões que não são apropriadas para sua própria vida. Então, é necessário que os ensinem a tomar decisões desde pequenos.

Adital - Ao que parece, nestes casos, a atuação dos Estados ainda é insuficiente ou ineficaz para conter ou prevenir o problema. Apesar de vários convênios, leis e protocolos, o problema segue. Pode falar sobre isso?
Esperanza Joves -O estado tem uma grande responsabilidade, mas o Estado tem olhado mais este tema a partir da perspectiva da judicialização dos tratantes, mas não da atenção integral e da restituição dos direitos dos meninos, meninas e adolescentes. Em muitos casos, nos nossos Estados, nos quatro países [que formam a região Andina], eles foram importantes enquanto podiam dar testemunhos para prender um tratante, mas uma vez que os tratantes são judicializados, os meninos, meninas e adolescentes já não têm importância.

O que acontece com educação, com a saúde? O que acontece com o acompanhamento psicológico e psicossocial que deveriam ter estas crianças durante o tempo até que possam refazer seu projeto de vida?

O que acontece com campanhas de prevenção dos estados? A maioria existe em coordenação com as organizações da sociedade civil e são mais informativas de meios de comunicações, mas em existem em muito poucos lugares. Na Colômbia existe um programa do Estado que se chama "Futuro Colômbia" nas escolas. Todavia no Equador não foi constituído.

No Peru, há parte do trabalho da rede antitrata que está centrado em um organismo da polícia. O que acontece é que, em muitos Estados, se centrou a responsabilidade na polícia da infância e adolescência. Por outra parte, em muitos casos, os fiscais não estão capacitados.

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