sexta-feira, 16 de outubro de 2009

EM DOIS MESES, MAIS DE 13 MIL ESTRANGEIROS REGULARIZARAM SITUAÇÃO NO PAÍS / EM SP, ESTRANGEIROS ENFRENTAM DOENÇAS, TRANSTORNOS MENTAIS E DROGAS

PREFEITURA MAPEIA ESTRANGEIROS NA CRACOLÂNDIA

Em dois meses, mais de 13 mil estrangeiros regularizaram situação no país.

05 de outubro de 2009 às 07:49
Por Daniel Mello - Agência Brasil

Em cerca de dois meses de atendimento, a Polícia Federal (PF) em São Paulo regularizou a situação de 13.342 estrangeiros com base na Lei 11.961/09, sancionada em julho. A legislação concede o direito à residência provisória aos imigrantes que tenham ingressado em território nacional até 1º de fevereiro deste ano.

De acordo com a norma, os estrangeiros terão os mesmos direitos civis e sociais dos cidadãos brasileiros, à exceção de participação em algumas atividades empresariais.

Segundo a PF, o número de benefícios concedidos até agora corresponde a aproximadamente 60% das 23.153 solicitações feitas. A superintendência paulista da Polícia Federal é responsável por mais de 80% de toda a demanda nacional.

As nacionalidades que mais entraram com o pedido de regularização foram os bolivianos, com 4.992 solicitações, seguidos pelos paraguaios (2.126), chineses (1.861) e peruanos (1.711).

Para fazer o requerimento, o estrangeiro deve apresentar um comprovante de entrada no país, uma declaração de que não responde a processo criminal ou de que não tenha sido condenado criminalmente no Brasil ou no exterior e pagar uma taxa para expedição da carteira de identidade de estrangeiro (CIE).


Em São Paulo, estrangeiros enfrentam doenças, transtornos mentais e drogas: Em dois meses, 16 foram atendidos na região da Cracolândia. Secretaria de Saúde tem programa específico para eles no centro.

02/10/09 - 13h45 - Atualizado em 02/10/09 - 13h45
Emílio Sant'Anna - Do G1, em São Paulo

A cada noite, quando a troca de guarda era feita em uma penitenciária de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, a enfermeira T. D, de 25 anos, sabia o que estava prestes a começar. Foram dez meses de prisão e sucessivos estupros que resultaram em problemas mentais, uma gestação não desejada e um aborto dentro da própria cela.

T.D., foi presa por trabalhar no escritório político de um deputado cassado pelo governo local. Internada em uma ala para presidiários num hospital de Kinshasa, escapou graças a ajuda de uma faxineira que de tempos em tempos entrava em seu quarto.

Hoje, dois meses após chegar ao Brasil, ela é uma entre os 85 estrangeiros atendidos na Unidade Básica de Saúde (UBS) da Sé, no Centro de São Paulo, entre junho de 2008 e setembro de 2009. Em meio a outros congoleses, nigerianos, senegaleses, sulafricanos, peruanos e bolivianos, recebe do Sistema Único de Saúde (SUS), o mesmo tratamento dispensado a qualquer brasileiro.

Eles se concentram na região central da cidade, e entre os problemas mais recorrentes estão a hipertensão, diabetes, tuberculose e doenças mentais. A secretaria registra também o atendimento psicossocial de imigrante viciados na região da Cracolândia. Na UBS da Luz, 16 imigrantes foram atendidos entre julho e setembro deste ano. "Não é um número grande, mas eles existem e fazemos uma abordagem especial nesses casos", diz a coordenadora de saúde da região centro-oeste, Márcia Gadargi.

"Lá, se você não tem dinheiro para ser atendido vai morrer", conta a enfermeira que não fala português e não teria acesso ao sistema de saúde brasileiro se não fosse o trabalho de outro congolês.

A.K, de 35 anos, é um dos sete agentes comunitários de saúde em São Paulo responsáveis pelo atendimento de imigrantes estrangeiros que chegam principalmente à Casa do Migrante, na região central da cidade. "São pessoas que têm dificuldade em relação ao nosso idioma e ficam receosas com qualquer aproximação", diz Márcia. "Normalmente eles associam a situação de ilegalidade com o temor da polícia."

