Wooldy Edson Louidor
Colaborador de AlterPresse
Adital
SJR LAC, 22 de junho de 2011.
Tradução: ADITAL
Ontem, 21 de junho de 2011, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e o Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos (Oacdh) pediram conjuntamente aos governos dos países para os quais se trasladaram haitianos após o terremoto de 12 de janeiro de 2010 para que suspendam as repatriações involuntárias para o Haiti, por razões humanitárias. Além disso, ambas as Agências da ONU exortam aos governos a renovar, também por razões humanitárias, as permissões de residência e outros mecanismos que permitiram aos haitianos permanecer no exterior.
Essa petição transcendental de Acnur e Oacdh tem um sentido peculiar para os próprios haitianos que foram forçados a fugir de seu país após o terremoto e também para as organizações que vimos acompanhando essa população em diversas latitudes do mundo, principalmente na América Latina.
Uma petição feita em bom momento
Primeiramente, temos que ressaltar que essa petição chega em bom momento, no qual os haitianos estão vivendo uma situação muito difícil em vários países do continente americano, principalmente na América Latina (1). Uma situação na qual os diferentes governos fecham suas fronteiras aos haitianos; endurecem suas políticas de migração e asilo, inclusive com medidas drásticas, como as repatriações e colocam diferentes obstáculos legais e sociais para sua permanência e sua integração digna nas sociedades de acolhida!
A República Dominicana, Bahamas e os Estados Unidos (2) (antes do anúncio, em 17 de maio, por parte da Secretária americana de Homeland Security, Janet Napolitano, da prorrogação do Temporal Protected Status(TPS) a favor dos haitianos) (3) retomaram as deportações dos haitianos ara seu país de origem, violando os direitos fundamentais dos repatriados à vida, à saúde e à segurança, entre outros e os instrumentos internacionais de direitos humanos.
Da mesma maneira, as autoridades da Guiana Francesa e o governo do Brasil fecharam suas fronteiras aos haitianos no final de 2010 e começo de 2011, respectivamente. Passados dez meses do terremoto, o Estado francês havia começado a interpelar aos haitianos que se encontravam irregulares na Guiana Francesa a obrigá-los a deixar o território francês.
Por sua parte, as autoridades brasileiras deixaram a esperar centenas de haitianos desejosos de ingressar no Brasil em busca de oportunidades no Amazonas e na fronteira com o Peru. Na metade de fevereiro de 2011, o governo brasileiro suspendeu a concessão de estatutos de refugiados e, inclusive, rechaçou as solicitações de refúgio por parte dos haitianos, alegando que estes não se qualificavam na categoria de refugiados com base na Convenção de Genebra, de 1951.
O presidente equatoriano, Rafael Correa, anunciou através da imprensa, no passado dia 19 de junho, que seu país vem endurecendo em vários requisitos para conceder o estatuto de refúgio e, por isso, "reduziram-se drasticamente as solicitações de refúgio” (4). Os haitianos têm sido afetados por esse endurecimento.
Através de nossas visitas ao Equador e ao Chile, as duas principais portas de entrada dos haitianos para a América do Sul, o Serviço Jesuíta a Refugiados (SJR-LAC) escutou vários testemunhos de migrantes haitianos com respeito às dificuldades que enfrentam para sua integração em ambos os países. As dificuldades começam desde sua chegada, nos aeroportos, onde os agentes policiais e migratórios os submetem a interrogatórios rudes e, às vezes, desrespeitosos, até a homologação ou creditação de seus documentos de estudos ou de certidões de casamento ou de nascimento de seus filhos.
Em ambos países, os haitianos entrevistados(5) afirmam ser vítimas de estigmatização por parte de membros de ambas sociedades e, inclusive, de agentes policiais e de meios de comunicação que os consideram "delinqüentes” por ser migrantes, afro e haitianos. A estigmatização se manifesta em fatos tão simples como o rechaço de alguns proprietários de casas para arrendar-lhes ou de certos empregadores para dá-lhes emprego, tenham ou não seus documentos em regra e as competências para exercer as tarefas requeridas.
Uma petição formulada pela Acnur e por Oacdh
A petição cobra todo o seu sentido por ter sido formulada conjuntamente pelo Acnur e Oacdh. Apesar de que o Acnur tem sido sempre claro em relação ao que "não considera refugiados pelo desastre natural e pela cólera no Haiti”, a agência internacional vem pedindo aos diferentes governos que considerem a situação dos haitianos em seus territórios na perspectiva humanitária.
