sábado, 21 de maio de 2011

Tráfico de carne humana para os Estados Unidos

As autoridades do sul do México detectam, graças a um sistema de Raio X, 513 imigrantes escondidos em dois caminhões procedentes da Guatemala.

A reportagem é de Pablo Ordaz e está publicada no jornal espanhol El País, 19-05-2011. A tradução é do Cepat.

Não há negócio mais rentável do que a da carne humana desesperada. A polícia do Estado de Chiapas, na fronteira sul do México, pôde comprovar isso novamente nesta terça-feira, ao parar e inspecionar dois caminhões procedentes da Guatemala. Mediante um sistema de Raio X, os agentes descobriram que no interior de um deles viajavam 273 migrantes ilegais, todos homens, e no outro, 240, entre os quais se encontravam 32 mulheres e quatro crianças. Segundo declarações dos migrantes, em sua grande maioria guatemaltecos, tão insegura passagem para os Estados Unidos – percorrendo mais de 1.700 quilômetros através do México – havia custado cerca de 7.000 dólares a cada um deles, que tiveram que pagar adiantado a uma organização de polleros.

A radiografia é terrível. Homens empacotados, uma média de seis por metro quadrado, alguns de pé, outros sentados, também mulheres e crianças, a 40 graus de temperatura, com mais de 20 horas de estrada pela frente – o que se demora sem parar de Tapachula até Reinosa –, sem outras garantias que a improvável boa vontade dos traficantes. Dos 273 imigrantes que viajavam em um dos caminhões, 199 eram guatemaltecos, 28 salvadorenhos, 26 equatorianos, 12 indianos, seis nepaleses, um hondurenho e um da República Dominicana. No outro caminhão estavam escondidas 240 pessoas: 211 guatemaltecos, 19 salvadorenhos, seis equatorianos, três chineses e uma japonesa. Estamos falando de 513 loucos, protagonistas surpreendentes de um caso isolado? Nada mais distante da realidade.

Segundo dados oficiais, cerca de 3.000 imigrantes tentam cada ano a difícil aventura de cruzar da Guatemala ou do Belize para o México (cerca de mil quilômetros de fronteira), atravessar depois o perigosíssimo território mexicano (mais de 11.000 imigrantes foram sequestrados de abril até setembro de 2010) para, finalmente, conseguir penetrar nos Estados Unidos por algum dos 3.000 quilômetros de fronteira, expondo-se à cobiça dos coyotes, ao sol do deserto, a picadas de cobras ou aos agentes da Border Patrol...

Como se fosse pouco, e segundo vem denunciando há anos o sacerdote mexicano Alejandro Solalinde, responsável por um dos 54 abrigos que procuram ajudar os imigrantes em sua peregrinação rumo aos Estados Unidos, as autoridades do México não fazem mais que aumentar o sofrimento. “As instituições migratórias”, assegura, “estão totalmente infiltradas pelo narcotráfico. Há agentes que trabalham para o Instituto Nacional de Migração [INM] e ao mesmo tempo para o cartel de Los Zetas, que se dedica a sequestrar, violar e matar os imigrantes. Eu dei seus nomes à atual responsável do INM em Chiapas, Mercedes Gómez Mont, que é irmã do ex-secretário federal de Governo, mas ainda não fez nada”. O padre Solalinde não está sozinho em sua denúncia. Outras organizações como a Anistia Internacional também apontam o Instituto Nacional de Migração como um departamento “infiltrado pelo crime organizado, opaco e burocrático, que favorece a ilegalidade e a corrupção e tolera os abusos cometidos por servidores públicos e criminosos”. De fato, mais de 200 agentes migratórios já foram demitidos por corrupção e outros 350 estão sendo investigados.

Há outro dado que chama muito a atenção do padre Solalinde. Em maio, já foram presos 795 imigrantes indocumentados nos Estados do sul do México. Este número, o dobro ou inclusive o triplo do habitual, responde, segundo o lutador pelos direitos dos migrantes, “à pressão dos Estados Unidos para que o México crie uma espécie de polícia fronteiriça nos Estados limítrofes com a Guatemala”. A este respeito, vários documentos do Departamento de Estado divulgados pelo Wikileaks no final de 2010 já refletiam a preocupação dos Estados Unidos com a fronteira “porosa” entre o México e a Guatemala, verdadeiro paraíso para traficantes de armas, drogas e homens. Os telegramas, redigidos no final de 2009 e no campo por diplomatas norte-americanos, chamavam a atenção sobre a pouca vigilância que o México dedica à sua fronteira sul: “Apenas 125 oficiais de imigração mexicanos controlam os 928 quilômetros de fronteira com a Guatemala”.

Apenas um policial para cada oito quilômetros de fronteira. Apenas 125 agentes para evitar que os traficantes de carne humana sigam fretando baús sobre rodas com destino aos Estados Unidos.

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