Os imigrantes são talvez o fenômeno social maior no mundo de hoje. Eles estão em toda a parte. Enquanto os países ricos levantam muros, trancam as fronteiras; os imigrantes, movidos pela lei da vida, continuam o seu duro caminho, por terra e pelo mar, sinais de luta e de resistência, sinais vermelho que apontam para aquilo que não é correto no mundo: as desigualdades, o egoísmo das nações, a má distribuição das riquezas.
Os imigrantes haitianos existem há muitos anos. O terremoto de janeiro de 2010 veio agravar sua situação. Quantos foram os mortos? Fala-se de 200 mil. Quantos os feridos? Quantos estão debaixo de lonas? As imagens de destruição, sofrimento e morte estão gravadas na nossa mente. Em todo o Brasil foram feitas coletas e campanhas em favor dos haitianos. Todos quisemos demonstrar a nossa solidariedade.
O Estado brasileiro, naquele momento, disse que estaria disposto a acolher e ajudar os haitianos que buscassem o Brasil. Não foi preciso esperar eles chegaram à fronteira. Seguiram a rota: Porto Príncipe (ou Santo Domingos), Panamá, Quito (Equador), Lima (Peru), Iquitos (Peru) e de lá em barco alcançando a fronteira brasileira de Tabatinga. Outro grupo de Lima segue para Puerto Maldonado (Peru) e Brasiléia (Acre) – isto no que se refere à Amazônia.
Em Tabatinga eles apresentam à polícia federal o pedido de refúgio. A polícia dá o Protocolo de refúgio e uma carta que autoriza retirar o CPF e a Carteira de Trabalho. De posse do Protocolo, eles tomam o barco e vêm para Manaus. Cá chegando eles buscam a pastoral do migrante, as igrejas de São Geraldo e São Raimundo. Aí inicia o nosso trabalho em Manaus.
Os primeiros haitianos chegaram a Manaus em fevereiro do ano passado e dos que chegaram até junho, praticamente ninguém se estabeleceu aqui. Muitos tinham o sonho dos Estados Unidos, da Europa (quem sabe, via a Guiana Francesa). Saíram em silêncio e não se sabe que rumo tomaram.
A partir de julho eles chegaram mais numerosos querendo ficar em Manaus. No mês de agosto inauguramos uma pequena casa de acolhida na Paróquia São Geraldo. Logo lotou. Lotada estava também a casa animada pelas irmãs. Foi alugado um ‘casarão’. Mas no final do ano o grupo foi crescendo. Foi pedida a ajuda a outras paróquias e a São Raimundo passou a acolher 40 imigrantes (hoje são 90). Fizemos novo apelo às paróquias e a Sagrada Família acolheu 40, os Capuchinhos nesses dias acolheram uns 80, sessenta estão conosco; outras paróquias estão ajudando com doações. Neste momento, dia 6 de março, a pastoral do migrante está acolhendo 260 e acompanhando mais uns 60 em suas primeiras habitações. Sabemos que muitos estão em Tabatinga aguardando o Protocolo e zarpar para Manaus.
O que tentamos fazer? Em primeiro lugar acolhê-los, oferecendo um espaço para comer, dormir, aprender o português, acertar a documentação e buscar emprego. A parte religiosa não é esquecida, mas ela se revela muito mais na caridade do que no culto, também porque a grande maioria é evangélica. A igreja católica é a única que os apóia – isto eles percebem muito bem. Está sendo um momento muito bonito para a igreja de Manaus. O apoio dos bispos é total. Muita gente e muitas comunidades estão multiplicando os gestos de acolhida e de solidariedade.
Olhando prá frente não temos certeza do que vai acontecer. Parece que os imigrantes continuarão chegando. O Estado na parte legal/jurídica está perdido: dá a eles um Protocolo de Refúgio, mas nunca serão reconhecidos como tais. Fechar as fronteiras, deportá-los, deixá-los na clandestinidade? Acho que isso não vai acontecer, seria um ‘fiasco’ brasileiro, uma mesquinhez, pois os haitianos no Brasil ainda são menos de mil. A nossa luta é para que eles tenham um visto de residência ‘humanitário’, ‘ecológico’.
Continuo dizendo que o nosso carisma, talvez seja o mais difícil, mas certamente é o mais atual e expressa um pouco do grande amor que Deus tem para com os mais sofridos, entre eles os migrantes.
HAITIANOS NO AMAZONAS
Trajetória
Os haitianos que chegam no Amazonas, saíram do Haiti, alguns de Porto Príncipe, outros passaram antes pela República Dominicana, seguiram para o Panamá, depois para Lima, de lá para Iquitos (Peru), donde de barco alcançaram a fronteira do Brasil em Tabatinga. Muitos pararam algum tempo (dias ou meses) no Equador Esta viagem custa em torno de U$ 4.500,00. Este dinheiro muitas vezes é tomado emprestado.
Em Tabatinga
Chegam em Tabatinga já muito cansados. Aonde ir? A igreja católica e, sobretudo o padre Gonzalo tenta encontrar alguns lugares, espaços, para reclinar a cabeça e encontrar um pedaço de pão, mas a cidade não tem nenhuma estrutura de acolhida. Começa em seguida a procissão para encontrar a polícia federal que tem poucos efetivos para atender. Como eles formulam o pedido de Refúgio, têm que responder a um questionário detalhado e demorado – considerando também o problema da comunicação e da linguagem. Por isso, poucas pessoas são atendidas por dia. De vez em quando outros efetivos da polícia se deslocam de Manaus para Tabatinga e realizam um mutirão. Isso repercute diretamente sobre o número de chegadas em Manaus. Recebido o Protocolo e a carta da polícia e arranjados os 170,00, tomam o barco para Manaus.
