sexta-feira, 3 de julho de 2009

Tráfico de Pessoas: medo e desinformação dificultam o combate

Embora tenha avançado, o enfrentamento ao tráfico de seres humanos no Brasil ainda possui grandes obstáculos, como a desinformação e o medo de denunciar os traficantes. Essa é a análise que a procuradora da República no Ceará, Dra. Nilce Rodrigues da Cunha, faz sobre a punição do crime no país.

"A maior arma é a informação: as vítimas precisam saber de seus direitos, onde e como deve recorrer. São fabulosas propostas de emprego para pessoas, muitas vezes, analfabetas, sem formação profissional", alerta a Dra. Nilce Rodrigues.

A procuradora lembra que o Relatório Global sobre Tráfico de Pessoas - divulgado em fevereiro deste ano pela Organização das Nações Unidas (ONU) - revela uma participação mais ativa dos governos no combate a esse crime. Em outubro de 2006, o governo brasileiro adotou a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas; e a partir dos princípios da Política, adotou o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas em janeiro de 2008.

"Apesar da política nacional, essa é uma realidade muito difícil de combater, principalmente porque as pessoas não se consideram vítimas. A migração sempre se dá em busca de uma vida melhor. Por isso que existe um paradoxo: mesmo exploradas, muitas querem voltar", avalia a Dra. Nilce.

Para ela, o estado deve informar, sensibilizar. "Só se pode fazer um combate mais eficiente com a informação. Existe a necessidade de participação da própria vítima ou da família dela na denúncia, porque a polícia só pode atuar quando recebe denúncia ou flagra. A polícia não pode simplesmente impedir. A pessoa pode ser pobre, mas não pode ser impedida de viajar para o exterior, a gente vive numa democracia", defende a procuradora.

Dra. Nilce ainda aponta o fenômeno da globalização como favorável e prejudicial à resolução do tráfico de pessoas. "A globalização traz os benefícios da comunicação, mas ela também traz as suas mazelas, como as organizações criminosas. O criminoso estrangeiro não precisa vir aqui pra aliciar mulheres", aponta.

A procuradora lembra que, na rede mafiosa, há criminosos tanto do país de origem, como do de destino das vítimas. "Geralmente, o financiador é estrangeiro, mas os aliciadores são brasileiros. Às vezes, são ex-aliciadas que ganharam a confiança dos seus aliciadores. Elas apresentam uma ‘vantagem’, porque despertam confiança para as vítimas, por serem mulheres e terem conseguido suposto êxito".

Após tornar-se, em 2003, signatários do Protocolo de Palermo - celebrado pela ONU em 2000 -, o Código Penal brasileiro avançou em pontos como o gênero das vítimas e as fronteiras territoriais do tráfico de pessoas. Modificado em março de 2005, o Artigo 231 ampliou a abrangência das vítimas de "mulheres" para "pessoas", além de qualificar o crime dentro do território nacional.

O código ainda aponta restrição, no entanto, o tratar apena da finalidade sexual do tráfico de pessoas, deixando de lado abusos como o trabalho servil e a retirada de órgãos.
Para a procuradora, além dos avanços do Código Penal, "outras normas devem estabelecer assistência do Estado às vítimas. Elas devem ser protegidas pra não serem vítimas, concedendo informação, educação, saúde. Senão depois ele vai querer sanar um problema no qual ele foi omisso antes".

Na opinião da Dra. Nilce, "as vítimas são sempre vítimas, mesmo que elas migrem voluntariamente. Porque ninguém com uma condição razoável vai se deixar traficar. Não existe tráfico de pessoas ricas". Além disso, "as vítimas são invisíveis no país de origem e de destino. De origem, porque vivem no submundo, à margem da sociedade; de destino, porque são clandestinas".

No Ceará
Embora com números modestos de punições contra traficantes de pessoas, o Estado do Ceará é considerado atuante pela procuradora da República, já que o crime é de difícil notificação. O Estado possui 18 processos do tipo, sendo nove inquéritos policiais em andamento.

Em 1998, a justiça cearense julgou e condenou pela primeira vez em todo o Brasil um caso de tráfico de pessoas. Silvânia Cleide Barros Vasconcelos foi condenada a quatro anos de reclusão e multa após tentar enviar três brasileiras para Israel.

Já em 2004, outro caso foi amplamente divulgado pela imprensa brasileira pela dura pena adotada. O cearense Francisco de Assis Marques de Aguiar e o baiano Valdinei Ramos dos Santos foram condenados a 30 anos e oito meses e a 15 anos, respectivamente, por tráfico de mulheres para a Espanha.

Nesse mesmo ano, a justiça cearense julgou outras três ações penais, sendo duas condenações - que, assim como a de Francisco Aguiar, estão em grau de recurso no TRF (Tribunal Regional Federal) - e uma absolvição. Houve, ainda, duas ações penais em 2005 e uma em 2006.

Dra. Nilce Rodrigues aponta que "o perfil da mulher traficada do Ceará não é a iludida. Ela vai pra exercer a prostituição que já praticava aqui. Só que ela passa a ser explorada, é transformada de uma mulher livre pra uma mulher explorada sexualmente, com atividades às vezes desumanas", assinala a procuradora. Segundo a procuradora, Ceará, Goiás, São Paulo e Rio de Janeiro são os Estados com maior número de vítimas do tráfico de pessoas.

A Pesquisa Nacional sobre Tráfico de mulheres, crianças e adolescentes (PESTRAF) aponta que a maioria das rotas do tráfico de pessoas estão no Norte (76) e no Nordeste (69) do país. Ao todo, são 241 rotas nacionais e internacionais, sendo 110 rotas de tráfico interno (78 interestaduais e 32 intermunicipais) e 131 externas. A pesquisa foi realizada em 2002 por diversas entidades civis e coordenada pelo Centro de Referência Estudo e Ações sobre Criança e Adolescente (CECRIA).
Adital

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