sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Entrevista: Trabalho doméstico é base da migração moderna

Rogéria Araújo *
Adital

Nos Estados Unidos, 99% das mulheres que se ocupam dos serviços domésticos são estrangeiras. Por trás dos dados está a constatação de um forte processo de migração que precisa de mais atenção das nações em compreender e aceitar esse fenômeno que demonstra, também, a feminização da migração.

Pesquisadora da migração contemporânea, Lilia Nuñez Cortijo, peruana que vive há anos no Chile, se dedica a estudar as questões de gênero pelo crivo da migração.

Nesta entrevista a ADITAL, ela fala sobre a situação do problema na América Latina. Mostra como o assunto é preocupante. "Os cálculos indicam que entre 70% a 80% das mulheres latinoamericanas e caribenhas estão trabalhando no serviço doméstico", afirma.

Adital - Você estuda o trabalho doméstico no contexto da migração contemporânea. O que pode ser observado nesse processo?
Lilia Nuñez - Há dados bastante reveladores que nos convidam a investigar com profundidade. Independentemente do crescimento econômico significativo, inclusive muito mais do que países como os Estados Unidos e outros mais desenvolvidos, as mulheres continuam migrando porque não têm oportunidades em seus próprios países; elas têm bom nível de formação, estudos universitários, técnicos ou pelo menos o ensino médio concluído. As que migram exercem atividades especialmente relacionadas à saúde, à enfermagem e ao trabalho doméstico.

Os cálculos indicam que entre 50 e 70% das mulheres latinoamericanas e caribenhas estão trabalhando no serviço doméstico. O caso mais simbólico é o peruano. No Peru, migraram ao redor de 3 milhões de pessoas, o que representa 15% da população economicamente ativa; mais da metade desse número é constituído por mulheres. No caso do Chile, as mulheres representam 62% e 85%, ou seja, quase 9 entre cada 10 mulheres trabalham no serviço doméstico. Na América do Sul, é uma em cada duas.

Isso não significa que as mulheres saiam desprotegidas do ponto de vista do conhecimento, da preparação acadêmica; ao contrário. Evidentemente, temos que reconhecer que existe uma estrutura que as expulsa, as escassas oportunidades de realizações pessoais, profissionais e o grau de violência de gênero que se exacerbou nos últimos anos. As mulheres estão buscando novos espaços de trabalho, pois seus maridos não ganham o suficiente.

Adital - Como o Estado reage diante de casos como estes?
Lilia Nuñez - Não existe um mercado que aceite as distintas formações que as mulheres têm. Todavia aos Estados não interessa se elas têm ou não estudo. Aos Estados interessa cobrir as demandas, cuja maioria vem dos países desenvolvidos. É uma demanda global, estrutural de mulheres que trabalhem em serviços domésticos.

Adital - Podemos afirmar que é uma migração que não recebe a devida atenção no mundo moderno?
Lilia Nuñez - Sim, é um claro signo do mundo contemporâneo no qual a mulher necessita elevar-se economicamente, autonomizar-se. Não somente por questões econômicas; ela também necessita libertar-se das estruturas patriarcais e tradicionais. Por isso procurou se educar, esforçar-se, valer-se economicamente. Porém, as famílias, a cultura, a sociedade não dão espaço. Então, migram. Porém, em outros países, voltam a sedimentar-se, a cerrar-se no mundo doméstico. Existe uma contradição.

Necessita-se de políticas adequadas. Os países ricos e os em desenvolvimento necessitam de mulheres para o trabalho doméstico. Na medida em que as necessitam, por que não estabelecem quotas para este aspecto? Por que não celebram convênios como fazem com os arquitetos, médicos e demais empregos masculinos?

No caso das mulheres nesse âmbito, repete-se uma discriminação por razão de gênero. Há uma omissão, uma invisibilização desse dado da realidade.

Adital - Qual o papel que organismos internacionais, como a OIT, vêm exercendo nesse contexto?
Lilia Nuñez - A OIT vem trabalhando há muito tempo essa questão do trabalho doméstico, demandando sua dignificação. Inclusive, existem alguns avanços recentes no sentido de globalizar alguns padrões mínimos exigidos compatíveis com os direitos reconhecidos internacionalmente não somente no âmbito trabalhista, mas também no dos direitos humanos e de outras liberdades básicas.

As cúpulas internacionais, por seu lado, nos últimos anos, têm insistido muito em tornar visível e valorizar o trabalho doméstico. Existem alguns estudos significativos; porém, não estão sendo considerados para efeito de políticas concretas. Existe suficiente informação. Na verdade, o que falta é um maior esforço dos organismos multilaterais de poder para tornar visível a contribuição das mulheres à economia, ao desenvolvimento. Não está contabilizada; continua invisível. Os estudos apontam que nós mulheres trabalhamos as horas totais de nossas vidas produtivas muito mais do que os homens; porém, ganhamos menos, somos menos valorizadas e menos reconhecidas.

Então, se somente os tomadores de decisões considerassem esse pequeno grande detalhe de visibilizar, de contabilizar, de pensar de alguma forma os direitos entre homens e mulheres e entre mulheres e mulheres da mesma sociedade, seriam edificados e haveria melhores condições para a construção cidadã.

* Jornalista da Adital

Nenhum comentário:

Postar um comentário