Sem diálogo com governo, ameaçados pelo Mundial temem futuro pior que o presente
22 de maio de 2011 | 0h 00
Almir Leite - O Estado de S.Paulo
"Muitos vão sorrir, mas alguns vão chorar." O presidente do Corinthians, Andrés Sanchez, recorre a esta frase sempre que fala sobre o impacto que a arena do clube terá para Itaquera. O riso virá das oportunidades que o estádio paulistano da Copa de 2014 proporcionará a quem vive na região. O choro fica por conta do "preço a pagar pelo desenvolvimento"". Nessa situação estão pelo menos 5.200 pessoas, ameaçadas de despejo para obras no entorno do estádio. É um risco que aflige outras 60 mil pessoas em várias sedes do Mundial, Em São Paulo, moradores de duas comunidades próximas da Arena do Corinthians, as favelas da Paz e da Fatec (também conhecida por Agreste de Itabaiana), estão apreensivas. Temem que o futuro seja ainda pior que o presente.
Na Favela da Paz, a menos 500 metros da futura arena, reclamam da falta de diálogo do poder público. "Estou aqui há 16 anos, já perdi dois barracos em incêndios e ninguém me ajudou a reconstruir"", diz Diana do Nascimento, mãe de 4 filhos e que os vizinhos garantem ser a mais antiga moradora do local. "Agora que vai ter Copa, chegam aqui e dizem que temos de sair. Falam que é por causa do córrego (Rio Verde), mas não para onde vamos.""
A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente confirmou, em nota, que há várias obras previstas na segunda fase das obras do Parque Linear Rio Verde (que o governo admite fazer parte dos projetos da Copa) e que "a área está em fase de desapropriação, pois contava com moradias na área de preservação permanente"". A nota não esclarece se será oferecido algum tipo de benefício aos atuais moradores. A Secretaria Municipal de Habitação diz só realizar realocação de famílias nas áreas em que fará obras de urbanização. Na Favela da Paz, a execução dos projetos está prevista para o período entre 2013 e 2017.
Distante cerca de 3 km do Itaquerão, a Favela da Fatec (na avenida Águia de Haia, em frente ao terminal AE Carvalho), já teve 82 das cerca de 800 famílias removidas - as que ficam à beira do córrego. A retirada de outras 52 está sendo preparada. "A avenida pode servir de passagem para quem vai para o estádio. Acho que fica feio para quem vem do estrangeiro ver uma favela no caminho"", diz a doméstica Andrea Cristina Gonçalves. "Eles pagam R$ 4,3 mil para a família e ela tem se virar para arrumar lugar para morar. Esse dinheiro dá para quê? E não falam em dar um terreno para a gente, em colocar em apartamento da CDHU"", critica.
A CDHU explica que as famílias foram retiradas a pedido da Prefeitura porque estavam em área de risco e não por causa da Copa, mas diz que, além dos R$ 4,3 mil dados a elas, foi firmado compromisso de "futuro atendimento habitacional definitivo"". A Secretaria do Verde informa apenas que o Parque Linear Ponte Rasa está em fase de estudos.
Aflição comum. Sair do local onde moram e receber indenização baixa é drama que se repete em outras cidades, como Belo Horizonte. "Só dá para comprar casa na periferia, mas a gente trabalha perto do centro"", reclama a diarista Patrícia Venâncio, moradora do Recanto UFMG (70 famílias serão atingidas), que não sabe para onde irá com os pais e dois irmãos.
A prefeitura discorda. Alega pagar R$ 30 mil por família removida, mais indenização com base em benfeitorias, além de dar opção para escolha de mudança para apartamentos do programa habitacional Vila Viva.
Em Cuiabá, as desapropriações atingirão moradores e comerciantes, afetando cerca de 5 mil pessoas. Os lojistas temem receber "ninharia"" e não ter como tocar a vida. "Vamos definir os valores com laudos técnicos em mãos"", diz Djalma Mendes, secretário da Agecopa, que cuida de assuntos referentes ao Mundial./ COLABORARAM MARCELO PORTELA E FÁTIMA LESSA
Barraco no chão, Ana foi para o outro lado do córrego
22 de maio de 2011 | 0h 00
Almir Leite - O Estado de S.Paulo
Quando chegou à Comunidade Fatec, 32 anos atrás, Anazira Souza Tavares viu no lugar muitas semelhanças com a pequena Anhumas, cidade a 560 km da capital onde nasceu. "Aqui era uma chácara, do japonês. Tinha plantação e criação. Ele plantava de tudo, mas também tinha muito mato"", recorda ao falar do terreno que tem um dos acessos pela Avenida Águia de Haia, bem em frente ao terminal de ônibus AE Carvalho.
Sem pensar duas vezes, Ana, como é conhecida na região, se "estabeleceu"". Pouco depois, o "japonês"" - de quem não lembra nem o nome - foi embora (talvez porque ocupasse irregularmente um terreno público) e a comunidade começou a crescer. Hoje, 800 famílias, de acordo com cálculos dos moradores, estão no local.
Trabalhando como empregada doméstica, copeira, auxiliar de limpeza, Ana também cresceu e expandiu o patrimônio. Seu barraco, às margens do córrego, tinha quarto, sala, cozinha e um bom quintal, onde ficavam seus cachorros (atualmente são nove) e dezenas de galinhas. "Gosto de criação"", justifica.
Até que um dia, meses atrás, chegaram avisando que tudo iria para o chão, por conta da construção de um Parque Linear e das obras da Copa. "O que eu mais me admirei é que chegaram de supetão e na segunda reunião já desapropriaram"", conta Ana.
À beira do córrego, a casa de Ana foi um das primeiras a ir para o chão. Restou a ele pegar suas coisas - móveis, duas geladeiras, fogão, um freezer bem surrado e a máquina de lavar, o seu xodó -, atravessar a pinguela com cuidado e espalhá-los pelos cubículos onde vivem alguns de seus filhos, do outro lado do córrego. "Mas minha cômoda ficou lá, no meio do terreno (protegida por uma capa de plástico)."" Ela diz ter recebido os R$ 4.300 pagos pela desocupação do lugar, mas não pensa em sair. "Vou para onde? Estou velha (73 anos), doente do coração e sempre cuidei de mim. Agora, o que vou fazer?"".
Sem aposentadoria, Ana atualmente se cuida colhendo material para reciclar pelas ruas do bairro. Às vezes, tem ajuda do filho Anderson, de 33 anos. Com a reciclagem, ganha R$ 250 nos meses bons. "Não dá para nada""'', diz o óbvio.
Ainda mais para quem tem pendurada na geladeira conta de água de R$ 61,55 atrasada para pagar. A conta é dos barracos de seus filhos. Do outro lado do córrego, todos têm endereço registrado. Alguns pagam água e luz. Outros dão o conhecido jeitinho.
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