quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Torturas no RS e os 30 anos da Anistia

Marcelo Zelic *
Adital

A demora em realizar ações concretas para que a justiça de transição reforce o estado democrático de direito no Brasil, é uma das raízes das atrocidades que acontecem no Rio Grande do Sul patrocinadas pelo Governo Yeda Crusius e a Brigada Militar.

Segundo algumas interpretações a Anistia de 1979 colocou uma pedra sobre o assunto dos crimes de prisões ilegais, torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados praticados pelos agentes públicos, que serviam nos órgãos de segurança da ditadura militar de 1964-1985.

Aconteceram por ocasião dos 30 anos da Anistia inúmeros atos pelo Brasil, em que a responsabilização dos torturadores, a abertura dos arquivos e a localização dos desaparecidos políticos estiveram em evidência, mostrando que uma revisão histórica sobre o papel que a lei cumpriu no sentido de gerar impunidade está em marcha no país.

O juiz chileno Victor Montiglio ordenou a prisão de pelo menos 120 ex-militares e oficiais da polícia secreta por acusações de abusos dos direitos humanos durante o governo militar de Augusto Pinochet (1973-1990) e no Brasil aguardamos um posicionamento do STF sobre a questão levantada pela OAB, para que a justiça possa agir contra as violações realizadas em nosso país atingindo militantes de organizações que combateram a ditadura.

A justiça de transição preconiza a atuação em 4 frentes simultâneas para termos o resultado que se espera da lei de Anistia de 1979, ou seja, a responsabilização dos agentes públicos que praticaram os crimes de lesa humanidade, a reparação aos atingidos, o direito a memória e a verdade, com a abertura de todos os arquivos sobre o período e a mudança das estruturas, mentalidade e condutas dos órgãos de segurança pública no país, incorporando o respeito à constituição e à pratica dos direitos humanos em suas ações.

A impunidade fere o estado democrático de direito, tanto quanto os crimes de lesa humanidade realizados. A "certeza da impunidade" corrói uma adequação das práticas de segurança pública aos princípios da justiça de transição e dos direitos humanos, proporcionando o atentado ao ordenamento jurídico vigente e os violentos fatos de repressão, torturas e assassinatos que têm acontecido no sul do país.

Para o vice-presidente do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), Percílio de Sousa Neto, conforme relatório parcial produzido após visita ao RS em 2008 para apurar denúncia sobre a criminalização dos movimentos sociais gaúchos, "a ação da polícia gaúcha é um atentado ao Estado Democrático de Direito".

Na Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos do Senado, realizada em Porto Alegre, no dia 24 de junho de 2008, inúmeras denúncias foram registradas na Carta dos Movimentos Sociais Gaúchos, entre elas, o assassinato do sapateiro Jair da Costa, durante uma manifestação em defesa do emprego, mostrando que a prática de levar armas letais a situações de campo controlado, é constante pela Brigada Militar, o que mostra a predisposição à violência, praticada pela política de segurança pública desenvolvida no estado do Rio Grande do Sul. O assassinato de Elton Brum da Silva é a repetição desta violência, pratica permanente de uma política de segurança pública que retoma as ações e violências realizadas no período da ditadura militar.

O CDDPH entre várias recomendações à governadora Yeda Crusius solicita a Revogação pelo Comando-Geral da Brigada Militar da Nota de Instrução Operacional nº006.1 por cerceamento de direitos e garantias fundamentais (liberdade de expressão e reunião), frente à Constituição Federal e em total desrespeito à este órgão instituído pela lei nº Lei nº 4.319, de 16 de março de 1964, nenhuma atitude ou palavra foi encaminhada pela governadora.

A existência da nota de instrução operacional número 006.1, é expressão do arbítrio que vive o povo gaúcho e fundamentalmente é fruto da impunidade sobre os fatos que vivemos no período da ditadura militar, que abrem o precedente para que condutas que ferem os tratados internacionais assinados pelo país, sejam sistematicamente desrespeitados pela atuação violenta e arbitrária de agentes da Brigada Militar, cumprindo orientação da política de Segurança Pública da Governadora Yeda Crusius.

Já em 2006 a tentativa de apuração de torturas físicas e psicológicas na desocupação da fazenda Guerra em Coqueiro do Sul (RS), gerou intimidação, ameaças de morte e o afastamento da procuradora responsável pela apuração do caso, fazendo com que os responsáveis pelas barbaridades apuradas no inquérito civil nº 0144/2006 fiquem até hoje impunes, uma vez que tal inquérito ou foi arquivado pelo Ministério Público de Carazinho, ou encontra-se com o Procurador Geral de Justiça sem encaminhamento, num flagrante desrespeito à cidadania.

É fundamental atitudes como a do Ministro Paulo Vannuchi da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, que solicitou a apuração das torturas continuadas sofridas pelos sem terras, homens, mulheres e crianças, tanto na desocupação da prefeitura de São Gabriel em 12/08/09, como na desocupação da Fazenda Southall em 21/08, onde muitos cidadãos e cidadãs gaúchos sofreram torturas físicas com emprego de armas-não letais e psicológicas.

Apurar estas torturas praticadas por agentes públicos da Brigada Militar do Rio Grande do Sul e responsabilizar os culpados por estas atrocidades e crimes de lesa humanidade é tarefa do Ministério Público Federal, uma vez que a conduta do Ministério Público Estadual no inquérito civil nº 0144/2006, coloca em dúvida a intenção de que tais fatos sejam apurados.

Assim os olhos da nação encontram-se voltados ao Rio Grande do Sul buscando justiça. Justiça para os assassinos de Elton Brum da Silva e Jair da Costa, bem como para todos os cidadãos e cidadãs que sofreram torturas pelos agentes da Brigada Militar.

Somente com atitudes firmes contra a impunidade no RS e contra os crimes de lesa humanidade da ditadura militar, é que a justiça de transição se estabelecerá no país, reforçando a construção do estado democrático de direito e a Anistia de 1979 poderá ser página virada na história de nosso país.

Brasil Nunca Mais, não é um frase vazia, é antes de tudo o esforço e luta de tantos brasileiros e brasileiras que se dedicam à construção de um Brasil justo e soberano. Aos mortos, perseguidos e torturados no Rio Grande do Sul nem um minuto de silêncio.

[Denúncia feita ao Ministro Paulo Vannuchi:

* Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP
e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo.
Coordenador do Projeto Armazém Memória

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