Maria Clara Lucchetti Bingemer
Teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio
Adital
Parece incrível que isso tenha acontecido com um país tão desenvolvido, como o Japão, e um povo tão disciplinado e ordenado como o japonês. De repente toda a população sobressaltada, passando do sobressalto à dor, e após constatar-se a si mesmo em vida, ter que viver com uma ameaça permanente sobre a cabeça. Que rastros danosos e mortais terão deixado a irradiação em seus corpos e vidas?
A comparação com a tragédia de Hiroshima é inevitável. Há, porém, uma diferença fundamental. Esta foi provocada por agentes externos, enquanto agora o detonador se encontrava dentro do próprio corpo do belo arquipélago japonês. Foi de dentro de suas entranhas que o Japão viu surgir o monstro que lançou a destruição sobre seu território e agora exibe sequelas a serem rastreadas entre seu povo.
O fato é que após os tremores e o tsunami, o Japão está sob sério risco de explosões nucleares. As autoridades, extremamente preocupadas, informam que a possibilidade de uma nova explosão é muito alta, pois a usina nuclear de Fukushima sofreu sérios danos durante o terremoto do último dia 11 de março e no dia seguinte, sábado, 12, explodiu pela primeira vez.
Ninguém duvida que o disciplinado povo japonês esteja tomando medidas para evitar nova explosão. No entanto, se esta acontecer, o reator nuclear será irremediavelmente danificado, afirma o porta-voz do governo japonês. E ainda que a nova explosão não aconteça, a Companhia Elétrica de Tóquio informa que os níveis de radiação ao redor da usina já estão acima dos limites permitidos. Houve a tentativa de refrigerar o núcleo radiador com água do mar, mas não foi eficaz.
Com grande eficiência, os cerca de 170 mil moradores da área foram retirados. No entanto, cerca de 20 pessoas foram comprovadamente expostas à radiação e recebem tratamento. E mais longe o medo cresce: e a água? E os rios? E os alimentos e plantações? Não estará tudo também contaminado, provocando uma super contaminação em série exponencial como há anos em Chernobyl, na Ucrânia, cujos moradores até hoje sofrem as consequências nefastas do acidente nuclear?
O número de mortos vítimas do terremoto e do tsunami no Japão já passa de 10 mil. Histórias comoventes de sobrevivências aparentemente impossíveis, como as da avó e do neto, de 16 anos, soterrados na cozinha de casa e resgatados após 9 dias emocionam o mundo.
É o mundo inteiro que treme com o Japão. É o coração de toda a humanidade que bate por Fukushima como bateu por Hiroshima. No entanto, não basta compadecer-se e sofrer em comunhão com o povo japonês e os estrangeiros que lá se encontram e foram colhidos de surpresa pela catástrofe. É preciso aprender as lições das tragédias. E uma dessas lições é que sistemas tão complexos como reatores nucleares não são totalmente seguros. Ao contrário, são extremamente vulneráveis e não é possível à ciência e à técnica humanas, por mais avançadas que sejam, prevenir e evitar acidentes que porventura possam acontecer.
A energia nuclear não é segura. E isso exige que os países que a usam façam uma séria reavaliação sobre seu uso. De todas as desvantagens e negatividades, a maior de todas é o enorme risco que representa para o meio ambiente e a vida humana. A radioatividade é, sem dúvida, o flanco aberto da energia nuclear. Especialmente perigosa, causa não apenas mortes imediatas como em Chernobyl, mas doenças letais – o câncer e outras – que se manifestam anos depois.
Por isso, alguns países optaram por excluir a energia nuclear das opções de seu sistema. Outros, como o Japão a mantiveram. Passaram-se 25 anos sem acidentes e a confiança da humanidade na segurança dos reatores foi crescendo. Agora, o caso japonês foi um duro golpe sobre esta confiança e credibilidade. O nobre povo japonês saboreia os frutos amargos dessa escolha.
Que a lição de Fukushima plante firme em nossas mentes e corações que a ciência e a técnica necessitam de limites e vigilância ética. Incessantemente e sempre. Mesmo quando tudo parece tranquilo e sem riscos. Pois qualquer coisa que ameace a vida humana não pode ser positiva, mesmo que traga avanços e progressos de qualquer tipo.
Num mundo onde tudo é profano, só uma coisa é sagrada: a humanidade, criatura querida e dileta do Criador. Preservá-la é o dever mais sagrado de todo ser humano em tudo que puder e desejar produzir e inventar. Que a dor do Japão nos ensine isso em todas as partes do globo terrestre.
[Maria Clara Bingemer é autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros.
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