terça-feira, 21 de junho de 2011

O início da jornada

O início da jornada

“Quando fui para Angola, em 2005, pedi para trabalhar no Serviço Jesuita aos Refugiados - SJR e sabia pouco sobre a África. Sabia que encontraria uma missão jesuítica que já implemetava e desenvolvia alguns projetos, mas não imaginava como seria o desafio. Desde 1996, o Serviço Jesuíta aos Refugiados estava lá, ou seja, em plena guerra civil, se estabeleceu no país assim como outras organizações de ajuda humanitária. Inicialmente, protegendo a vida dos angolanos e buscando encontrar a melhor forma de estar junto com os mais fracos e necessitados. O SJR se mantém com uma equipe de colaboradores devidamente preprarados, entre eles a maioria já viveu a guerra de perto e hoje retribui com suas vidas a outros africanos que buscam proteção e refúgio em Angola. Em 2002 veio a paz e milhares de Angolanos estavam deslocados internamente no seu país e inúmeros fora de Angola.

Com a paz, em 2002, iniciou o processo de regresso dos angolanos e, lentamente, alguns retornaram, mas tinham medo de que a paz não fosse verdadeira e segura.
Na época em que vivi no país, fizemos atividades de resolução de conflitos entre famílias para viverem a paz. Assim, iniciaram suas vidas nas condições e sofrimentos que carregaram no seu coraçao ferido. Ainda havia muitas pessoas que queriam vingar-se daqueles que tinham provocado a mortes de seus queridos e familiares. Convidamos e recomendamos estas pessoas a participarem de atividades de reconciliação. Era preciso procurar encontrar uma solução para perdoar o irmão africano e levar a vida adiante. Realizaram-se muitos seminários e formação com o enfoque perdoar-se mutuamente e reconstruir a sua vida com o que sobrou e viver em paz. A ideia era viver os últimos anos e deixar uma vida melhor para seus filhos e netos.

O desafio de construir escolas

“Quando cheguei, recebi a missão de construir quatro escolas na fronteira com a Zâmbia, destinados aos angolanos refugiados que regressaram da Zâmbia. Já havia outras em alguns locais, mas eram construções provissórias de paus e capim. A intenção da construção das quatro escolas era de os filhos e adultos apreendesem a lígua oficial o português. Pois, após tantos anos na Zâmbia, falavam inglês e suas líguas maternas, principalmente o luvale e o chocwe. Escolhemos o método de ensino Dom Bosco dos Salesianos, que faz uma pessoa falar e aprender o português em três meses.
A vida neste ambiente era frágil e delicada. Pois, tudo era quase mato, não havia luz elétrica, a água potável estava longe, os serviços de saúde precários e a malária atacava muitas pessoas - desta eu tambem não me safei. Afinal, as pessoas começavam a derrubar o mato e a construir uma casinha qualquer. O africano sente e deseja muito encontrar a sua tradição, costumes, amigos e voltar para as origens, onde pais e seus antepassados viviam. Eles queriam voltar para essa terra. Nem sempre era possível localizar o lugar e, às vezes, o local já estava ocupado por outras pessoas. Devemos sempre ter em mente como fica um lugar abandonado por mais de 30 anos, com guerra e destruição.

No início, tinha de apreender muito para entender um pouco da cultura local e africana. Era estranho chegar em uma comunidade e propor a construção de uma escola. As pessoas com tantas necessidades não queriam ajudar na construção. Por que em meio de tanta necessidade as pessoas estavam indispostas? Esta era uma pergunta que não saía da minha cabeça dia e noite. Foi quando certo dia uma senhora de mais idade, respeitada na comunidade e muito sábia, me explicou o motivo, e
disse: Estamos cansados de construir escolas, pois a guerra sempre destrói tudo. Será que a paz é definitiva e a guerra não volta mais e podemos confiar e estabelecermos aqui nesta comunidade. Depois de mais algumas conversas, eles começaram a mostrar interesse, apoiar e ajudar com muito carinho, o que é próprio do africano. No local já tinham colegas do SJR que conseguiram comprar algum material de contrução, tal como cimento, blocos de barro secos ao sol, zinco. Com a ajuda local construímos as quatro escolas, que ficaram bonitas. Não sou construtor, mas tínhamos uma ideia de como fazê-las, morávamos numa casa no interior. Éramos bem acolhidos no local porque éramos pessoas que transmitíamos esperança e poderiam contar conosco, vivemos nas mesmas condiçoes e riscos como eles. Além do mais, a nossa presença também simbolizava que a paz era verdadeira pelo fato de as pessoas estrangeiras estarem com eles em um local distante de tudo. Além disso, os meios de comunicação não existiam e as notícias e novidades eram transmitidas verbalmente. Éramos um sinal de que havia segurança e de paz.”


