quarta-feira, 2 de março de 2011

Entrevista com David Barrios: A construção de ‘inimigos internos’, o medo e a impunidade

Pablo Ruiz Espinoza
Adital
Tradução: ADITAL

No México, no final de janeiro, em Ciudad Juárez, organizações sociais e de direitos humanos impulsionaram um jejum para visualizar e demandar ações mais decisivas por parte do governo para frear a violência e as mortes que lá acontecem.

A situação é preocupante devido à quantidade de assassinatos, especialmente de jovens e de mulheres, devido ao clima de insegurança vivido pela população e pelo aumento da militarização para resolver problemas que têm a ver com temas estruturais do que com o narcotráfico propriamente dito.

Parte da população excluída e até os encarregados pelo cumprimento da lei estão enrolados nessa situação. Por isso, as palavras corrupção, cumplicidade e impunidade soam forte aqui.

Conversamos sobre esses temas com David Barrios Rodríguez, que faz parte do Observatório Latino-americano de Geopolítica da UNAM (Universidade Nacional do México).

Qual é a situação do México atualmente em matéria de militarismo e de direitos humanos?

O Estado e as Forças Armadas do México têm uma longa história de repressão aos movimentos sociais e de violações aos Direitos Humanos na qual, em termos gerais, tem primado a impunidade mais absoluta. No entanto, a partir de 2006, entramos em uma nova fase. De acordo à informação oficial, desde esse ano até hoje, foram assassinadas no México mais de 34.000 pessoas. Múltiplos relatórios de Direitos Humanos, como o de Human Rights Watch, assinalam que no México as Forças Armadas recorrem de maneira sistemática às execuções extrajudiciais, violações sexuais e torturas. Recentemente, a ONU expressou seu alarma porque nos últimos quatro anos foram assassinadas 1.000 crianças mexicanas nessa guerra. Estima-se que, anualmente, são seqüestrados no México uma média de 18.000 migrantes. Nesse lapso de tempo, nosso país converteu-se em um dos lugares mais perigosos para defensores de Direitos Humanos e jornalistas, que são desaparecidos ou assassinados às dúzias. Ao mesmo tempo, começamos a observar no México fenômenos como o aparecimento de grupos paramilitares que parecem realizar massacres com fins de "limpeza social”.

O Plano Mérida tem causado efeitos negativos?

O Estado mexicano e o governo norte-americano são cúmplices nesse banho de sangue. A guerra contra o narcotráfico e a Iniciativa Mérida foram desatadas em um marco de corrupção em todos os níveis o que tem permitido muita opacidade na informação e que garante impunidade com relação às violações generalizadas contra as garantias da população. A conduta do governo norte-americano tem sido oscilante, pois, apesar de em determinados momentos ameaçar deter a injeção de recursos devido às denúncias de violações aos Direitos Humanos no México, sempre tem sustentado (como aconteceu com Hillary Clinton há umas semanas em Guanajuato), que respalda a Guerra contra o narcotráfico mesmo que seus efeitos sejam "dolorosos”.

Por que Ciudad Juárez vive tantos crimes e violência?

Deve-se à conjugação de vários fatores. Recordemos que a partir de 1993 desenvolve-se nessa cidade um fenômeno de violência contra as mulheres (conhecido como feminicídio), que até agora continua impune. Trata-se do assassinato de centenas de mulheres que, em muitos casos, foram previamente torturadas, mutiladas e violentadas sexualmente. Além das linhas de investigação que tem se desenvolvido (assassinos em serie, violência intrafamiliar), percebe-se um clima de violência generalizada, diríamos capilar contra as mulheres. Me dá a sensação de que nos últimos anos essa experiência tem se ampliado para o resto da população, no sentido de que se trata de distintas violências que se articulam e onde, com certeza, a sustentação é a violência estrutural do modelo econômico e social que gera cada vez maiores níveis de exclusão. Por outro lado, Juárez tem uma grande importância estratégica por sua condição de fronteira e de passagem natural para os Estados unidos. Nos últimos anos, quando os antigos cartéis da droga se fraturaram em várias facções, a "praça” de Juárez tornou-se um lugar de disputa importantíssima e por isso concentra enormes níveis de violência. No entanto, como eu mencionava há um momento, muitas das execuções são dirigidas contra centros de reabilitação e usuários de drogas, trabalhadores da construção civil e em geral gente muito humilde, o que nos conduz a pensar que grupos de "limpeza social” estão atuando. O que é verdadeiramente preocupante é que todas as nortes são incluídas na cifra de mortos pela guerra contra o narco (algo que Marisela Escobedo denunciava sobre as cifras de feminicídio, antes de ser assassinada em dezembro 2010).

