segunda-feira, 27 de junho de 2011

A Curitiba do frio. Agasalho e reza reúnem moradores de rua

Curitiba tem cerca de 2,7 mil moradores de rua. Eles têm um modo de vida muito particular: fazem rotas em função de comida e abrigo. E até se reúnem para rezar.

A reportagem é de Rafael Waltrick e publicada pela Gazeta do Povo, 27-06-2011.
Quem passa apressado estranha a movimentação em frente da Catedral Metropolitana de Curitiba, terça-feiras à noite. Cantos e rezas a essa hora? Indiferente aos olhares, um grupo ganha corpo e principalmente voz. A de “Dirceu”, que acompanha a movimentação um pouco mais afastado, é rouca e baixa. Mesmo assim, ele não economiza esforços ao falar da “família” que o acompanhou em boa parte dos seus 23 anos.

Parte dela está ali ao lado. Haja cômodos para tanta gente. Espaço pelo menos há. Afinal, a Praça Tiradentes é grande, assim como tantas outras praças, ruas, casarões abandonados e terrenos baldios da cidade. Foi nestes locais que, acompanhado dos “irmãos”, “Dirceu” dormiu, comeu, bebeu e chorou nos últimos anos. “Dirceu” é um morador de rua.

Pelo Centro

Há sete anos o encontro de oração reúne o povo da rua em frente da Catedral. Nos encontros das terças, os participantes recebem alimentos e agasalhos, além da bênção dos agentes de pastoral. Homens e mulheres chegam aos poucos. Muitos são velhos conhecidos. Vêm de perto, posto que a grande maioria está abrigada no Centro. Porém, o grupo é pequeno diante do número estimado de moradores de rua da capital – 2.776 pessoas, segundo levantamento de 2008 do Ministério de Desenvolvi¬mento Social e Combate à Fome.

Pesquisa em andamento, coordenada pela professora doutora Solange Fernandes, da PUCPR, pretende atualizar os números e detalhar o perfil de quem usa calçadas e escadarias como lar dessa população.

Conforme balanço das ligações pelo 156 à Central de Resgate Social da FAS, as ruas mais visadas pelos sem-teto são a Presidente Affonso Camargo, Sete de Setem¬bro, José Loureiro e XV de Novembro, nas imediações de pontos como a Rodofer¬roviária e Terminal Guadalupe.

A preferência pelo Centro não se dá por acaso. “É nessas regiões que tudo acontece. É ali também que existe a maior concentração de serviços de atendimento a moradores de rua. O grande número de lanchonetes e restaurantes contribui”, observa Solange.

O movimento na região também explica a quantidade de chamados à Central de Resgate Social. Só nos primeiros três meses deste ano foram 3.280 ligações para o 156 apontando a presença de moradores de rua. A maioria dos telefonemas (45%) falava de gente dormindo ou caída nas ruas.

“Durante o dia, não há um espaço onde essas pessoas se sintam acolhidas. Por isso, se espalham, principalmente pelas praças. Não ter um local para dormir é o pior. Ainda mais em Curitiba, onde faz muito frio”, lembra o coordenador do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) no Paraná e ex-morador de rua, Leonildo José Monteiro Filho.

Povo da rua forma família e tem orçamento

Aparentemente dispersos e caóticos, os moradores em situação de rua possuem graus de organização, ocupam locais específicos e até formam famílias. São, na maior parte, adultos. Dados da Central de Resgate Social da Fundação de Ação Social (FAS) de Curitiba mostram que do total de pedidos de atendimento e resgate por meio do telefone 156, de janeiro de 2010 a março deste ano, apenas 6% fazem menção a crianças.

De acordo com Jussara Dias, professora do curso de Serviço Social da UniBrasil, a união dos moradores se dá por afinidades naturais, mas também por necessidade de proteção. Com o tempo, os laços afetivos se intensificam.
“São pessoas que geralmente andam juntas e se mobilizam pelas suas necessidades básicas, montando redes de relacionamento. Em casos extremos, os grupos chegam a brigar”, comenta Jussara, que também é diretora do Centro João Durvalino de Borba, unidade da FAS que atende o povo de rua.

Solange Fernandes, da PUCPR, relata que, em geral, os núcleos de moradores possuem uma liderança, vista como o “pai” ou a “mãe” da “família”. Cabe a esses líderes distribuir tarefas, decidir os locais onde se instalarão e o quanto necessitam para viver naquele dia. “Também é possível observar uma distribuição de tarefas entre eles. Todos têm uma função ‘produtiva’ no grupo. Eles se protegem, brigam, compartilham o que é bom e o que é ruim também”, diz Solange.

A existência de laços de afeto é comprovada por quem já viveu na rua. A convivência em comum, porém, é uma via de mão dupla. “O morador de rua tem o caráter de ser solidário. Mas às vezes isso é ruim, porque ele acaba tendo contato com pessoas que consomem álcool e drogas, e é levado a isso também”, relata o ex-morador de rua Leonildo José Monteiro Filho, hoje coordenador do Movimento Nacional da População de Rua.

http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=44743

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