Por exemplo, no final de janeiro de 2010, "o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acunur) solicitou à Direção Nacional de Migração e Estrangeiros, de Costa Rica, tramitar permissões trabalhistas para os haitianos irregulares que residem em nosso país”(6).
Por seu lado, outros escritórios do Acnur na América do Sul vêm propondo a ideia de "facilitar um visto humanitário nos países de chegada dos haitianos, o que implica em capacitar ONGs e policiais da migração para determinar a vulnerabilidade das pessoas e/ou incorporá-las ao sistema de atendimento nos respectivos países”.
Também ale à pena as gestões do Acnur na República Dominicana que, a princípios do ano de 2010 (após o terremoto), pediu ao governo desse país conceder vistos humanitários que permitirão aos "que cuidam de pessoas gravemente feridas cruzar a fronteira legalmente, sem ter que eleger entre o bem estar de seu cônjuge ou filho na República Dominicana e a família ou os bens que deixaram no Haiti”(7), segundo Gonzalo Vargas Llosa, chefe da equipe de emergência do Acnur em Santo Domingo.
No caso das representações do Acnur no Brasil e no Peru, oferecem, através de órgãos da Igreja Católica, "assistência temporal de emergência aos haitianos que chegam” a ambos países, principalmente na fronteira brasileira com o Peru, com a Colômbia e com a Bolívia.
No caso do México, o Acnur respaldou um "projeto (de Sem Fronteiras) para buscar apoios econômicos da iniciativa privada que se destinem aos haitianos que tenham chegado ao país após o terremoto de 12 de janeiro”(8). Um projeto que previa "obter recursos que possam ser canalizados diretamente para a população para sua subsistência: alimentação, transporte, artigos de uso pessoal, alojamento, instalação de residência, capacitação para o emprego, atendimento médico, assistência legal e defensoria e gastos de interpretação e tradução”.
Do mesmo modo, a representação regional do Acnur com sede em Washington vem se mostrando preocupada com a situação dos haitianos que estão em diferentes países latino-americanos, pelo que apoiou a decisão de "atualizar as considerações de proteção com relação à população haitiana ou de origem haitiana que vive fora de seu país devido ao terremoto de 2010 ou anterior a essa data”.
O fato de Oacdh ter formulado a petição também lhe dá um significado especial no sentido em que reforça a ideia de que repatriar aos haitianos nesse momento de crise humanitária no Haiti constitui uma violação dos direitos humanos dos repatriados e dos instrumentos internacionais de direitos humanos.
Além disso, vale recalcar que a maioria dos haitianos que fugiram de seu país após o terremoto foram obrigados a fazê-lo justamente pela situação de violação sistemática de seus direitos humanos da qual foram vítimas em seu país de origem. Entre esses direitos que têm sido lesionados, pode-se mencionar os direitos econômicos, sociais e culturais: o direito à habitação, à saúde, à alimentação, à educação... (9).
Uma petição que tem seus limites
Nos alegramos com que Acnur e a Oacdh tenham formulado essa petição em um momento tão oportuno; porém, nos preocupa a aplicação efetiva da recomendação por parte dos governos, principalmente na América Latina.
Os governos latino-americanos e, inclusive, algumas organizações internacionais ficam presos na clássica dicotomia (migrante econômico ou refugiado?), perdendo de vista a realidade e a especificidade da situação de dezenas de milhares de haitianos com necessidade concreta de proteção internacional em diferentes países da região.
É elogiável a ousadia do Acnur no sentido de ir além do marco estabelecido pela Convenção de 1951 para pedir aos governos medidas especiais de proteção para os haitianos, tais como a não deportação e facilidades para sua regularização administrativa nos países de acolhida. No entanto, a mesma Convenção de 1951 pode ser utilizada como um pretexto para negar o ingresso e a permanência dos haitianos nos países de chegada, tal como vimos observando na América Latina.
Algumas recomendações
Faz-se necessário um diálogo com os diferentes governos e organismos regionais (tais como a OEA e a Unasul – União das Nações Sul-americanas, concretamente no caso latino-americano) para aplicar as recomendações do Acnur e da Oacdh através de medidas concretas e criativas de proteção dos cidadãos haitianos. Da mesma maneira, as duas agências da ONU deveriam criar um sistema de monitoramento junto com as organizações implicadas na atenção e proteção de migrantes e refugiados haitianos, para dar seguimento à aplicação efetiva da petição.
A proteção efetiva dos fluxos haitianos, um desafio para o regime de proteção internacional
A especificidade do caso dos haitianos em situação de mobilidade após o terremoto, que não cabe dentro da definição "legal” de um refugiado; porém, que não se pode circunscrever à categoria de "migrantes econômicos”, não é exclusiva aos haitianos.