O trabalho dos agentes comunitários faz parte da Estratégia de Saúde da Família (ESF) e A.K. foi um dos escolhidos para fazer parte do programa por falar português com fluência, após dois anos de adaptação no país.

Extrovertido, A.K. nem sempre trabalhou na área de saúde. Formado em engenharia elétrica, ainda procura uma forma de continuar seus estudos no Brasil. Nada parece ser problema para ele, a não ser falar sobre os motivos que o trouxeram para o Brasil. À pergunta do G1, segue um sorriso nervoso e a resposta: "Vamos falar de outra coisa", diz. "Podemos falar de qualquer assunto sobre o Brasil."

Aos poucos, porém, revela ter deixado mulher e dois filhos do outro lado do Atlântico e um passado de atividades políticas que o levaram à prisão. Prefere dizer apenas que as lembranças lhe causam "problemas sérios até hoje."

Condições de trabalho
Assim como ele, a advogada H. U., de 36 anos, espera receber a condição de refugiada política. Antes de ser presa, no entanto, conseguiu embarcar para a Europa e de lá para o Brasil. Entende pouco do português e mesmo se entendesse mais, pouco falaria.

Sua família se espalhou por países da África e da Europa após o exercíto congolês invadir sua casa e prender seus irmãos. A.K conta que quando ela chegou ao Brasil, há pouco mais de uma ano "estava louca", diz. "As doenças mentais são resultado não só das experiências de vida dessas pessoas , mas também das condições de trabalho a que estão expostas hoje", diz Márcia.

Os resultados da Unidade Básica de Saúde do Brás tornam a afirmação da coordenadora de saúde mais clara. Dos 49 casos de tuberculose registrados neste ano no local, 36 são de pacientes bolivianos.

Entre todos os atendimentos do local, 50% são de bolivianos. "Muitas famílias costumam morar no mesmo apartamento e trabalham principalmente em oficinas de costura com portas e janelas fechadas", explica a diretora da UBS do Brás, Célia Coelho Ribeiro.

Todos os dias os agentes comunitários de saúde da UBS do Brás percorrem as oficinas de costura do bairro em busca de casos. Sempre que um caso positivo é detectado em um desses lugares, todos os outros funcionários são examinados. Normalmente, os testes costumam comprovar a precariedade das condições de trabalho, com novas confirmações da doença, explica Célia.
Na terça-feira, quando a reportagem do G1 esteve na UBS do Brás, a agente comunitária de Saúde Rosana Bastista, voltava de uma dessas visitas. "Fui a um galpão em que um pessoa está doente e outras 30 estão com sintomas", diz.

Tratamento é atração para o país.
Uma das formas de atrair os imigrantes para o Brasil, diz a diretora, é a própria oferta de tratamento médico gratuito. "Os ‘coiotes’ que fazem esse trabalho de trazer os imigrantes para cá costumam atraí-los mostrando que terão não só trabalho, mas também tratamento gratuito para a tuberculose e pré-natal", afirma Célia.

Essa foi uma das promessas que Maritza Calcina Jove, de 26 anos, ouviu antes de deixar La Paz e vir para São Paulo, em 2003. Seus dois filhos nasceram em território brasileiro e o terceiro está a caminho. "O atendimento na Bolívia não é caro, mas é demorado e difícil de conseguir", afirma.
Márcia Gadargi explica que por ter acesso irrestrito, o sistema de saúde brasileiro, um dos maiores do mundo, não faz distinção entre os pacientes. "Quando eles chegam nosso primeiro olhar é em relação à saúde. Depois são encaminhados para os assistentes sociais", afirma. "Todos são atendidos como se fossem brasileiros."

