quarta-feira, 18 de maio de 2011

DIA NACIONAL DE COMBATE AO ABUSO E À EXPLORAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

18 de maio de 2011

A realidade de vulnerabilidade em que se encontram as crianças e adolescentes em nosso país já é matéria de reflexão que nos ocupa há muitos anos. A precariedade em que se encontram as famílias mais pobres faz com que desde cedo as crianças assumam tarefas de adultos no âmbito doméstico. Outras vezes são vistas como um peso, sofrem inúmeras violências, também de ordem sexual, ou são pura e simplesmente abandonadas à própria sorte. Nesse sentido é que testemunhamos a reincidência dos casos de trabalho infantil, que são até hoje denunciados, e que persistem, para além de todas as políticas de compensação e reinserção social. Paralelamente, o mundo da criminalidade, juntamente com o tráfico de drogas, surge como uma sedução nefasta para vários grupos de jovens, carentes de reais oportunidades e alternativas de futuro. Esse quadro de desvalorização da vida de crianças e adolescentes encontra eco nos casos de exploração e abuso sexual de que são vítimas, e acabaram se tornando um dos grandes escândalos em nosso país. A questão do tráfico de pessoas é um dos pontos mais sensível dessa forma anômala de exploração econômica.

Assim, o trabalho infantil é um dos meios pelos quais se difundem os abusos da exploração econômica e da sede pelo lucro. Em várias épocas do ano, seja por ocasião de diferentes colheitas agrícolas, seja nos trabalhos em carvoarias, nas regiões turísticas nos períodos de férias, ou em subempregos nas grandes cidades, o abuso e exploração de crianças e adolescentes é uma constante. Nesse sentido, multiplicam-se muitas formas de mobilidade motivadas por esses nichos de exploração econômica, criando os principais focos de mobilidade laboral que degeneram em casos de abuso e exploração sexual, como aquela que fomenta o tráfico de seres humanos, incluindo crianças e adolescentes, em situação análoga ao trabalho escravo. Paralelamente, esse fenômeno se alimenta também de uma mudança no perfil dos migrantes, em que se percebe uma tendência de uma presença crescente de mulheres sós que migram em busca de trabalho. É o que se costuma chamar de “feminização das migrações”. Inserindo-se em ramos como o trabalho doméstico, de serviços e entretenimento, as mulheres e adolescentes são ainda mais vulneráveis frente aos apelos das filiais do tráfico de seres humanos, ou Tráfico de Pessoas.

Existem basicamente duas formas de Tráfico de Pessoas com fim de exploração sexual, interligadas entre elas: o interno e o internacional. No território brasileiro, em diferentes regiões, mulheres e adolescentes são exploradas sexualmente em situações como: cidades litorâneas no chamado “turismo sexual”, em localidades que vivem da atividade de garimpos, em regiões em que prospera o agronegócio, nas proximidades de bases militares ou grandes obras. Assim, seja no litoral brasileiro, nas grandes cidades, mas também no interior de estados como Pará, Amapá, Goiás, constata-se a ação do tráfico. Como um ramo comercial clandestino e altamente lucrativo, essa atividade tende a extrapolar as fronteiras nacionais, associando-se às redes do crime internacional e movimentando somas astronômicas da ordem de 30 bilhões de dólares. Internacionalmente, o Brasil é especialmente envolvido devido à vastidão de suas fronteiras e seu imenso território, o que permite que vários circuitos de Tráfico de Pessoas se desenvolvam, interligando não só cidades brasileiras entre si, mas também a passagem de mulheres e adolescentes oriundas de outros países da América Latina, como Peru e Paraguai. Em 2004, identificavam-se cerca de 140 rotas de tráfico nacional e internacional, que comercializavam crianças, adolescentes, mulheres brasileiras e até mesmo travestis. Entre os principais destinos estão, sobretudo, a Espanha, Japão e Israel, mas também países vizinhos, como o Suriname. Calcula-se que dos cerca de 200 mil casos registrados em todo mundo, cerca de 20% seriam originários da América Latina.

Atualmente, a realidade do Tráfico de Pessoas vem despertando uma indignação cada vez maior, e motiva a ação governamental de vários países, ao lado da mobilização de diferentes ONGs e entidades da sociedade civil incidem para a mudança nesse quadro. Nesse sentido, também a Igreja Católica no Brasil vem atuando, por meio de diversas entidades pastorais, como a Pastoral da Mulher Marginalizada, Comissões de Direitos Humanos e a Rede “Um Grito pela Vida”, da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB), além de muitas outras entidades que dão sua colaboração na atenção às vítimas. Percebe-se que se trata do lado mais “sensível” de um fenômeno mais amplo, ligado à mercantilização da vida humana na era da Globalização, desestabilizando as relações sociais, denegrindo e ferindo gravemente a dignidade da pessoa humana, comprometendo gravemente o nosso futuro. Quando crianças e adolescentes são abusadas por outros seres humanos, nesse processo econômico “sem sujeito”, o apelo deve ser renovado, atualizado e chamar incessantemente a atenção para o tipo de sociedade que estamos construindo, para a imensa divida humana que carregamos nas costas. É também uma tarefa evangélica nos juntarmos àqueles que neste dia defendem a vida dos mais frágeis, com os quais se identificou o próprio Cristo.

Pe. Sidnei Marco Dornelas
GT Tráfico de Pessoas
Setor Pastoral da Mobilidade Humana - CNBB

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