sexta-feira, 3 de julho de 2009

Em Buenos Aires, marcha pede fim do tráfico de pessoas para exploração sexual

Desde abril de 2007, a Associação Civil ‘A Casa do Encontro’, com sede em Buenos Aires, Argentina, realiza todo dia 3 de cada mês uma marcha que apela para o fim de desaparições e seqüestros de meninas e mulheres. Estima-se um total de 600 pessoas seqüestradas por redes de tráfico para fins de exploração sexual no país.

Tendo como lema "Elas não podem esperar mais", a marcha de hoje, se concentrará, às 18h, em frente ao Congresso da Nação (BA), e tentará diálogo com legisladores e legisladoras para debater pontos centrais do problema: a reforma da Lei de Trata, exigir que os seqüestros e desaparições sejam considerados crimes de lesa humanidade e denunciar a cumplicidade do poder político, judicial e policial.

Em entrevista a ADITAL, Fabiana Tuñez, integrante da Casa do Encontro, fala mais sobre como a questão do tráfico de pessoas é tratada no país, e sobre as ações que as organizações, como a qual faz parte, vêm trabalhando na conscientização e difusão de uma situação ainda pouco conhecida e entendida para boa parte da população, mas com grande gravidade do ponto de vista dos direitos humanos e social.

Adital - Como é o trabalho desenvolvido pela Casa do Encontro frente a um tema tão delicado?
Fabiana Tuñez - Na Associação Civil A Casa do Encontro, um espaço feminista popular, com sede em Buenos Aires, trabalhamos o tema do Tráfico [para fins sexuais] de mulheres e meninas em vários aspectos. Nos encarregamos de sensibilizar, difundir, geramos estratégias de prevenção, acompanhamos e orientamos aos familiares das mulheres desaparecidas na instância da denúncia, na posterior difusão e lhes assistimos com psicólogas e advogadas, e articulamos com outros grupos que trabalham no tema da trata ou da prostituição como a Coalizão Argentina contra a Trata e o Tráfico de Pessoas (CATW).

Realizamos jornadas e oficinas de informação e prevenção em diferentes setores de nossa cidade, Universidades, Sindicatos, Bairros Populares e dentro dos movimentos sociais.
A Casa do Encontro convocou a primeira marcha, em Buenos Aires, no dia 3 de abril de 2007, e estamos junto a diversos grupos sociais, de mulheres, políticos, feministas, estudantes e comunidades, todo o dia 3 de cada mês.

Adital - Hoje (3 de junho de 2009), em Buenos Aires, se realiza mais um ato pelas mais de 600 mulheres e crianças desaparecidas. Como a sociedade, em geral, percebe a dimensão dos danos gerados pelas redes de tráfico para fins sexuais?
Fabiana Tuñez - A sociedade, todavia, não tem a dimensão da gravidade da situação. Teríamos que analisar qual é o lugar que foi dado para a mulher nesta sociedade patriarcal e machista e a legitimação social das diferentes formas de violência às mulheres.

O tráfico para fins sexuais e prostituição são uma forma de violência, de exploração sexual e uma violação aos direitos humanos. A prostituição se inscreve nas relações de opressão que colocam os homens do lado do domínio e as mulheres no lugar da submissão e na coisificação de seus corpos.
Se mais de 4.500 mulheres e meninas são introduzidas na prostituição pelas redes de trata quer dizer que existe um número multiplicado e imensamente maior de consumidores/"clientes". Mas também existe uma cumplicidade dos diferentes estados que intervêm gerando muitos recursos econômicos em seus respectivos países.

O "cliente" elege entre corpos e não entre pessoas. Não só busca sexo, também domínio e abuso de poder. A prostituição não é trabalho é escravidão e violência. Nenhuma forma de trabalho se separa do corpo, mas na prostituição o cliente tem direito ao consumo sexual do corpo da mulher, não existindo uma troca sexual recíproca, nem paridade de direitos. É comum escutar o argumento, uma vez ou outra, que a prostituição e o tráfico para fins sexuais existem desde sempre.

Desta lógica instalada no imaginário social, o tráfico para fins sexuais e a prostituição ficam registradas como uma questão inalterável e que não se pode modificar. Contudo, isto não é inevitável, e pode ser modificado pela ação da sociedade em seu conjunto.