Tu crês que está sendo criado ou maquinado um clima artificialmente para justificar a militarização do México?

O que creio é que a militarização é também empregada com objetivos de controle social tanto para preservar a desigualdade imperante quanto para reprimir aos movimentos sociais do país. Esses seriam os objetivos velados do incremento da presença militar nas ruas. Isto é, que esse estado de guerra resulta funcional para o saqueio de recursos estratégicos, para o ataque à classe trabalhadora e, de maneira muito significativa, para tentar legitimar a uma classe política parasitária e corrupta. A construção de inimigos (como o terrorismo ou o narcotráfico) ou a sensação de caos sempre são recursos disponíveis para gerar sociedades tolerantes ou, inclusive, cúmplices com o autoritarismo. A repressão em Atenco e em Oaxaca, em 2006, fala também da intenção do Estado mexicano de calar a dissidência no país através dos métodos mais violentos.

A situação de Ciudad Juárez também se dá em outros lugares?

Infelizmente, a violência e a militarização estão generalizadas em praticamente todos os Estados do país. A situação é especialmente delicada em Nuevo León, Michoacán, Guerrero ou Tamaulipas; porém, em todos os Estados há execuções e uma crescente presença militar.

Qual foi o resultado do jejum em Ciudad Juárez? Houve alguma conquista?

Primeiro, é preciso assinalar que o jejum foi feito com o objetivo de comemorar o primeiro aniversário de luto de 15 jovens da cidade que foram massacrados no dia 31 de janeiro de 2010, em Villas de Salvárcar. Teve também como marco o aniversário de luto de Mahatma Gandhi e a reivindicação da resistência não violenta ativa. Considero que são louváveis os esforços em Ciudad Juárez que tenham como horizonte a demanda de paz com justiça, porque também existe um movimento "branco” que exige mais militarização. Nesse momento, é bastante ampla a inconformidade com a presença da Polícia Federal e do Exército na cidade. Durante o jejum, se refletiu sobre a necessidade de enfrentar o medo que tolhe a população e começar a organizar-se para demandar o regresso do exército e da Polícia Federal aos quartéis. Nesse sentido, o jejum foi um sucesso. Um grupo de 60 a 70 pessoas acampamos no centro da cidade. No entanto, quero assinalar que entre 30 e 31 de janeiro, isto é, no momento em que realizávamos o jejum, foram assassinadas 7 mulheres no Estado de Chihuahua. Entre elas, uma jovem de 16 anos em Villas de Salvárcar, que recebeu 6 tiros por parte da Polícia Federal ao sair de uma festa. Da mesma forma que na agressão contra Darío Álvares, em outubro de 2010, seria ingênuo pensar que se trata de uma coincidência. O Estado mexicano tenta amedrontar a incipiente organização da população contra a militarização.

Algum outro comentário...?

Algo que me parece crucial é difundir o que está acontecendo em meu país, nesse sentido é muito importante que organismos como SOAW e as distintas redes internacionais contra a militarização e a favor dos Direitos Humanos levantem sua voz contra o que acontece no México. Em particular, creio que é necessário oferecer cobertura aos ativistas de Ciudad Juárez e de outros lugares do país. A maneira como foram assassinadas Marisela Escobedo e Susana Chávez demonstra o cinismo e a impunidade que vivemos no México. A opinião pública internacional tem uma grande responsabilidade porque pode pressionar de maneira efetiva aos governos do México e dos Estados Unidos. No que se refere à sociedade mexicana, cada vez existe mais iniciativas para deter a guerra; porém, é indispensável articulá-las. Todos os esforços por deter essa guerra são necessários se quisermos evitar uma catástrofe ainda maior.

[Esta entrevista está no Boletín electrónico Encuentro entre los Pueblos.

Ver em: http://encuentronortesur.files.wordpress.com/2011/02/boletin5.pdf].

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