domingo, 15 de maio de 2011

Refugiado relata morte no Mediterrâneo

CAMPO DE CHOUCHA, Tunísia, 13 de maio (ACNUR) - Bayisa* já sofreu muito em sua vida, mas nada tinha preparado ele e seus dois amigos, Gudissa* e Nagassa*, para o suplício que os três refugiados etíopes enfrentariam, e ao qual quase não sobreviveriam, em alto mar entre a Líbia e a Itália.

Durante e depois do fracasso da tentativa de chegar à Itália em barco, 63 das 72 pessoas embarcadas agonizaram até a morte enquanto outras embarcações e helicópteros supostamente falharam em resgatá-las. Agora Bayisa está de volta ao Norte da África.

Abatido e extremamente magro, o refugiado pertencente à etnia Oromo, juntamente com seus dois amigos, falou ao ACNUR no Campo Choucha, na última terça feira. O Campo foi instalado próximo à fronteira da Tunísia com a Líbia para prover abrigo às dezenas de milhares de trabalhadores migrantes e refugiados que fogem da guerra civil que estourou na Líbia em meados de fevereiro.

Embora Oromo seja o maior grupo étnico da Etiópia, seus membros têm sofrido perseguições por parte de sucessivos governos nas últimas décadas. Bayisa disse que fugiu para o Sudão após sua vila ter sido incendiada em 2007 pela polícia, que acusava sua família de ajudar rebeldes contrários ao governo.

Ele chegou à Líbia em janeiro de 2008 após uma longa jornada e solicitou refúgio no escritório do ACNUR em Trípoli. Mas disse que foi preso nas ruas da capital e, por estar sem documentação, ficou detido por três meses em uma cela superlotada.

Como outros africanos da região subsaariana, ele também sofreu insultos e discriminação por parte dos líbios. “Quando a guerra na Líbia começou em fevereiro, fiquei assustado e parei de sair para procurar emprego”, disse, adicionando: “Na rua, as crianças líbias jogavam pedras em mim, me pediam dinheiro e me insultavam, dizendo que eu era um escravo negro”.

Bayisa e seus dos amigos Oromo, Gudissa e Nagassa, decidiram tentar a travessia para a Europa através do Mediterrâneo. “Um vizinho sudanês me disse que um barco sairia no dia 25 de março. Ele nos levou ao porto durante a noite. Paguei U$ 800 para um contrabandista líbio”, revelou Bayisa.

A bordo da embarcação de 12 metros de comprimento estavam etíopes, eritreus, nigerianos, sudaneses e ganeses - havia vinte mulheres e duas crianças. Eles tinham pagado para chegar à ilha de Lampedusa, o território italiano mais austral, mas eles mesmos teriam que tripular o barco.

“Cruzados com um grande navio, mas eles não nos deixaram embarcar. Também vimos um helicóptero militar sobrevoando nosso barco”, relatou Bayisa, que não identificou o país de origem da embarcação e do helicóptero.

Mas os passageiros estavam otimistas - até o barco ficar sem combustível e começar a flutuar de volta para a Líbia. “Um segundo helicóptero nos sobrevoou e jogou biscoitos e água no barco. Depois atravessamos outro navio de guerra, mas eles só tiraram fotos de nós e foram embora”, recordou Bayisa.

O suplício que enfrentaram durou duas semanas. A água potável e a comida acabaram rapidamente e as pessoas começaram a comer pasta de dente e a beber água do mar ou até mesmo a própria urina. “Pessoas morriam diariamente de desidratação, queimaduras e fome... Mantínhamos os corpos por um ou dois dias antes de jogá-los ao mar, com a esperança de chegar à costa e dar a essas pessoas um enterro digno. Mas às vezes nós não sabíamos se estavam realmente mortas ou só em coma”, disse o jovem etíope.

“Uma mulher etíope morreu antes de seu bebê de dois anos. O garoto estava chorando o tempo todo, procurando sua mãe. Ele morreu três dias depois”.

Bayisa pensou que morreria debaixo do sol escaldante. Outros enlouqueceram e pelo menos quatro passageiros cometeram suicídio pulando no mar antes que o barco chegasse à costa Líbia, próximo à cidade de Zlitan, ao leste de Trípoli. Havia somente 11 sobreviventes, mas uma mulher morreu na praia.

Os outros 10 homens caminharam até Zlitan, onde foram presos pela polícia Líbia. Foram levados ao hospital e a uma prisão onde receberam água, leite e tâmaras. Após dois dias outro sobrevivente morreu.

Bayisa disse que acabaram indo para a prisão Twesha, em Trípoli. “As condições de higiene eram terríveis, os banheiros estavam sempre entupidos. Devido à nossa fragilidade, ficamos doente rapidamente”, disse, acrescentando que somente conseguiram sair da prisão porque um amigo etíope pagou U$ 900 à polícia. Bayisa e seus dois amigos pegaram um táxi até a fronteira e cruzaram para Ras Adjir, na Tunísia, antes de serem levados ao Campo Choucha no dia seis de maio.

Na Tunísia, o ACNUR está provendo assistência aos três refugiados e está buscando uma solução para suas situações. “Eu quero solicitar refúgio; eu não posso retornar à Etiópia, eu seria morto ou preso lá”, afirmou. "Eu só quero viver em um país pacífico, não importa onde, mas que esteja em paz”.

* Nomes alterados por razões de proteção

Por Hélène Caux no Campo Choucha, Tunísia

www.acnur.org.br

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