Pastoral Carcerária
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Adital
Por Heidi Ann Cerneka
Coordenadora da Pastoral Carcerária Nacional para a Questão da Mulher Presa
A luta antimanicomial existe há muito anos, ganhou muita mais força através da Lei 10.216 de 2001 que "dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental”.
Polêmica sim! Mas nem por isso devemos para de lutar para fazer a lei valer. Pois, a Pastoral Carcerária acompanha as pessoas encarceradas e seus familiares, estejam em unidades prisionais ou em hospitais de custódia.
Nós, enquanto sociedade, não entendemos doença mental e estamos incomodados com as pessoas portadoras de transtornos mentais, da mesma forma como estamos incomodados com pessoas que infringem a lei. Enquanto sabemos que o Sistema Prisional não funciona para nada além de tirar pessoas da circulação pública, os manicômios e hospitais de custódia também não servem para oferecer apoio ao portador de transtorno mental e sua família.
"Ângela” (nome fictício) foi presa por tentativa de roubo, que na verdade foi o furto de um casaco. Na hora da prisão, ela ficou exaltada porque o filho estava junto e ameaçado. Ângela foi presa em junho de 2010, e até hoje, não participou de uma audiência sobre o seu caso. O filho foi levado para um abrigo, de onde fugiu. E ela ficou cada vez mais perturbada e agitada, em parte devido a preocupação sobre o filho desaparecido. Ângela está no "regime de observação” do presídio porque ela não consegue conviver com a população geral. E cada dia mais que ela permanece na penitenciária, sem resolução do caso, sem notícias do filho, e com todo o ambiente prisional, a condição dela piora.
Um psiquiatra que atendeu Ângela disse: "O que me parece, é que trata-se de pessoa com deficiência mental e portanto com limitações para lidar com os assuntos de sua vida e interesse. A meu ver, portanto, trata-se mais de um problema social do que judicial”.
A Lei 10.216 já tem dez anos de existência. Se for aplicada, Ângela estará talvez numa comunidade terapêutica e não em um presídio, sem tratamento adequado, aguardando a decisão de uma juíza que provavelmente vai mandá-la para o hospital de custódia do sistema prisional, em que ela vai "virar patrimônio”, como dizem alguns pacientes. Ou seja, que quem entra, não sai mais.
"Rosângela” (nome fictício) está quase a vida toda em instituições, começando em um abrigo para criança, e depois de adulta, foi para o manicômio. O tempo que ela está reclusa já ultrapassou MUITO o total da sentença se o juiz tivesse sentenciado para o delito. Rosângela não tem para onde ir quando for sair do hospital, e isso a prejudica diretamente, pois consta nos laudos que ela não tem estrutura familiar e social para conviver na sociedade. Isso é culpa de quem? De uma sociedade que ainda prefere deixar as Rosângelas do mundo trancadas, e longe de nós.
Mais e mais, nossos tempos modernos e nossa sociedade elogiam a diversidade, mas isolam as pessoas que são diversas demais, que acabam incomodando nosso estilo de vida, ou que não participam na produção do Capitalismo. A Pastoral Carcerária sempre desafia a Igreja e a sociedade a ver a pessoa humana em nossa frente. Nós todos somos pessoas fragilizadas de alguma maneira, e temos que saber que há apoio e recursos para garantir a vida em plenitude para cada pessoa.
A Lei 10.216 é um grande passo para frente nesta garantia de direitos para pessoas portadoras de transtornos mentais. Agora só precisa garantir que a lei funcione, e precisamos lutar para obrigar o Estado a garantir isso. Mãos à obra militantes; temos muito trabalho ainda!
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