Sergio Fernando Bahr Caballero
Adital
Tradução: ADITAL
"O SPT recebeu o testemunho escrito de uma mulher de 26 anos, grávida, detida por policiais do Comando de Operações Especiais ‘Cobras', em seu domicílio, em San Pedro Sula, no dia 29 de julho de 2009, junto com outra mulher e sete homens. Enquanto eram trasladados para a Quarta Estação, situada no Bairro La Guardia, no recinto da DNIC, os policiais os queimavam com cigarros acesos nas plantas dos pés, nas mãos e nas orelhas dos homens. E na Estação de Polícia, os homens foram golpeados, jogados no chão e continuaram recebendo queimaduras feitas com cigarros. Um deles recebeu choques elétricos no ventre, nas orelhas e na língua. No dia seguinte, na audiência ante o juiz, a defensora pública pediu que um dos homens fosse examinado pela Medicina Forense, pois estava sangrando. Ninguém perguntou dos demais detidos se haviam sofrido maltratos”.
No dia 26 de junho, comemora-se o Dia Internacional em Apoio às Vítimas da Tortura e seus Familiares, por isso a CPTRT realiza durante a semana de 20 a 26 de junho uma série de atividades para conscientizar sobre o tema e para denunciar que a partir do golpe de Estado de 2009 os casos de tortura e tratamentos cruéis, desumanos e degradantes cresceram no país, particularmente na região do Aguán.
Entre 2007 e o primeiro semestre de 2009, o CPTRT havia atendido a uma média anual de 2,5 casos de tortura. Essa cifra cresceu para 118,75 casos mensais a partir do golpe de Estado na quantidade de casos de tortura e TCID (tratamentos cruéis, desumanos e degradantes) atendidos pela instituição.
Se em 2009 se argumentava que existia um "estado de exceção” para explicar (nunca justificar) a tortura, a tendência alta dos casos em 2010 e 2011 revela que essa prática existe em Honduras devido à debilidade e à quebra da ordem institucional da pobre institucionalidade democrática do país, como o fato de que as forças de segurança do Estado recuperaram a prática massiva da tortura e TCID como ferramenta fundamental de sua doutrina.
Em 2009, aconteceram centenas de casos a partir de 28 de junho, intensificando-se em alguns meses (setembro, novembro). Durante as eleições, por exemplo, o espírito democrático do momento incluiu: invasões ilegais de domicílios; fustigações e atentados contra a integridade psíquica e moral; militarização de comunidades inteiras (Zacate Grande, no sul; Guadalupe Carney, em Trujillo); assassinatos; detenções ilegais; violações ao direito de locomoção; violação ao direito de livre expressão.
No entanto, a prática da tortura em Honduras não é uma resposta conjuntural de pânico de alguns agentes do Estado ante uma situação de crise. A situação de militarização do Aguán não respondia à conjuntura eleitoral, mas ao uso da hegemonia obtida através do golpe por parte dos grupos de poder para lançar um assalto militar contra as comunidades camponesas mais e melhor organizadas do país, através da militarização e da repressão que somente no caso da CPTRT implicou no atendimento a mais de 600 casos durante 2010 e 2011 e que continua até hoje.
A destruição da institucionalidade piora na prática da tortura e TCID
A militarização e as violações de direitos humanos no Aguán remarcam a perda de legitimidade -frágil–do sistema de justiça hondurenho. A Corte Suprema, Procuradorias, Exército, Polícia e, inclusive, instâncias como o Instituto Nacional da Mulher e o Ministério de Cultura, converteram-se, sob a administração pós golpe, em instâncias politizadas que contribuem para a perseguição dos que não apóiam o grupo no poder e dos que protestam.
Particularmente grave é a situação do Comissariado Nacional de Direitos Humanos, que, em algum momento otimista foi considerado uma instituição fundamental a partir da qual se permitia espaços de incidência, diálogo, negociação e aproximações entre o Estado e a sociedade civil quanto aos direitos humanos, atualmente é uma piada de mau gosto.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (2010) reporta: "Durante sua visita, a CIDH pode constatar que em Honduras, a partir do golpe de Estado, aconteceram graves violações aos direitos humanos de seus habitantes, incluindo mortes, declaração arbitrária do estado de exceção; repressão de manifestações públicas através de um uso desproporcionado da força; criminalização do protesto social; detenções arbitrárias de milhares de pessoas; tratamentos cruéis, desumanos e degradantes e más condições de detenção; militarização do território; aumento das situações de discriminação racial; violações aos direitos das mulheres; serias restrições arbitrárias ao direito à liberdade de expressão e graves vulnerações dos direitos políticos. A CIDH comprovou também a ineficiência dos recursos judiciais para proteger os direitos humanos”.
De acordo com o Subcomitê para a Prevenção da Tortura: "Nenhum dos detidos entrevistados pelo SPT denunciou a tortura ou os maltratos relatados mesmo quando alguns poderiam tê-lo feito durante a audiência ante o Ministério Público ou o juiz, argumentando temor a represálias ou ineficácia dos recursos disponíveis. Alguns detidos manifestaram ao SPT que os próprios defensores lhes aconselharam a não denunciar ante o juiz os maltratos que haviam sofrido. Nesse sentido, o SPT recorda que deveriam ser tomadas medidas para assegurar que os que apresentem uma queixa por tortura ou maltratos estejam protegidos contra possíveis represálias”.
Em setembro de 2009, a fiscal especial de DDHH assinalava que "a polícia omitia a observância das regras em matéria de detenção previstas no Art. 282, do Código Processual Penal... manifestando que o Decreto mediante o qual se restringia o direito à livre circulação não cumpria com os requisitos previstos na Constituição; portanto, as detenções efetuadas com base no mesmo, eram ilegais”.
Em termos de políticas públicas, a Lei Plano de País que, em teoria, orientaria as políticas de desenvolvimento de Honduras durante os próximos 24 anos, sob a qual se baseia a atuação do governo nacionalista e apoiada com entusiasmo pela cooperação internacional, não menciona políticas específicas de proteção aos direitos humanos.
Essa é uma grave omissão e reveladora na estratégia de poder. Nos últimos anos presenciamos enorme crescimento na violência contra crianças e adolescentes; contra as mulheres; contra a comunidade LGTB; presenciamos e documentamos aumento em casos de tortura e tratamentos desumanos e degradantes; tudo isso em um Estado que, em teoria, conta com mecanismos legais e instituições para proteger a população; porém, que se tornam inúteis ante o aumento da repressão como política estatal e o desinteresse das e dos operadores de justiça.
[FIM DA PRIMEIRA PARTE (1 de 3)].
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