País celebra o bicentenário de sua Independência em meio às marcas da desigualdade social e de uma herança maldita feita de guerras e ditaduras.
A reportagem é de Denise Paro e publicada pela Gazeta do Povo, 15-05-2011.
O Paraguai passa a ostentar hoje o status de país com dois séculos de independência, mas tem pela frente o desafio de consolidar as garantias constitucionais e superar a desigualdade social. Embora esteja entre as primeiras nações latino-americanas a escapar do jugo espanhol, em maio de 1811, o Paraguai passou nos últimos 200 anos por uma sucessão de ditaduras e guerras que deixaram cicatrizes na população.
Com cerca de 6 milhões de habitantes, o país tem uma imagem um tanto negativa. Mazelas ligadas ao narcotráfico, ao contrabando e à corrupção dominam um Paraguai bilíngue (espanhol e guarani) que tem terras férteis e alta produtividade de soja, além de personalidades reconhecidas internacionalmente, entre elas, o escritor Augusto Roa Bastos (1917-2005), vencedor do prêmio Cervantes, o mais importante da literatura em língua espanhola, em 1989.
A festa do bicentenário, coroada pela aprovação no Senado brasileiro do aumento da tarifa paga pelo Brasil pela energia de Itaipu comprada do Paraguai, elevou a autoestima do paraguaio e o sentimento nacionalista. Fachadas de lojas e residências exibem a bandeira do país. Porém, diante da realidade, a população ainda demonstra cautela.
Aura
O professor da Universidade Nacional del Este (UNE), José Luis Guggiari, vê com restrições a aura de independência. “Ainda há uma dependência econômica que não se vê por laços muito aparentes”, diz. Guggiari refere-se, por exemplo, a multinacionais que hoje dominam mais de 50% das exportações paraguaias e as relações, às vezes tensas, que o Paraguai tem com os dois vizinhos, Brasil e Argentina.
Em meados de 1973, Guggiari integrou a fileira de paraguaios que protestaram contra o chamado “entreguismo” do ditador Alfredo Stroessner ao selar o Tratado de Itaipu. Na visão dele, o que se estabeleceu foi uma cessão de energia e não um acordo de compra e venda. “Essa é uma dívida de soberania”, salienta.
Para o analista político Alfredo Boccia, apesar de independente, o Paraguai passou por muitos episódios de governos autoritários, além dos 35 anos da ditadura militar (1954-1989). Mesmo depois de os patriotas terem proclamado a Independência, o país foi submetido a poderes autocráticos, um deles do próprio Gaspar Rodríguez Francia um dos próceres da independência, nomeado ditador temporário, em 1814, e ditador perpétuo, em 1816. Ele ficou à frente do país até a morte, em 1840.
Guerras
O histórico de governos autocráticos, somado às guerras da Tríplice Aliança (1864-1870) e à Guerra do Chaco, entre Paraguai e Bolívia (1932-1935), fragilizaram o país, na visão de Boccia, que hoje convive com problemas decorrentes da falta de segurança e da informalidade no comércio de fronteira.
Na avaliação de Boccia, nesses mais de 200 anos de história, somente agora, no século 21, o Paraguai passa por uma boa fase de liberdade, ainda que marcada pela pobreza e pela desigualdade social. Para ele, o passado comprometeu o presente.“A falta de experiência se mostra hoje na fragilidade institucional do país”, diz.
Na análise da historiadora Milda Rivarola, o desafio do Paraguai pós-bicentenário é construir o conceito de república, difundido a partir da Revolução Francesa (1789). Neste aspecto, é necessário avançar no que diz respeito aos direitos políticos e sistema eleitoral, por exemplo, além de conquistar outros princípios basilares do regime republicano: a igualdade e a fraternidade. Em relação a outro pilar republicano, a liberdade, o país tem mostrado sinais de avanço, so¬¬bretudo após a queda da ditadura.
Para Rivarola, os princípios republicanos não prosperam no Paraguai em razão de alguns fa¬¬tores, em parte pela forma de desenvolvimento econômico, incluindo a má distribuição de terras. Outro aspecto que pesa é o sistema político anacrônico com partidos dominados pelos caudilhos e falta de transparência eleitoral.
Resquícios
A Guerra da Tríplice Aliança, considerada por muitos historiadores como o maior genocídio da América, ainda povoa o imaginário dos paraguaios. O país, que teve as fronteiras marcadas a sangue segundo Rivarola, foi massacrado por tropas brasileiras, argentinas e uruguaias, financiadas, em parte, pela Inglaterra. A população de 1,3 milhão de habitantes na época, passou a ter 200 mil depois do combate, a maioria mulheres.
Na geração mais jovem, os resquícios da guerra não trazem necessariamente um sentimento antibrasileiro. “Os brasileiros, para nós, são irmãos”, diz Guilherme Romero, 34 anos. O discurso de Romero ressoa no país, que se sente mais próximo do Brasil do que da própria Argentina.
“Foi uma experiência que não deveria se repetir. A guerra atrasou muito o país”, diz Eugênio Farinha, 26 anos, que vive com a feitura de bordados em bonés nas ruas de Ciudad del Este, fronteira com Foz do Iguaçu. Para a historiadora Milda Rivarola, a antibrasilianidade derivada da guerra é recorrente no discurso dos campesinos sem-terra, que identificam os brasileiros hoje como os grandes plantadores de soja que dominam a agricultura. Também na reação da elite urbana que clama pela soberania energética da Itaipu. “A guerra é como um ícone histórico que se usa em meio à retórica política”, diz.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=43311
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