Campos de refugiados

“Em Angola não há campo de refugiados. Na verdade, é um dos poucos países da África que não os tem, entretanto, há alguns centros de acolhimento. O refugiado é uma pessoa que deixa seu país for falta de proteção da sua e vida e busca desesperadamente um país que o acolhe e lhe proporciona protecção. Em Angola havia muitos deslocados internos no próprio país, não usufruindo da proteção internacional como os demais refugiados, e, sim, passando por sofrimentos muito piores, tais como fome, insegurança, ataques, mortes e todo tipo de violência e insegurança, usados principalmente para soldados na guerra civil.
O leste do país, por exemplo, foi a região mais afetada pela guerra, e as pessoas fugiram para os países vizinhos ou então quem conseguia passar pelas minas e tantos outros obstáculos veio para a capital, Luanda, que cresceu muito e de forma irregular.

No tempo da guerra civil cerca de 800 mil angolanos se refugiavam em outros países. Sem falar naqueles que fugiram de qualquer maneira e sem registros. De 2003 até 2007 haviam regressado 409.450 refugiados.
Agora, em 2011, esta previsto o retorno de mais angolanos na condição de refugiado, sendo 111.589 da República Democrática do Congo, 2.653 deo Congo, 5.904 da Namíbia, 506 de Botswana, 16.267 da Zâmbia o que toliza um número de 137.919 para pessoas retornarem para seu país, Angola. Existem ainda muitos angolanos refugiados na Europa e nas Américas. Por exemplo, no Brasil existem 1.688 angolanos na condição de refugiado.

Conflitos constantes

“Enterrávamos refugiados falecidos e ajudávamos muitas pessoas doentes, sem remédio. Muitos imploravam ao Serviço Jesuíta aos Refugiados e outras organizações, igrejas por auxílio, para serem levados ao hospital e tantas outras necessidades. Sem falar que a malária e outras doenças tropicais são constantes na região, e mães e crianças morriam com freqüência.
Outra questão era o fato de a Angola, mesmo tendo milhares de refugiados e deslocados internos, ao mesmo tempo ainda recebia pessoas na mesma condição, principalmente da Ruanda, Costa do Marfim, Sera Leoa e dos Congos. Muitos entraram pela fronteira do país em plena guerra civil, se juntavam aos soldados que lutavam. A intenção única era sobreviver e chegar um dia na cidade de Luanda como um porto seguro e de esperança para reconstruir suas vidas.”

Angola tem atualmente aproximadamente 14 mil refugiados e 4 mil solicitantes de asilo. A maioria vem da República Democrática do Congo, seguido por Costa do Marfim, Congo-Brazzaville e outros países, como Chade, Ruanda, Burundi, Uganda, Serra Leoa, Guiné, Guiné-Bissau, Burkina Fasso, República Centro-Africana e Somália. Estas pessoas estão fugindo, principalmente, de conflitos políticos e étnicos e buscam Angola porque o país é signatário das Convenções Internacionais e, portanto, procura oferecer condições de proteção legal e solidariedade. São estas pessoas a quem dedicamos o nosso trabalho e aos seus filhos que nasceram em Angola e muitos na condição de apátridas. Mas se está buscando soluções para que estes deixam de ser apátridas e tenham uma nacionalidade e documentos.”

Busca pela paz
“Com a paz vieram as oportunidades, as empresas internacionais de reconstrução se instalaram, e a esperança por dias melhores se fez sentir. Hoje o mercado informal mobiliza a população que tenta sobreviver em um país rico em petróleo e diamantes e que necessita criar urgentemente políticas justas para evitar poucos ricos e muitos pobres.

O projeto de assistência jurídica gratuita que implantamos também ajudou a população e trouxe mudanças, porque buscamos uma forma de barrar as prisões de refugiados, dar formação aos refugiados e autoridades, lutamos por uma vida mais digna, exigimos que as Convenções Internacionais das quais Angola faz parte fossem cumpridas e igualmente as leis nacionais.
Às vezes eu não sabia qual técnica usar, não pensava mais na advocacia, mas em que forma poderíamos fazer o trabalho para ajudar as pessoas. Tivemos de lidar com pessoas problemáticas e aprender a convencê-las, mudar de opinião e atitudes. Graças a Deus, nossa equipe era unida, corajosa, otimista e motivada em princípios, valores e na missão do SJR de acompanhar, servir e defender os refugiados e requerentes de asilo em qualquer circunstância ou condição.”

Curiosidades

Angola tem uma população aproximada a 15 milhões e mais de 50% têm menos de 20 anos de idade. A expectativa de vida gira em torno de 38 anos para o homem e 44 anos para a mulher. No continente africano a Angola é o segundo produtor de petróleo, quarto em diamantes. A agricultura é primitiva e necessita ser desenvolvida, a população vive com 1 dólar americano por dia. É no mundo o segundo em mortalidade infantil. O sistema político é presidencialista, e o atual presidente está no cargo 32 anos. Desde 2002 o país iniciou a reconstrução em todos os sentidos, tais como vidas e infra-estruturas. Atualmente o custo de vida é muito elevado devido à importação da maioria dos produtos alimentícios. Muito deve ser feito por lá, e a qualidade de vida está melhorando com possibilidades de ser ótimo país de referência no continente africano.

[notícia enviada por Eduardo Gabriel]

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