Prefeitura mapeia estrangeiros na cracolândia
SÃO PAULO - [ 04/10 ] - Cruzeiro On Line
O drama de viver na cracolândia, região no centro paulistano que funciona como a maior boca de fumo a céu aberto, já não é relatado somente em um idioma. Estrangeiros de todos os lugares estão cada vez mais misturados ao bloco de pessoas sem identidade, que andam enroladas em cobertores, com o cachimbo na mão, acendendo pedras de crack a qualquer hora do dia. Nos últimos dois meses, agentes da Secretaria Municipal de Saúde conseguiram contato com 16 deles - na tentativa de tirá-los da dependência - e o mapeamento mostra que as nacionalidades são típicas de Babel. Rússia, África, Arábia e América. Os quatro cantos do mundo chegaram à área mais devastada da capital paulista.
Os trajetos percorridos por eles até o cenário assolado pelo consumo de crack são variados. Mas sempre passam pela imigração ilegal e por condições de emprego precárias. "Quem vem para o Brasil ainda acha que vai encontrar samba, carnaval, futebol e trabalho. Termina na rua e no frio. A droga funciona como cobertor", diz o peruano Félix Rafael Morales, em São Paulo desde 2001. Ele chegou aqui com a promessa de serviço em telecomunicações. Perdeu o posto, não arrumou outro, só encontrou as ruas próximas da Avenida Paulista como abrigo, onde viveu por dois meses.
Passou outros cinco anos "pulando de albergue em albergue". Conseguiu ser contratado pelo governo municipal para atuar como agente de saúde, com o foco no atendimento de estrangeiros que estão em situação de rua. "Hoje, em minhas abordagens, 80% deles sofrem com a dependência." O sotaque gringo de Félix é uma das estratégias para tentar não espantar dependentes internacionais quando as equipes se aproximam. Se a abordagem já enfrenta resistência tradicional (a recusa ao atendimento supera 80%), entre os que já estão afetados pela alucinação da droga e ainda temem que a Polícia Federal possa prendê-los pela clandestinidade é ainda mais complicada.
Alguns dependentes passaram pela barreira da recusa e contam fragmentos de histórias. Como a de um africano de 47 anos, que há seis meses mora na Rua Dino Bueno, no centro. Ele, que diz já ter trabalhado como piloto de avião na África do Sul, veio ao Brasil tentar esquecer a vida solitária que levava em seu país. Em São Paulo, encontrou a companhia do crack e do álcool e agora tenta tratamento. Outro exemplo é o ex-guerrilheiro da Arábia Saudita, de 42 anos, que há uma década está nas ruas de São Paulo. A busca pela melhor qualidade de vida esbarrou no haxixe, depois na cocaína e agora sobrevive, aos trancos, com o crack.
A concentração dos imigrantes na região central e a consequente fuga deles para as áreas da chamada cracolândia tem explicação econômica, acredita um ex-delegado do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), da Polícia Civil - que preferiu não ser identificado. Os bares, restaurantes e pequenos comércios que no século passado existiam por causa da Estação da Luz, hoje, estão desertos. Os hotéis que ali existiam também foram deixados às traças. Os preços cobrados agora são muito baixos e as condições de higiene só são aceitas por imigrantes ilegais que não têm outra opção.
Não são esses os motivos exclusivos para os estrangeiros serem "recrutados" pela dependência química. "A saudade, o abandono, a distância formam um prato cheio para que eles acreditem que a droga é uma saída", afirma o padre Mário Jeremia, responsável pela Pastoral do Migrante. "Eles têm um espaço de convivência restrito, não têm oportunidade de diversão, enfrentam preconceito. Você não encontra um desses jovens em um shopping, por exemplo. A droga é atrativa."
O problema dos estrangeiros na cracolândia não cessa no vício. Muitos são utilizados como braço do tráfico, lembra Marcos Fuchs, que atua na instituição Conectas Direitos Humanos. "Os imigrantes são explorados de todas as formas. Não podem denunciar. Sair desse mercado clandestino e optar pelo comércio de droga é uma possibilidade que ilude." Ariel de Castro Alves, do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, diz que negligenciar políticas públicas para essa população é fomentar a violência em cadeia. "Eles ficam isolados na marginalidade e acabam caindo na criminalidade."(AE)

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