A naturalização da prostituição não é um fato casual como, tampouco, o é a violência contra a mulher, já que é útil a este sistema patriarcal, aos estados, às máfias enquistadas dos diferentes setores de poder e, claro, aos traficantes, porque evita questionar a existência mesma da prostituição e seu sistema de exploração, um dos pilares que sustentam o patriarcado e o capitalismo. A violência contra mulheres é uma questão política, cultural e de direitos humanos.

Adital - Ainda assim, esse número de 600 mulheres é oficial?
Fabiana Tuñez - Em nosso país não existem estatística oficiais. Estas cifras que são vidas surgem do trabalho das diferentes organizações que, seriamente, trabalham o tema do tráfico de pessoas para fins sexuais.

Adital - Como o Congresso Nacional dialoga sobre o tema? Há esforços para a reforma da Lei do Tráfico de Pessoas?
Fabiana Tuñez - Há legisladoras e legisladores comprometidos com o tema, mas continuam desaparecendo mulheres e meninas, e não há respostas para as famílias. As famílias estão desamparadas ante um estado que não se faz consciente desta realidade.

Através de diferentes organizações feministas, sociais e políticas, estamos pedindo a reforma da lei de tráfico de pessoas (Lei Nº 26.364). Desde sua sanção, se tem coletado assinaturas, são realizadas reuniões com diferentes legisladoras, mobilizações, ações em diferentes espaços, mas não há vontade política por parte do corpo legislativo para modificá-la.

As modificações que estamos solicitando são: que não haja diferenças entre vítimas maiores e menores de idade para que se constitua delito, porque todas são vítimas; que se aumentem as penas contra traficantes e interceptores, já que são as mais baixas de toda a região; que seja atribuída à lei uma verba para dar atenção e assistência integral às vítimas.

Na lei sancionada em nosso país tampouco se castiga os cúmplices. O que acontece com as cumplicidades dos poderes políticos, da polícia, dos juízes e dos "clientes", atores indispensáveis para a existência do tráfico de pessoas para fins sexuais e da prostituição?

A Casa do Encontro, junto a outras [organizações], está coletando assinaturas e falando com legisladores para a que os desaparecimentos e sequestros de mulheres se declarem "Delito de Lesa Humanidade".

Adital - Que avaliação fazem sobre a atuação do país nos cumprimentos dos convênios ou protocolos internacionais que combatem o tráfico ou a trata?
Fabiana Tuñez - Para nós, o bem jurídico a proteger são os direitos humanos de todas as vítimas. Consideramos que todos os tratados ou convênios que apontem para garantir os direitos humanos para proteger a vida e a integridade psíquica, sexual, a dignidade e a liberdade de todas as vítimas são os mais adequados.

A Convenção do 1949 atua nesse sentido. Desde sua concepção abolicionista, coloca a diferenciação entre traficantes, cafetões e demais pessoas que lucram com a prostituição contra a vontade da vítima e estabelece que, em nenhum caso, as vítimas sejam perseguidas.
Em nosso país, com a sanção da nova Lei e, ao diferenciar vítimas maiores e menores de idade, exigindo, no caso das maiores, que demonstre que não consentiram, se esquece os direitos humanos de todas as pessoas vítimas.

Adital - Como definem a questão do tráfico para fins sexuais em seu país? Quais as cidades ou regiões mais afetadas?
Fabiana Tuñez - Nosso país é de origem, trânsito e destino. Algumas das áreas mais afetadas são Misiones, Corrientes, Chaco, Tucumán, Santa Fé, Província de Buenos Aires, Mendoza, Salta, Jujuy, as províncias do sul Rio Negro, Neuquén, Santa Cruz. Como dizemos na Argentina, a rota do tráfico para fins sexuais e prostituição é a rota da droga, do petróleo, da soja e do turismo.

Adital - Que resultados esperam da atividade que se programa para hoje?
Fabiana Tuñez - Continuar lutando e ser como essa gota que perfura a pedra para conseguir que nunca mais tenhamos que dizer "Estamos buscando-as, as queremos com vida".

Por Marita Veron, Florencia Penacchi, Andrea López, Fernanda Aguirre, María Auxiliadora Figueredo Gillem, Maria Luquez e seu filho, Maria Cristina López, pelas mulheres dominicanas, brasileiras, paraguais, bolivianas e por todas "Elas que não podem esperar mais". Até que chegue esse dia, seguiremos lutando.
Buenos Aires - Adital

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