sexta-feira, 31 de julho de 2009

Paraguai conquista empate histórico

Brasil de Fato *
Adital

Por Daniel CassolCorrespondente em Assunção do Jornal BdF.

Se fosse futebol, poderia se dizer que o Paraguai garantiu um empate com sabor de vitória. Pois a declaração "Construindo uma nova etapa na relação bilateral", assinada no último sábado pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, em Assunção, se bem não atendeu a plenitude das reivindicações paraguaias sobre a hidrelétrica de Itaipu, pelo menos estabeleceu uma maior relação de igualdade entre os dois países.

A reportagem é de Daniel Cassol, correspondente em Assunção, Paraguai, do jornal Brasil de Fato, 27-07-2009.

"Nesta declaração não há vencedores nem vencidos. Ganhamos todos, para o bem de nossos povos e da região", fez questão de afirmar o presidente paraguaio após a assinatura do texto.
A declaração, considerada como "histórica" tanto por Lugo como por Lula, avançou naqueles pontos da negociação, iniciada em setembro do ano passado, sobre os quais pairavam as divergências mais importantes: o preço justo pela cessão da energia paraguaia ao Brasil e a possibilidade de o Paraguai vender parte de sua energia no mercado brasileiro. Sobre este último ponto, os governos manifestaram apenas uma intenção, sem estabelecer as formas como será implementado.

O Brasil pagará agora três vezes mais pela energia não utilizada pelo Paraguai. Dos atuais US$ 120 milhões, o Paraguai passará a receber cerca de US$ 360 milhões por ano. Não chega aos US$ 900 milhões anuais calculados pela Administração Nacional de Energia (ANDE, a estatal de energia paraguaia) como "justa compensação" pela exportação de energia, mas é um valor considerável que o governo pretende aplicar em projetos de desenvolvimento.

"Para nós, será de enorme importância ter recursos disponíveis para avançar no desenvolvimento e na geração de emprego. É uma maneira de integrarmos de forma diferente ao Mercosul", disse ao Brasil de Fato o vice-ministro de Relações Exteriores do Paraguai, Jorge Lara Castro. Além do aumento no valor, o Brasil anunciou que irá investir cerca de US$ 450 milhões na construção de uma rede de transmissão e de uma subestação elétrica no Paraguai.

O acordo mais importante, porém, diz respeito à possibilidade de o Paraguai vender no mercado brasileiro parte dos seus 50% da energia produzida por Itaipu. Até agora, toda a energia não utilizada pelo país vizinho deveria ser vendida à Eletrobrás. O governo paraguaio exigia o reconhecimento da sua soberania sobre a metade da energia produzida pela hidrelétrica, enquanto, no Brasil, se dizia que a venda de energia a outras empresas que não a Eletrobrás violaria o Tratado de Itaipu, assinado em 1973.

Na declaração assinada no sábado, os presidentes "reconheceram a conveniência de que a ANDE possa vender, na brevidade possível, comercializar, no mercado brasileiro, energia de Itaipu correspondente aos direitos de aquisição do Paraguai". Também afirmaram que os dois países "devem trabalhar juntos na busca de uma efetiva integração energética regional que contemple inclusive a possibilidade de que Paraguai e Brasil possam comercializar energia de Itaipu em terceiro mercados a partir de 2023", ano em que o Tratado de Itaipu será revisado.

Muito comemorada pelos negociadores paraguaios, a declaração seria um reconhecimento do direito à soberania do país sobre os 50% da energia de Itaipu. Ainda que a reivindicação de o Paraguai vender sua energia a outros países tenha ficado para 2023, o texto dá um primeiro passo ao admitir a possibilidade de o país começar a vender sua energia no mercado brasileiro.
"O Brasil reconhece pela primeira vez, de forma histórica, a possibilidade na disponibilidade para comercializar a terceiros países", afirmou Lugo. "Em apenas dez meses, graças à vontade política deste governo e do presidente Lula, se avançou o que foi impossível durante mais de 30 anos", comemorou.

Apesar da comemoração, os detalhes técnicos não ficaram esclarecidos. Os dois governos conformarão um grupo de trabalho, que terá 60 dias para definir a melhor forma jurídica e técnica de encaminhar as mudanças. A própria declaração reconhece que uma proposta deverá ser remetida aos Congressos de Brasil e Paraguai.

No Brasil, uma das questões que deve passar pelo Congresso Nacional é o aumento no valor da compensação financeira. A legislação sobre a comercialização de energia no mercado brasileiro também necessitaria de modificação para permitir que a ANDE vendesse sua energia no Brasil. "Cada governo terá de consultar sua área jurídica para ver a melhor forma de implementar", disse o assessor especial do presidente Lula, Marco Aurélio Garcia.

O vice-chanceler paraguaio acredita que não haverá dificuldades na aprovação pelos congressos. "Como existe uma boa disposição e vontade, os congressos brasileiro e paraguaio representarão bem a vontade coletiva e o compromisso com as relações de amizade entre os países", afirmou Jorge Lara Castro.

Melhorar as relações
A declaração conjunta tem ao todo 31 pontos. Além de Itaipu, eles contemplam uma série de investimentos em infraestrutura que o Brasil pretende realizar no Paraguai. Entre eles, a construção de duas pontes na fronteira entre os países e de uma ferrovia ligando Cascavel (PR) a Ciudad del Este.

No seu pronunciamento, o presidente brasileiro afirmou que os países maiores têm "obrigação de ajudar" o desenvolvimento de países menores. "Estamos tratando de melhorar as relações entre os países", disse Lula. "Ao Brasil não interessa crescer e se desenvolver se seus parceiros não crescerem também", completou.

Ao anunciar investimentos em infraestrutura no Paraguai, Lula sinaliza com o modelo de desenvolvimento sustentado pelas grandes empreiteiras. Na sexta-feira (24), as empresas brasileiras Camargo Corrêa e Votorantin anunciaram a construção de uma fábrica de cimento na região metropolitana de Assunção, no valor de US$ 100 milhões, anunciado como o maior investimento privado no país.

No ato de assinatura da declaração, Lula manifestou seu desejo de que o Paraguai se transforme numa "chance" e num "porto seguro" para investimentos privados.

* Agência Brasil de Fato. Uma visão popular do Brasil e do Mundo

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