Chegada em Manaus
Já em Tabatinga eles ficam sabendo da pastoral do migrante – a rede de celular funciona muito bem entre eles – buscam em Manaus o escritório do SPM, animado pelas irmãs, mas ultimamente eles chegam diretamente na igreja São Geraldo ou São Raimundo Poucas vezes nós sabemos o dia, a hora da chegada e quantos chegarão. Ficamos de sobreaviso nas terças, sextas e sábados, dias em que os barcos chegam de Tabatinga. Acho que o número maior de chegadas foi na sexta e sábado, dias 4 e 5 quando chegaram 67 imigrantes.
Serviço de acolhida pela igreja de Manaus
Inicialmente, quando o número era pequeno, os imigrantes eram encaminhados para a casa do migrante do Estado e para uma pequena casa de acolhida da Diocese animada pelas Irmãs Scalabrinianas. No mês de agosto nós abrimos outra pequena casa em São Geraldo para doze pessoas. Logo lotou. Alugamos um casarão aonde chegaram a ficar trinta e nove pessoas. Recorremos à igreja de Manaus. Em janeiro a paróquia São Raimundo abriu suas portas, disposta a acolher até quarenta pessoas (hoje tem ainda perto de oitenta). No dia 18 de março na reunião do clero foi feito mais um apelo.
Na hora outra área missionária se dispôs a acolher vinte – o que aconteceu imediatamente (hoje são quarenta e oito). Outras paróquias se prontificaram para pagar o aluguel de uma casa. O número foi crescendo, um padre acolheu, provisoriamente, oito em sua casa. No dia quatro de março chegou a mão bendita dos capuchinos que transformaram a casa de retiro em casa de acolhida (deslocando os que estavam fazendo retiro); ao mesmo tempo disponibilizaram outros dois locais menores e estão preparando mais uma casa para ser usada em caso de necessidade. No dia 11 de março alugamos uma casa (aluguel pago por uma paróquia) onde foram colocadas 16 pessoas. No momento de pico, no início de março. Estavam sendo acolhidas em casas da igreja trezentas pessoas, sendo oitenta em São Geraldo.
Em resumo, a igreja local se abriu à questão migratória, gratuitamente, sabendo que o 98% dos haitianos chegados aqui são evangélicos. Alguns leigos vestiram fortemente a camisa e estão ajudando muito. As igrejas evangélicas, mesmo convidadas, não assumiram nada – ultimamente famílias evangélicas assumiram alguns imigrantes.
Serviços prestados
Logo que chegam a Manaus, a primeira tarefa é acolhê-los encontrar um local para ficar e alimentar-se. A alimentação foi e está sendo doada pelas comunidades católicas de Manaus. No dia depois da chegada é feito o pedido do CPF. No terceiro dia o CPF e no quarto dia dá-se entrada ao pedido da Carteira de Trabalho.
Os serviços prestados abrangem o global da vida dos imigrantes: acolhida, alimentação, ensino da língua, encaminhamentos médicos - há gente doente e até precisando de pequenas cirurgias, mulheres grávidas (na primeira semana de março nasceram duas crianças), ajuda para encontrar moradia, transportes e mudanças.
Um destaque todo especial merece a questão da inserção no mundo do trabalho. Os meios de comunicação, jornais, rádios, televisão estiveram muito presentes todos os dias. Foi feitos apelos aos empregadores pequenas e grandes. A resposta foi muito grande. Acho que só num dia apareceram uns 20 empregadores, desde empresas maiores como familiares. A construção civil é a que mais está empregando. Cuidamos para não entregar os imigrantes nas mãos de exploradores. Há muitos pedidos de domésticas, caseiros, zeladores de sítios e de chácaras, criação de animais, pisciculturas, hortas... Evitamos por enquanto de empregar pessoas distantes da cidade e em lugares isolados.
Quem são eles?
Quanto à proveniência, parte é de Porto Príncipe, mas parte é de outras regiões do Haiti. Uns já estiveram na República Dominicana (encontramos gente que esteve nos USA e que foi expulsa no tempo do Bush). Para a maioria se trata da primeira saída. Parte teve a família atingida pelo terremoto, outros não. Noventa por cento são homens/jovens com a idade entre 22 e 35 anos. Com pequenas exceções todos estão permanecendo em Manaus.
Questões
A urgência do atendimento impediu-nos ainda de refletir sobre os fatos. Ás vezes surgem as perguntas típicas do campo migratório – haveria alguém “facilitando” a sua saída? Haveria a presença de gatos ou coiotes? Até nos perguntamos por que o 98% são evangélicos e os católicos talvez não passem de uma dezena?
Outras questões são de ordem política – o que pensa mesmo o governo brasileiro? Por que ele se comprometeu de acolher os haitianos e agora está levantando barreiras para a entrada? Por que está aceitando o pedido de refúgio (pelo menos por enquanto) quando eles não serão aceitos como refugiados? Agora foi decidido que só serão acolhidos os haitianos que vierem com o Visto feito no Haiti – que Visto será este? E para os que já estão no Brasil que Documento o Brasil vai fornecer? Sempre renovando o Protocolo? E os que já saíram do Haiti e estão a caminho do Brasil?
Também teremos que acompanhar a sua inserção no mundo do trabalho, questões trabalhistas, além dos “primeiros socorros” quando eles vão tentar alugar a primeira moradia. Deus e Scalabrini nos acompanharam até aqui, não nos abandonarão nos próximos passos.
Manaus – AM, 14 de março/2011
Pe. Gelmino/ Pela comunidade religiosa
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