Da mesma forma que o caso dos cidadãos do Zimbabue no período de 2005 a 2009, descrito por Alexander Betts em seu texto "National and international responses to the Zimbabwean exodus: implications for the refugee protection regime”, publicado por Acnur, o caso haitiano "propõe um desafio peculiar ao regime de proteção internacional dos refugiados”(10).
No caso concreto dos fluxos haitianos na América Latina, o SRJ-LAC junto com outras organizações internacionais e não governamentais, cremos que a Declaração de Cartagena é parte da solução. "É necessária a aplicação da definição de refugiado tal como propõe a Declaração de Cartagena, que reconhece como refugiados àquelas pessoas que fujam de seu país de origem para salvaguardar sua segurança, integridade física e vida devido à violência generalizada, violação massiva dos direitos humanos ou outras circunstâncias que tenham perturbado gravemente a ordem pública”(11).
Além disso, o SJR-LAC convida uma vez mais tanto aos governos quanto as sociedades da América Latina e do Caribe a ser mais solidários com o Haiti e a manifestar esta solidariedade com os haitianos que chegam aos países da região.
Finalmente, cremos que a solidariedade(12) é o princípio chave que pode motivar aos diferentes governos da região a abrir-se, além de suas políticas migratórias nacionais e das normativas de proteção internacional dos refugiados para entender o grave problema humanitário do Haiti, que força aos haitianos a fugir de seu país e para oferecer atenção e proteção a esses migrantes forçados.
A solidariedade convida a ver, antes de tudo e, sobretudo, ao ser humano (antes de ver ao não-cidadão, ao estrangeiro, ao refugiado...), a compadecer-se de seus sofrimentos e a fazer ações para reduzir seus sofrimentos; devolver-lhe sua dignidade e proteger sua vida e seus direitos humanos.
Wooldy Edson Louidor del SJR LAC
Notas:
(1) Ver artigo do SJR LAC publicado no dia 20 abril de 2011: "Sombre bilan de la situation des migrants haïtiens en Amérique”. Enlace: http://sjrmhaiti.org/spip.php?article116&lang=fr
(2) Ver artigo do SJR: Latin America: worrying increase in repatriations of Haitians, 6 May 2011. Enlace: http://www.jrs.net/news_detail?TN=NEWS-20110509031303&L=EN
(3) Secretary Napolitano Announces the Extension of Temporary Protected Status for Haiti Beneficiaries, Office of the Press Secretary, Release Date, May 17, 2011, Link:http://www.dhs.gov/ynews/releases/pr_1305643820292.shtm
(4) Enlace: http://www.rnw.nl/espanol/bulletin/ecuador-endurece-requisitos-para-conceder-estatus-de-refugiado-0
(5) Enlace: http://reliefweb.int/node/419401
(6) http://conamaj.go.cr/observatorio/index.php/article/acnur-solicita-al-pas-o
(7) Fonte: http://www.ayudafamiliar.info/visas-de-ayuda-a-las-victimas-del-terremoto-de-haiti
(8) Fonte: http://www.sinfronteras.org.mx/index.php?option=com_content&view=article&id=832:busca-embajada-apoyo-a-haitianos&catid=27:sin-fronteras-en-la-prensa&Itemid=69
(9) Ver: Una redefinición de la migración forzosa con base en los derechos humanos, Susan Gzesh, Revista Migración y Desarrollo, Primer semestre 2008, pp.97-126
(10) Alexander Betts, "National and international responses to the Zimbabwean exodus: implications for the refugee protection regime”, UNHCR, Geneva, June 2009, p. 3
(11) Comunicado de imprensa do SJR LAC por ocasião do Dia Mundial del Refugiado, 20 de Junho de 2011. Enlace: http://www.sjrlac.org/index.php?option=com_content&view=article&id=304:comunicado-dia-mundial-del-refugiado&catid=17:comunicados&Itemid=79
(12) Ver: CARTA ENCÍCLICA CARITAS IN VERITATE DEL SUMO PONTÍFICE BENEDICTO XVI A LOS OBISPOS, A LOS PRESBÍTEROS Y DIÁCONOS, A LAS PERSONAS CONSAGRADAS, A TODOS LOS FIELES LAICOS Y A TODOS LOS HOMBRES DE BUENA VOLUNTAD, SOBRE EL DESARROLLO HUMANO INTEGRAL EN LA CARIDAD Y EN LA VERDAD.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário